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4. DA AUTONOMIA DO DIREITO À IMAGEM

4.3. Proteção jurídica da imagem

A Ciência do Direito quanto ao direito à imagem tem dirigido seus esforços em estudar a imagem sob a vertente da imagem decorrente, concentrando no retrato e na sua divulgação a incidência dos estudos e

340 Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 81.

341 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, vol. 1, p. 188. 342 Walter MORAES, op. cit., p. 80.

comentários. É necessário, contudo, observar o conceito da imagem de modo amplo, compreendendo todos os aspectos que integram seu conjunto.

Conforme já citamos neste trabalho, Paulo VERCELLONE e GITRAMA González compreendem ser a imagem apenas aquela decorrente, reprodução ou refletida (retrato). Os mesmos não vislumbram a proteção jurídica da imagem original (exemplar), restringindo a proteção jurídica da

imagem decorrente ao direito de opor-se a divulgação do retrato343.

Walter MORAES distingue três categorias de fatos que demonstram a proteção direta da imagem original:

1) Na faculdade de auferir proveito pecuniário da própria imagem, por meio de contrato. O ato de servir de modelo, de posar para propaganda, publicidade, cinema ou qualquer outra situação similar, consiste no ato de disposição direta da própria imagem original. Nesse fato está demarcada a objetividade jurídica da imagem original, que é amparada pelo direito do sujeito ao ato de dispor de sua imagem e do dever do ato de respeito dos demais,

compondo uma relação de direito da personalidade344.

O conteúdo econômico desse contrato é a figura original do retratado, é o modelo ou artista em si. Isso porque as suas reproduções só valem, só apresentam repercussão econômica enquanto extensão de sua

respectiva imagem original. É Pontes de MIRANDA quem ressalta: “Sem o

modelo, o artista reprodutor não logra a figura. Só modelo poderia permitir a figura. O modelo é o dono da figura”345.

E o objeto desse contrato é a cessão dessa imagem original, um direito a algo que pode retornar ao sujeito a qualquer tempo. Ademais a cessão de uso e gozo não é privativa desse direito, mas exclusiva dele, ou seja, o titular da imagem não se priva de usar e fruir dela. Por essa razão, podemos dizer que esse objeto não é de locação de coisas ou serviços ou empreitada,

343 Il diritto sul proprio ritrato, p. 10; “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia

jurídica, Tomo XI, p. 304 e 305.

344 Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 18.

porque nesses o uso e gozo do bem é privativo de quem é locatário ou tomador dos serviços, o que não ocorre com a cessão da imagem: o cessionário nunca

é dono da imagem do cedente346.

2) Nos atos de modificação da imagem que competem exclusivamente ao sujeito titular da imagem original. Nas palavras de

MORAES: “Não há lei que diga isso talvez por desnecessidade, talvez pela

obediência instintiva a esse respeito”347. A pessoa é a dona de sua aparência e mais ninguém.

Pelo consentimento do titular da imagem original e por ato próprio ou de terceiro, a pessoa pode modificar a sua imagem. Qualquer alteração executada por terceiro, sem consentimento do titular da imagem ou fora dos limites, é ato ensejador de responsabilidade civil.

O Tribunal Constitucional Português enfrenta a questão sobre imagem original ao decidir sobre a conduta de um cobrador de transporte público que descumpriu o dever de apresentar-se ao trabalho uniformizado e barbeado. Ele foi trabalhar com barba por fazer de um dia, alegando sensibilidade de sua pele que sangrava quando barbeava todos os dias, fundamentando seu pedido no direito à imagem. Apesar de o Tribunal em sua decisão ter considerado que o ordenamento jurídico português não protege a imagem, mas sim o retrato, eis um aspecto curioso: a decisão incorporou a distinção entre eles.

Parece fora de dúvida que a infracção de que o arguido é acusado, não pode encontrar qualquer proteção ao direito à imagem consagrado no nº 1 do artigo 26º da Constituição da República 348. Com efeito, a referência que nesse artigo se faz à imagem, sem qualquer definição, leva-nos a pensar que se quis considerar o que a

346 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 19. 347 Op. cit., p. 19.

348 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA DE 1976: ARTIGO 26º (Outros direitos

pessoais): 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

seu respeito se dispõe no nosso Código Civil, e só isso. E basta uma leitura do artigo 79º do Código Civil349, para se concluir que a proteção legal da imagem tem a ver não com aspecto da pessoa e a imagem que dela se tenha, mas sim e apenas com a imagem no sentido de retrato, seja em pintura, simples desenho, fotografia, slide ou filme impedindo a sua exposição ou o seu lançamento no comércio, sem autorização do retratado, ou das pessoas citadas no nº 2 do artigo 71º do mesmo Código, se este já tiver falecido, dispensando-se o consentimento nos casos especiais que o nº 2 do citado artigo 79º contempla. Quer dizer: o artigo 79º do Código Civil tem em vista proteger a pessoa contra a utilização abusiva da sua imagem, e não o conceder o direito, bem distinto daquele da pessoa determinar a sua própria aparência externa, que é sem dúvida um direito de acolher, mas que não pode ser isento de limitações, designadamente as que tenham por objeto a proteção dos direitos dos outros, impedindo a sua ofensa. ACÓRDÃO nº 6/84. Processo nº 42/83, 2ª Secção Tribunal Constitucional. Relator: Conselheiro Magalhães Godinho. Lisboa, 18 de janeiro de 1984.

É importante elucidar que os fundamentos do Tribunal Constitucional Português não se aplicam ao ordenamento jurídico brasileiro, pois o legislador quando quis tratar de reprodução o fez de forma expressa, no inciso XXVIII, a, do Art. 5º da Constituição Federal e no § 2º, do Art. 90 da Lei nº 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais) e de fotografia no § 1º, Art. 245 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Nos dispositivos em que tratou de direito, usou apenas a palavra imagem (inciso X do Art. 5º da CF, Art. 17 do ECA, inciso IV, Art. 7º da Lei de Proteção a Vítima e a Testemunha, e § 2º do

349 CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS: ARTIGO 79º (Direito à imagem)

1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71º, segundo a ordem nele indicada.

2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

350 Acórdão disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19840006.html .

Art. 10 do Estatuto do Idoso)351. Portanto, as duas acepções de imagem existem na legislação brasileira.

O ato de modificar a imagem pressupõe que seja a da imagem original, porque a imagem decorrente quando modificada se caracterizará como uma manifestação artística ou um ilícito civil ou penal.

3) No consentimento tácito da captação da imagem, mas não de sua reprodução. Destaca Walter MORAES que captação e reprodução são atos

sucessivos e distintos352. A imagem captada por meio da câmera fotográfica, por exemplo, transforma-se em um objeto de propriedade do autor da captação. Contudo, a reprodução e posterior multiplicação dessa imagem só podem ocorrer mediante autorização daquele que foi fotografado, pois é sua imagem que está contida na fotografia.

Ressalta-se que para se captar a imagem não é necessário consentimento expresso, admite-se o tácito.

A principal proteção da imagem original está no construir livremente sua própria imagem e de se opor a sua captação. A pessoa pode proteger sua imagem de eventual ingerência ou captação por meio de uma proteção cominatória, sendo a reprodução e a divulgação um fato posterior que gera uma proteção proibitória ou indenizatória.

Uma das consequências jurídicas dessas considerações a respeito da imagem original implica na abstenção do Estado de produzir legislação ou

atos que interfira ou impeça a livre construção da própria imagem353.

351

A transcrição desses dispositivos consta em notas de rodapé do item 3.2. “O direito à imagem na legislação brasileira”.

352 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 21.

353 Ementa: Ação declaratória - Concurso público - Exclusão do candidato por portar tatuagem.

Inadmissibilidade. Ofensa à dignidade da pessoa humana. Exigência desarrazoada que ofende os princípios da isonomia e da impessoalidade, por discriminar candidato sem qualquer razão plausível que poderia influenciar no exercício de suas atribuições militares. Sentença de improcedência. Recurso provido para anular o ato e reintegrá-lo às fileiras militares." (TJSP

0011940-17.2011.8.26.0053, 7ª Câmara de Direito Público, Rel. Guerrieri Rezende, j.

E ainda, com fundamento na dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III da Constituição Federal), implica no dever do Estado de, por meio de atos e políticas públicas, possibilitar às pessoas ter uma imagem apreciável, porque aquele que tem uma imagem desagradável pode ter afetado sua autoestima e seu convívio social, ferindo a sua dignidade. A esse respeito Antonio CHAVES defendeu ser dever do Estado a recomposição de feições das pessoas com

malformação lábio-palatal354. Os Tribunais enfrentam a questão ao tratarem

das cirurgias reparadoras (por exemplo, a bariátrica e a de mama355) que tem

por escopo não apenas a saúde do paciente, tampouco a beleza (que pode

ocorrer ou não), mas a autoestima, reconstruindo uma imagem original356.