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Noções de sistema dos direitos da personalidade

2. DIREITOS DA PERSONALIDADE

2.4. Noções de sistema dos direitos da personalidade

O desenvolvimento dos estudos e da legislação dos denominados direitos da personalidade trilhou caminho diverso da maioria dos institutos do direito privado. Os civilistas se habituaram a encontrar no direito grego e principalmente no direito romano a fonte de suas teorias e a justificação da

evolução dos institutos119. Contudo, no caso dos direitos da personalidade esse

mecanismo de análise pouco acrescenta, pois embora seja possível encontrar suas raízes históricas no direito grego e romano mediante normas de proteção a bens como vida, corpo, honra ou liberdade, não constituiu um sistema. Isso porque foi necessária para sua sistematização a consolidação das ideias de

118 Leonardo MARTINS, Introdução à jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão,

in Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, p. 96.

119 Sobre o interesse na história dos institutos jurídicos Franz WIEACKAR alerta que sistemas,

princípios e conceitos têm, na verdade, pouca história, tais como as leis da natureza ou os princípios lógicos. A chamada “evolução” consiste “em mutações na consciência, nas convicções e nas regras de comportamento dos ‘corpos’ históricos dos juristas. Só a conexão da atual dogmática com as anteriores, operada através da tradição, provoca a ilusão de que a dogmática teria uma história”. História do Direito Privado moderno, p. 6.

direitos inatos, de direitos fundamentais e de direitos subjetivos, que

floresceram a partir do séc. XVIII120.

Outra consideração histórica é que a proteção dos bens objeto dos direitos da personalidade se desenvolveu primeiramente sob o ponto de vista do direito público. Para Milton FERNANDES, o excepcional destaque atribuído ao tema no direito constitucional, penal e administrativo contribuiu para que os civilistas o considerassem matéria de direito público, ignorando sua importância no âmbito privado, sendo esta a razão pela omissão legislativa por tanto tempo

nos códigos civis121 e pelo tardio e ainda insatisfatório desenvolvimento

doutrinário.

O interesse pelos direitos da personalidade é recente, do ponto de vista histórico. Por isso, não se justifica a busca em um passado longínquo dos fundamentos desse direito, mesmo porque a grande intensidade de situações conflituosas que necessitaram de solução jurídica para proteger bens próprios

dos direitos da personalidade é resultado da vida moderna122. Exemplo desse

fenômeno é o direito de imagem que, antes do advento da tecnologia de captação da imagem (conhecida hoje como fotografia), praticamente não era atingida.

Até mesmo o conceito de vida privada sofreu alterações importantes

ao longo da história, tendo raízes modernas123 o direito à privacidade. Na

120 Rabindranath Valentino Aleixo CAPELO DE SOUZA, O Direito geral da personalidade, p.

91. No primeiro capítulo do livro, o autor realiza um amplo estudo sobre a evolução da tutela da personalidade que, embora interessante, ultrapassa os limites do trabalho aqui por nós desenvolvido.

121 Os Direitos da Personalidade, in Estudos jurídicos em homenagem ao professor Caio

Mário da Silva Pereira, p. 135 a 138. Limongi FRANÇA ensina que o primeiro diploma

normativo a tratar de um direito da personalidade no âmbito privado foi a lei romena sobre direito ao nome, de 18 mar.1895, seguido pelo Código Alemão em 1900 e o Código Civil Suíço em 1907, que também trataram da tutela do direito ao nome. Apenas com o Código Italiano em 1942 que se passou a prever a tutela de outros direitos da personalidade como o próprio corpo e a imagem, por exemplo. (Direito da Personalidade I, in Enciclopédia Saraiva do Direito: v. 28, Direito processual/ dissolução de sociedade anônima, p. 142/143).

122 Adriano de CUPIS, Os direitos da personalidade, p.23 a 28. Tércio Sampaio FERRAZ Jr.,

Sigilo de dados: o Direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado, in Sigilo

fiscal e bancário, p. 18. Nota-se, porém que a afirmação do autor refere-se ao direito à

privacidade.

Antiguidade, ao contrário, a esfera do público significava a atividade exercida pelo cidadão livre no âmbito da polis (da cidade) entre iguais para realizar uma ação política (governança), e a esfera privada significava as atividades exercidas pelo homem para atender às exigências próprias da sua condição de animal (comer, dormir, procriar etc.) no âmbito familiar. Na era moderna, a distinção dessas esferas de atuação do homem foi embaralhada pela ideia de

que o homem era um animal social124. O termo “social” serve para qualificar a

atuação humana tanto na esfera pública quanto na esfera privada.

A esfera do “social público” é própria da política, da criação do Estado, já a esfera do “social privado” produz a noção de sociedade. Ora, sociedade é diferente de indivíduo. É essa a raiz dos direitos humanos modernos, uma vez que a atividade humana não se realiza mais como na Antiguidade, no âmbito da polis (para os cidadãos) e em âmbito doméstico- familiar: ela ocorre no Estado, na sociedade e com os indivíduos. É nesse contexto que surge o direito de privacidade.

Essas transformações da atividade humana no âmbito público- político, social-privado e individual, que modificaram de forma decisiva as circunstâncias sociais, econômicas e técnicas da vida em comum dos homens, alcançou o direito privado, que necessitou, e ainda necessita encontrar mecanismos e uma metodologia segura para a solução dos conflitos que afligem as pessoas.

Nessa perspectiva histórica recente de transformação é que se desenvolvem os direitos da personalidade. Em primeiro lugar, em razão do surgimento de situações jurídicas próprias desse novo tempo, e, em segundo, diante da necessidade de solução civilista e não apenas penal e constitucional para esses conflitos.

124 Hannah ARENDT explica em A condição humana

, p. 27, que a palavra “social” é de origem romana e não tem equivalente na língua ou no pensamento grego, mas a tradução de zoon politikon de Aristóteles como animal socialis na tradução consagrada por São Tomás de Aquino de que “o homem é, por natureza politico, isto é, social” (homo est naturaliter politicus, id est, socialis) revela que a original compreensão grega da política se perdeu, transformando profundamente o significado das esferas públicas e privadas.

Com o escopo de conhecer os direitos da personalidade, os doutrinadores têm se dedicado a caracterizá-los e a classificá-los. Quanto às características, afirmam em regra que esses direitos são absolutos, extrapatrimoniais, originários, vitalícios, imprescindíveis, indisponíveis,

imprescritíveis, irrenunciáveis e intransmissíveis125.