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3. DIREITO À IMAGEM

3.3. A palavra “imagem”

Antonio CHAVES escreveu certa vez: “Dentre todos os direitos da

personalidade não existe outro tão humano, profundo e apaixonante como o direito à própria imagem. Mas o que é que vem a ser imagem?”187.

A conceituação de imagem, de acordo com o verbete no dicionário

Houaiss, sinaliza que não é tarefa fácil a delimitação de seu conteúdo

semântico, pois aponta várias acepções para a palavra, dentre elas as de que

é “representação da forma188 ou do aspecto do ser ou objeto por meios

artísticos”, de “aspecto particular pelo qual um ser ou um objeto é percebido” e “reprodução invertida de um ser ou de um objeto, transmitida por uma

superfície refletora”189.

Esses três sentidos da palavra “imagem” limitam-se apenas à assimilação do ente ou da coisa por meio da representação, percepção e reflexo. Em outras palavras, comporta o que o sujeito vê, o que o outro percebe e como pode ser representado.

187 Antonio CHAVES, Direito à própria imagem, in RT 451, maio de 1973, p. 11. 188

A palavra “forma” é utilizada em seu significado de “aquilo que pertence à essência ou substância da coisa, por isso, essencial, substancial, atual”. (Nicola ABBAGNANO, verbete Formal, in Dicionário de Filosofia, p. 545).

Para Nicola ABBAGNANO imagem é “semelhança ou signo das

coisas, que pode conservar-se independentemente das coisas”190. Portanto, imagem é composta de duas ideias: a primeira é que existe uma coisa (ou um ente) e a segunda é que existe a representação deste. O mesmo autor ensina

que os epicuristas191 desenvolveram conceito igual ao admitirem a verdade de

todas as imagens produzidas pelas coisas, pois o que não existe não produz nada192.

Também Lucia SANTAELLA e Winfried NÖTH ensinam que o mundo das imagens se divide em dois domínios que estão inextricavelmente ligados em sua gênese: o domínio das imagens como representações visuais (desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas) e o domínio imaterial das imagens em nossa mente como representações mentais que tem origem no mundo concreto dos

objetos visuais193.

É comum denominar de imagem a representação que se tem das coisas ou entes. Com isso, os termos imagem e representação são

empregados com o mesmo significado194. Tomás de AQUINO, no entanto,

afirma que para compreender imagem é preciso, antes, estabelecer

considerações sobre origem e semelhança195.

Sobre a ideia de origem, Tomás de AQUINO cita Santo Agostinho

190 Nicola ABBAGNANO, verbete Imagem, in Dicionário de Filosofia, p. 620.

191 Escola filosófica fundada por Epicuro de Samos no ano de 300 aC em Atenas (Nicola

ABBAGNANO, verbete Epicurismo, op. cit., p. 390).

192 Nicola ABBAGNANO, idem, ibidem.

193 Lucia SANTAELLA e Winfried NÖTH, Imagem: cognição, semiótica, mídia, p. 15. 194 José FERRATER Mora, verbete Imagen, in Diccionario de FilosofÍa, p. 1625.

195 São Tomás de Aquino trata do tema Imagem na Questão 35, em dois artigos, e na Questão

93, em nove artigos, ambas da Parte I da Suma teológica. A importância do tema para Tomás de Aquino se justifica para explicar a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo – se os dois últimos são imagem do primeiro) e para esclarecer o que significa ser o homem produzido “à imagem e à semelhança de Deus”.

para explicar que “um ovo não é a imagem de outro ovo, porque ele é sua não

expressão196. Para que algo seja verdadeiramente imagem, requer-se que proceda de outro de maneira a se assemelhar na espécie, ou pelo menos em um sinal da espécie”197. Nesse sentido, para existir imagem é necessário existir dois objetos separados pelo tempo, uma vez que a existência de um é anterior ao do outro, mas unidos pela origem em que o último deriva do primeiro.

Quanto à semelhança, explica que para compreender se algo é imagem de outro é preciso considerar se há semelhança, não qualquer semelhança, mas a contida na espécie da coisa ou em algum sinal da espécie que justifique a ideia de imagem. Afirma AQUINO, por exemplo, que o sinal da espécie para as coisas corpóreas parece ser a figura, e esclarece: “Vemos,

com efeito, que os animais de espécies diferentes têm figuras diferentes, mas não cores diferentes. Por isso, se se pinta sobre a parede a cor de alguma coisa não se chama a isso imagem, mas somente se se pinta sua figura”198.

Tomás de AQUINO denomina de “exemplar” o objeto (coisa, suporte, elemento) original e de imagem o que procede à sua semelhança. O conceito de exemplar é o que funciona como modelo ou arquétipo, no sentido

de ser objeto de imitação. É causa formal199 ou ideal daquilo que a imitação

produz 200.

A distinção é muito oportuna para o desenvolvimento deste trabalho. Isso porque as indagações sobre o direito à imagem ora versam sobre o “exemplar” – mais tecnicamente à “tutela da imagem original” –, ora se referem à imagem propriamente dita que são as representações, percepções ou reflexos do ente ou coisa, materializados por vários meios, como pintura,

196

A palavra “expressão” tem em um dos seus sentidos filosóficos o de “manifestação por meio de símbolos ou comportamentos simbólicos” (Nicola ABBAGNANO, verbete Expressão, in

Dicionário de Filosofia, p. 484). Antonio HOUAISS cita para o verbete os seguintes

sinônimos: “(...) 3. fisionomia: semblante; 4. manifestação; 5. personificação: encarnação, exemplar, modelo, protótipo; 6. revelação: demonstração, exibição, exteriorização” (Dicionário

Houaiss de sinônimos e antônimos, p. 311.).

197 Suma teológica: Parte I, questão 35, artigo 1 (resposta), p. 588. 198 Op. cit., p. 587.

199 Vide nota 188 deste trabalho.

desenho, caricatura, fotografia, filme ficcional ou documental, gravação de voz falada ou cantada e outros meios que vierem a ser desenvolvidos com base em avanços tecnológicos.