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Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo

3. DIREITO À IMAGEM

3.5. A imagem e a Constituição Federal de 1988

3.5.1. Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo

3.5.1. Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo

Na interpretação do texto constitucional, Luiz Alberto David ARAUJO entende que os incisos que tratam do direito à imagem não se referem a apenas uma ideia de imagem, mas a imagens, em duas ideias diferentes. Nessa perspectiva, adjetivou o conceito de imagem, denominando um aspecto,

de imagem-retrato, e o outro, de imagem-atributo244.

O autor identifica como imagem-retrato o conceito que afirma ser o da tradição civilista, desenvolvido no Brasil por Antonio Chaves, Walter Moraes

243 A proteção constitucional da própria imagem, p. 108. 244 A proteção constitucional da própria imagem, p. 27.

e Hermano Durval e, na Itália, por Adriano De Cupis245, em que imagem é compreendida como um direito da personalidade que engloba tanto o aspecto físico, quanto qualquer outra expressão formal e sensível da personalidade, como voz e gestos.

O conceito de imagem-atributo decorre, na opinião do autor, do desenvolvimento das relações sociais. É uma consequência da vida em sociedade, em que o sujeito “quer em seu ambiente familiar, profissional ou

mesmo em suas relações de lazer, tende a ser visto de determinada forma pela sociedade que o cerca246”, e essa imagem pode ser atingida sem que haja qualquer violação à imagem-retrato. Assim, exemplificando, o pai de família tem uma imagem a ser assegurada em seu âmbito familiar, como também o tem o profissional em relação a sua profissão, a seus clientes, fornecedores, colegas, entre outras pessoas.

Define, assim, como imagem-atributo “o conjunto de característicos

apresentados socialmente por determinado indivíduo247” e, nesse sentido,

afirma que o conceito impõe a proteção da imagem social248 da pessoa, seja

como integrante de uma família, seja como profissional, líder religioso, político, síndico predial etc..

Desse modo, continua o autor, o conceito de imagem-atributo possibilita que expressões como “a imagem do Poder Judiciário” ou “a imagem do Presidente da República” tenham sentido juridicamente, pois tutela esse conceito social do indivíduo, permitindo até mesmo, portanto, a proteção da

imagem da pessoa jurídica, bem como seus produtos e serviços249.

A denominação “imagem-atributo” é criticada por Regina Beatriz Tavares da SILVA, porque entende que a ideia de imagem-atributo se

245 Op. cit., p. 27 a 29. 246 Op. cit., p. 31. 247 Op. cit., p. 32.

248 Uadi Lammêgo BULOS segue o entendimento de Luiz Alberto David de Araujo. Contudo,

denomina de imagem social o que Araujo chamou de imagem-atributo, e de imagem física, a imagem-retrato. (Constituição Federal anotada, p. 97).

confunde com a honra, e afirma: “Se o legislador constituinte confundiu a honra

com a imagem no Art. 5º, V, da Lei Maior, descabe ao intérprete perpetuar a confusão com tais denominações”250.

Apesar de a autora ter feito a crítica a respeito da denominação de “imagem-atributo”, e do pretenso ineditismo de Luiz Alberto David ARAUJO em criá-la, o fato é que há referências na doutrina alienígena de expressões como

“imagem de vida”, “imagem de caráter”, “imagem moral” e até “retrato moral”251.

O conceito de imagem moral é colocado por Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA como “conjunto das expressões instintivas, das inibições e complexos

interiores, das capacidades, talentos e deficiências espirituais, artísticas e laborais, da consciência ética, do carácter, do temperamento e dos objetivos existenciais de cada indivíduo”252.

Sobre a imagem-atributo ser confundida com a honra, o próprio Luiz Alberto David ARAUJO cita exemplo em que a imagem de alguém pode ser abalada, sem que necessariamente seja atingida a sua honra, na hipótese de se noticiar que um grande lutador se dedique a tricotar, fato que em nada atinge à sua honra, mas que abala enormemente a sua imagem de

“matador”253.

Observa-se que a palavra imagem é empregada pelo autor no sentido de reputação, que significa “conceito de que alguém ou algo goza num

grupo humano” ou “renome, estima, fama”254. Esse sentido é muito próximo

também da palavra “consideração”, cujo significado é “respeito ou estima que

250 Regina Beatriz Tavares da SILVA, Sistema protetivo dos direitos da personalidade, in:

Responsabilidade civil na internet e nos demais meios de comunicação, p. 25 e 26.

251 Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA em Direitos gerais da personalidade cita essas

expressões nas páginas 148, 247 e 248 (as duas últimas em nota de rodapé). Ao mencionar esses conceitos Capelo de Souza aponta especialmente os estudos de Heinrich HUBMANN (Das Persönlichkeitsrecht, Colonia: Böhlau, 1967, p. 302 e segs.), entre outros.

252 Direitos gerais da personalidade, p. 247. 253 Op. cit., p. 120

254 O texto entre aspas são os significados do verbete Reputação citados no Dicionário

Houaiss da língua portuguesa, p. 2434. Curiosamente no verbete Imagem, entre as tantas

acepções da palavra imagem, consta: “fig. opinião (contra ou a favor) que o público pode ter de uma instituição, organização, personalidade de renome, marca, produto etc.; conceito de que uma pessoa goza junto a outrem (um político precisa cuidar de sua i.) (teve a i. abalada pelo escândalo)”, p. 1573.

se demonstra por algo ou alguém, deferência"255. A utilização da palavra imagem nesses sentidos indica que ARAUJO está correto em afirmar que não se confunde com a honra.

Em que pesem os argumentos de Regina Beatriz Tavares da Silva sobre o constituinte ter confundido imagem com honra no inciso V, do Art. 5º da Constituição, temos um consideração diferente. Entendemos que isso não faz sentido, porque afinal no inciso X do mesmo artigo são utilizadas as palavras honra e imagem, o que significa que o constituinte reconheceu a diferença entre elas. Ademais, se trocasse no inciso V o dano à imagem por honra, em que esta se distinguiria do dano moral? A crítica da autora representa mais um incômodo pelo constituinte ter à primeira vista criado outra espécie de dano, além de material e moral, do que realmente ao equívoco de chamar honra de imagem.

Retomando as ideias de imagem-retrato e imagem-atributo, vale observar que o texto constitucional não faz essa distinção, apenas utiliza “imagem”. Portanto, o esforço do exegeta deve se dar na direção de explicar qual é o significado da palavra imagem, e por consequência o conteúdo do direito à imagem.

Como afirmado anteriormente, imagem é a representação exterior de uma pessoa; sua figura é um composto de matéria e forma, que não se limita aos ossos, músculos, pele e tantas outras características físicas. Vai

além delas, incluindo a própria anima, cujo significado é a “forma substancial

de um ser vivo”256. Forma, contudo, não deve ser compreendida como forma

externa (disposição externa das linhas e dos volumes de um ser material), mas

como o princípio animador de todo o ser vivo257.

Assim, a imagem de uma pessoa não é apenas sua aparência física, mas também a sua aparência. Quando se vê os olhos de uma pessoa, o que

255 Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 808.

256 Marie-Joseph NICOLAS, Vocabulário da Suma Teológica, in: Suma Teológica: teologia,

Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, verbete Alma (anima), p. 73.

257 Idem, verbete Forma, p. 83. Retoma-se nesse ponto ao conceito do hilomorfismo grego

se nota é muito além da cor, formato ou marcas, o que se nota é o brilho, o mistério, a tristeza desses olhos. O mesmo se diz do sorriso: o que se observa não são exatamente os dentes ou o formato da boca, mas a alegria, o modo de sorrir. A própria indústria da moda, da publicidade, da televisão ou do cinema reconhece essa característica. Embora a beleza física seja importante para essa indústria, o recrutamento do modelo não se dá apenas pela estética, mas principalmente pela sua personalidade, pela mensagem que sua figura transmite.

Dessa maneira, Luiz Alberto David ARAUJO ao distinguir imagem- retrato e imagem-atributo tem o mérito de notar que a imagem não se limita à aparência física, que há algo mais. Tal distinção foi aceita ou atendeu as expectativas da comunidade jurídica até o momento. Contudo, se defende nesse estudo que a distinção de imagem-atributo e imagem-retrato é desnecessária porque o significado de imagem forçosamente contém esses dois sentidos.

A fim de ilustração, obsta-se à distinção de imagem-atributo e imagem-retrato porque não resolve o problema da imagem de crianças, pois é evidente que esta tem direito à imagem retrato. Mas teria em relação à imagem atributo, se esta é definida como aquela reconhecida socialmente? Ora, qual é o reconhecimento social de uma criança pequena?

O ilustre constitucionalista adjetiva o bem jurídico imagem. O que se deve compreender, no entanto, é que esse bem jurídico possui duas espécies, repetindo: a imagem original (exemplar ou matriz) e a imagem decorrente (reprodução, refletida). As duas espécies de imagem (original e decorrente) possuem o mesmo atributo, não há dissociação da imagem original com o seu retrato — o que o sujeito é, transparece em sua figura.