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4. DA AUTONOMIA DO DIREITO À IMAGEM

4.4. Sujeitos do direito à imagem

4.4.2. Imagem da Pessoa Jurídica

Neste trabalho, o estudo de direito à imagem voltou a atenção à imagem da pessoa humana. Todavia, é mister analisar se o direito à imagem cabe igualmente à pessoa jurídica.

Pessoa Jurídica é uma reunião de pessoas ou de patrimônio constituído conforme legislação para uma determinada finalidade (objeto social), detendo personalidade jurídica para contrair e exercer direitos e obrigações, atuando na vida jurídica com personalidade diversa das pessoas

que a compõe362. A pessoa jurídica, quanto à sua órbita de atuação, pode ser

de direito público (interno e externo) e de direito privado, que são as corporações (associações e sociedades) e as fundações. Essas pessoas jurídicas podem ter fins econômicos (sociedade) ou não econômicos (associações e fundações).

O Direito reconhece a pessoa jurídica como sujeito de direito em razão de ser ela essencial para a realização de fins, apenas possíveis de

360 Conferir: < http://anabinhoepietro.blogspot.com.br/ > Acesso em 13/mar./2013.

361 Verificar: < http://oglobo.globo.com/pais/falsa-gravida-de-taubate-pagara-indenizacao-por-

usar-ultrassom-4978330-gravida-de-taubate-pagara-indenizacao-por-usar-ultrassom-4978330 > Acesso em 13/mar./2013.

serem alcançados com o somatório de pessoas e patrimônio. Além disso, a pessoa jurídica é um mecanismo de transformação e inserção de benefícios para toda a sociedade. O Código Civil de 2002 disciplinou sobre a matéria nos

Arts. 40 a 69 (disposições gerais, associações e fundações) e no Livro II – Do

Direito de Empresa (Arts. 966 a 1195). Dentre esses artigos, interessa a

análise do Art. 52 que dispõe: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a

proteção dos direitos da personalidade”.

O direito à imagem é um dos direitos da personalidade. Esse direito caberia naqueles direitos da personalidade extensíveis à pessoa jurídica? De outro modo, a pessoa jurídica tem imagem? E, por consequência, tem direito à imagem?

Walter MORAES entende que o direito à imagem se restringe à figura humana, não podendo uma pessoa jurídica pleitear a tutela desse direito,

pois o que possui não é imagem, mas símbolos363.

Contudo, é necessário contextualizar a afirmação do autor em relação ao tempo em que fez esta afirmação, muitos anos antes da Constituição Federal de 1988, tempo este em que o principal dispositivo sobre imagem se restringia ao Art. 666 do Código Civil de 1916.

Todavia, a atual Constituição Federal ao garantir a inviolabilidade da imagem no inciso X, do Art. 5º e ao dispor sobre direito de resposta e indenização por dano à imagem, no inciso V, do Art. 5º, não excetuou a pessoa jurídica.

Luiz Alberto David ARAUJO, de acordo com sua distinção de imagem-retrato e imagem-atributo, afirma que, enquanto a imagem-retrato é própria das pessoas naturais (inciso X), a imagem-atributo pode envolver além

da pessoa natural, a pessoa jurídica (inciso V)364.

363 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 65. 364 A proteção constitucional da própria imagem, p. 119.

Explica o autor que o constituinte, ao garantir direito de resposta e indenização ao dano à imagem, reconheceu que os meios de comunicação por intermédio de mentiras e principalmente de meias-verdades podem causar um imenso prejuízo material e moral às pessoas, sejam elas naturais, sejam jurídicas. E por meio do dano à imagem o constituinte facilitou a comprovação desse prejuízo, pois não é preciso demonstrar redução patrimonial (dano material) ou existência de dor profunda (dano moral), basta demonstração de existência de dano à imagem para requerer direito de resposta e

indenização365.

É preciso, porém, compreender em que consiste essa imagem da pessoa jurídica.

Déborah Regina Lambach Ferreira da COSTA afirma que a pessoa jurídica possui, além de um patrimônio material, um patrimônio imaterial que compreende a sua credibilidade, a reputação que goza no meio social em que desenvolve sua atividade, e eventual lesão a essa imagem pode até mesmo

inviabilizar a realização das atividades para qual foi criada366, como fundações

ou associações, que por serem pessoas jurídicas que não visam lucro, necessitam resguardar bem sua imagem (confiança, credibilidade, reputação) perante a comunidade para continuarem a angariar fundos com o fim de exercer a atividade para o qual foram criadas.

Não obstante, a designação da autora sobre o que é patrimônio imaterial, é oportuno repassar o estudo dos bens classificados em corpóreos (materiais) e incorpóreos (imateriais). Os bens corpóreos são aqueles que têm existência material perceptível pelos sentidos, podendo ser móveis ou imóveis. Os bens incorpóreos são os de existência abstrata ou ideal, mas de valor

econômico; são criações da mente, reconhecidos pela ordem jurídica367. São

eles: o crédito, a sucessão aberta, o nome, o fundo de comércio (aviamento e

365 Op. cit., p. 122 e 124.

366 Reparação do dano à imagem das pessoas jurídicas. Tese. (Doutorado em Direito Civil

comparado com orientação de Maria Helena Diniz) Faculdade de Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2010, p. 214.

367 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, vol. 1, p. 278. Pablo

clientela), o direito de autor, as patentes, os desenhos industriais, as marcas etc.

Na perspectiva de Luiz Alberto David ARAUJO, sob o ponto de vista tradicional do estudo do tema não se admite que a pessoa jurídica possa pleitear direito à própria imagem. Sustenta, todavia, que imagem-atributo,

denominação então por ele dada, é extensível à pessoa jurídica368.

Porém, o conceito de imagem-atributo, criado por Luiz Alberto David ARAUJO, refere-se à reputação, ao prestígio da pessoa jurídica, e não a uma representação que os outros possuem dela, pois há pessoas jurídicas que

gozam de reputação e prestígio em seus atos e atividades369 e nem por isso

possuem imagem, uma vez que as mesmas não são individualizadas por nenhuma representação perceptível.

De acordo com o que já expusemos neste trabalho, uma das acepções da palavra imagem é de aspecto particular, pelo qual um ser ou um

objeto é percebido370. Assim, é possível inferir que algumas pessoas jurídicas

têm uma percepção uniforme pela sociedade. Essa percepção da pessoa jurídica é a sua imagem construída e desenvolvida ao longo da realização de seus fins sociais.

Essa imagem construída não é o produto, a marca ou o logotipo (símbolos), tão pouco o slogan. Também, não é a fotografia da fachada do estabelecimento. Todos eles são meios de identificação ou obtenção do fim social da pessoa jurídica.

A imagem da pessoa jurídica é resultado daquilo que ela constrói como conteúdo de sua mensagem institucional veiculada por slogans, propagandas e produtos tornados perceptíveis às pessoas humanas. Não se pode negar que a Empresa Coca-Cola possui uma imagem que vai além dos

368 Op. cit., p. 121. 369

Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade NERY ensina que “A vontade realizada do sujeito se manifesta [...] no direito civil, essencialmente, pelos atos; no direito mercantil, pela atividade”. (Ato e atividade, in Revista de Direito Privado, nº 22, p. 10.)

produtos que essa comercializa; as pessoas desconhecem seu nome (denominação), seu tipo societário, seu estabelecimento (fábricas), seus prepostos e até mesmo a composição de seus produtos, ou seja, não identificam de modo completo a empresa. Mas a maioria possui uma percepção do que seja a Coca-Cola, porque seus comerciais, com raras exceções, não vendem os produtos, mas constroem uma ideia de um ente, são

as chamadas propagandas institucionais ou corporativas371, as quais visam

incutir nas pessoas a sensação de que existe algo mais além da fabricação e comercialização de refrigerantes ali veiculada naquela propaganda. Tanto que a Coca-Cola pode representar moda, arte (Andy Warhol), diversão, calor, ou

nos termos de seu slogan de 1983: “Coke is it” (Coca-Cola é isso aí!)372.

Ressalte-se que a imagem não é o slogan porque esse pode mudar

com o tempo373, mas sim o conteúdo que o mesmo transmite e é percebido

pelas pessoas. Logicamente, essa percepção advém da repetida influência de comerciais, da insistência da aparição na vida cotidiana e das sensações que os produtos ou serviços proporcionam às pessoas.

A Ministra Nancy ANDRIGHI do Superior Tribunal de Justiça ao decidir sobre pedido de dano moral da pessoa jurídica em razão de falsificação reconhece o direito à imagem da pessoa jurídica, distinguindo-o do direito de

371 José Benedito PINHO diferencia a propaganda institucional da corporativa: a propaganda

institucional denominada por alguns autores americanos de ‘propaganda de relações públicas’, pois é uma área em que as atividades de relações públicas e de propaganda interagem, seu propósito é preencher as necessidades legítimas da empresa, não apenas a de vender um produto ou serviço; a propaganda corporativa é a divulgação institucional de uma empresa, tem, entre seus propósitos específicos, o objetivo de divulgar e informar ao público as políticas, funções e normas da companhia; de construir uma opinião favorável sobre a companhia, e de criar uma imagem de confiabilidade para os investimentos em ações da companhia ou para desenvolver uma estrutura financeira. (Propaganda Institucional: uso e funções da propaganda em relações públicas, p. 23).

372 Outros exemplos: APPLE -

“THINK DIFERENT” (Pense Diferente); Rede GLOBO “A gente se liga em você”; McDonald’s – “Amo muito tudo isso”.

373 Outros slogans da Coca-Cola no Brasil: 1942: "A pausa que refresca"; 1952: "Isto faz um

bem"; 1957: "Signo de bom gosto"; 1960: "Coca-Cola refresca melhor"; 1964: "Tudo vai melhor com Coca-Cola"; 1970: "Isso é que é"; 1976: "Coca-Cola dá mais vida"; 1979: "Abra um sorriso. Coca-Cola dá mais vida"; 1982: "Coca-Cola é isso aí"; 1988: "Emoção pra valer!"; 1993: "Sempre Coca-Cola"; 2000: "Curta"; 2001: "Gostoso é viver"; 2003: "Essa é a real"; 2004: "Viva o que é bom"; 2006: "O lado Coca-Cola da vida"; 2007: "Viva o lado Coca-Cola da música"; 2008: "Cada gota vale a pena"; 2009: "Abra a Felicidade"; 2010: "Viva Positivamente"; 2011: "Os Bons são a Maioria"; 2012: “Existe razões para acreditar”. (Disponível em <http://nerdnaogeek.blogspot.com.br/ e http://jipemania.com/coke/slogans.htm> Acesso em 25/fev./2013)

marca, ao esclarecer que marca apenas designa um produto e a sua violação

produz dano material374, enquanto a falsificação pode ter outras consequências

além da diferença entre o que foi vendido e o que poderia ter sido

comercializado. Em suas palavras: “A vulgarização do produto e a depreciação

da reputação comercial do titular da marca, efeitos da prática de falsificação, constituem elementos suficientes a lesar o direito à imagem do titular da marca, o que autoriza, em consequência, a reparação por danos morais”375.

A violação do direto à imagem da pessoa jurídica pode gerar um prejuízo material, moral ou de imagem. Gustavo TEPEDINO refuta a ideia de dano moral da pessoa jurídica por entender que não é admissível atribuir-lhe a noção de dignidade, mas reconhece que a credibilidade da pessoa jurídica é elemento imprescindível para o sucesso da sua atividade devendo, portanto, ser objeto de proteção jurídica. Todavia, essa proteção deve se dar por meio

do ressarcimento por danos materiais e institucionais376.

A fim de explicar o que chama de dano institucional, o autor diferencia a pessoa jurídica com fins lucrativos e sem fins lucrativos. A proteção da pessoa jurídica com fins lucrativos resume-se a uma preocupação dos aspectos pecuniários derivados de um eventual ataque à sua atuação no mercado, repercutindo em sua capacidade de produzir riqueza, no âmbito da atividade econômica por ela desenvolvida, traduzindo em diminuição de seus resultados econômicos, gerando dano material. As pessoas jurídicas sem fins lucrativos quando atingidas em sua credibilidade ou reputação não sofrem, a

374 REsp 1032014/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em

26/5/2009, DJe 4/6/2009). Esclarece-se que nesse julgado o STJ entendeu que o bem atingido pela falsificação foi o do direito à identidade.

Ementa: “[...] Certos direitos de personalidade são extensíveis às pessoas jurídicas, nos termos do art. 52 do CC/02 e, entre eles, se encontra a identidade. Compensam-se os danos morais do fabricante que teve seu direito de identidade lesado pela contrafação de seus produtos”.

375 Nota-se que o caso julgado versa sobre a falsificação de bolsas para consumidores de alta

renda e que importa é a imagem de exclusividade dos produtos; nesse sentido é o teor da Ementa: “(...) A prática de falsificação, em razão dos efeitos que irradia, fere o direito à imagem do titular da marca, o que autoriza, em consequência, a reparação por danos morais.” (REsp 466.761/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. 03/04/2003, DJ 4/8/2003, p. 295). Ressalta-se que os Acórdãos foram analisados conjuntamente, pois a ministra relatora faz referência de um no outro.

376 Gustavo TEPEDINO, A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional

seu ver, exatamente dano material, porque não produzem riqueza, e tampouco

sofrem dano moral – o ato lesivo é contra a instituição –, sofrendo, por isso,

dano institucional377.

Em que pese o entendimento do autor, a violação do direito à imagem repercute na percepção construída pela instituição, independente do prejuízo material (diminuição de receita) ou moral (reputação, credibilidade). E não está relacionada com a finalidade econômica ou não da pessoa jurídica. Isso porque há corporações que têm uma imagem não associada a seu fim econômico. O dano institucional é um dano à imagem da pessoa jurídica.

A questão do dano moral da pessoa jurídica foi superada pela

Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer

dano moral”.

A pessoa jurídica tem um patrimônio material e moral, este último associado a sua identidade de empresa, reputação e lisura nas suas relações. A imagem não é a moral da pessoa jurídica, porque a atividade pode ser moralmente reprovável, não significando necessariamente que a imagem foi atingida. Por exemplo, a notícia de que fornecedores da loja de roupas ZARA atuam em sistema de trabalho análogo ao escravo traz reprovação à loja quanto a moralidade da escolha de seus fornecedores, quando na busca do lucro se opta por vantagens competitivas oriundas de ilicitudes de terceiro, afetando até a sua reputação. No entanto, tais fatos não tornaram os produtos que comercializa e suas lojas, caracterizados por decoração e localização diferenciados, menos interessantes ou elegantes, nem sequer afetou a percepção de que a ZARA é um negócio de moda. O mesmo poderia se dizer

da APPLE que tem gadgets378 manufaturados na China, com vantagens

competitivas fruto de trabalho sem direitos e garantias consagrados no âmbito do direito internacional do trabalho, e nem por isso sua imagem de empresa de produtos inovadores, diferentes, é abalada por isso. [

377 Op. cit., p. 57.

378 Dispositivos eletrônicos portáteis como PDAs, celulares, smartphones, leitores de mp3,

A imagem da pessoa jurídica é atingida quando por ato lícito ou ilícito de terceiro se atinge a percepção construída dessa pessoa, assim como pode ocorrer no caso já referido da falsificação de produto que afeta a imagem de exclusividade dos produtos ou serviços da pessoa jurídica.

Exemplo de como a imagem da pessoa jurídica pode ser atingida por ato lícito ocorreu com o documentário sobre a rede de lanchonetes Mc Donald’s. O diretor Morgan Spurlock no filme “Super size me: A dieta do palhaço”, indicado ao Oscar de melhor documentário longa-metragem em 2004, demonstrou que se uma pessoa se alimentasse apenas em restaurantes da rede, realizando três refeições diárias por um mês ficaria obesa e doente. Ora, o filme pode até não ter causado dano material à empresa, mas certamente atingiu a imagem que o McDonald’s possui de ser um lugar para comer supostamente rápido, saboroso, agradável, alegre. Veja que não se trata de moral, mas da percepção que as pessoas têm do que seja o McDonald’s.

A resposta da corporação a esse documentário foi inserir nos produtos uma mensagem de alerta. Nela, avisa-se que os lanches não são refeição e informam-se os ingredientes e as especificações calóricas. Além disso, a empresa atualmente comercializa saladas de vegetais e mais recentemente incluiu a opção de frutas como sobremesa nos lanches infantis. Tudo para não afetar a imagem construída de lugar agradável em que se vende comida rápida.

As considerações sobre imagem da pessoa jurídica de direito privado também se aplicam à pessoa jurídica de direito público, especialmente, mas com algumas ressalvas, as do § 1º do Art. 37 da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. (Grifo nosso.)

O Estado democrático de Direito pressupõe uma periodicidade e alternância de poder, de modo que cada governo tende a construir uma

imagem de sua gestão, que acaba sendo a percepção que os cidadãos possuem da pessoa jurídica de direito público. O dispositivo constitucional (Art. 37, §1º) apresenta os parâmetros do conteúdo dessa construção, pois diferentemente do particular, o Estado só faz aquilo que a lei permite. Dessa maneira, o legislador proíbe a imagem do agente público, dissociando da imagem da pessoa jurídica. Para o mesmo fim, a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, veda a publicidade institucional em período eleitoral.

Em síntese, tem se que por força do artigo 52 do Código Civil de 2002, a pessoa jurídica tem direitos da personalidade. Dentre esses direitos, está o direito à imagem.