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Teoria do direito à imagem como direito à honra

4. DA AUTONOMIA DO DIREITO À IMAGEM

4.1. Teorias sobre a natureza jurídica do direito à imagem

4.1.2. Teoria do direito à imagem como direito à honra

No âmbito do direito à honra, o direito à imagem encontrou suas primeiras soluções jurisprudenciais no séc. XIX, especialmente nos tribunais franceses, alemães e norte-americanos. Essas primeiras decisões de direito à

imagem referiam-se ao retrato com fundamento na proteção da honra263. Isso

se deu simplesmente porque a questão jurídica sobre a honra ocorre desde a Antiguidade, e a da imagem relaciona-se ao mundo moderno.

A honra é um bem jurídico previsto desde as Leis de Manu, que puniam as imputações difamatórias e as expressões injuriosas, passando pelos gregos na legislação de Sólon e os romanos que puniam qualquer ofensa

intencional e ilegítima à personalidade, dentre elas a honra264. Também na

Idade Média, o direito canônico se ocupou da ofensa à honra e à fama265 e

igualmente o fez, em época mais recente, o direito francês mediante o Código

de Napoleão, e o direito alemão por intermédio do Código de 1870266, apenas

para citar as legislações que mais influenciaram o nosso sistema267.

O jurista Alfredo ORGAZ afirma que a imagem não é protegida em si mesma, somente será protegida quando houver prejuízo à honra objetiva ou

262 Idem, ibidem.

263 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 68. 264 Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, p. 32.

265 Tomas de AQUINO, Suma teológica: Seção II da Parte II, q. 72 e q 73, p. 208 e ss. 266 Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, p. 33.

267 Na legislação portuguesa por longo período as ofensas à honra eram resolvidas pelas

armas. No tempo do rei D. Afonso IV, no entanto, as ações judiciais em razão da injúria já eram populares, tanto que foi necessário editar a Lei de 12 de março de 1393, determinando que apenas se admitisse ação de injúria se o autor desse fiança para indenizar o réu caso não provasse o alegado, e mandava punir a injúria verbal com pena arbitrária e pecuniária (Ord. Liv. 1, Tit. 65, §25) e reputava maior e mais grave a injúria feita em lugar público (Ord. Liv. 5, Tit. 36, §1, Tit. 63, §1 e Tit. 89, §5). JORDÃO, Levy Maria. Commentario ao Codigo Penal

subjetiva. Trata-se de uma manifestação singular de proteção da honra contra exibições ou publicações injuriosas, compreendendo também todo o prejuízo

ou lesão a qualquer interesse moral digno de consideração268.

Na legislação brasileira, a proteção da honra pela via penal ocorre na figura dos tipos penais da injúria, difamação e calúnia. Sua finalidade é proteger os interesses jurídicos dos cidadãos, consistindo na preservação da própria honra, pois esta lhe é útil, como também há o fim mediato de preservar a sociedade de animosidades que podem levar a inimizades, ódios e violência.

Sendo a honra objeto jurídico tutelado pelo direito penal, foi

amplamente analisada pelos penalistas, que a definiram: “Em sua acepção

objetiva é a honra o valor que tem a pessoa na sociedade, a consideração ou reputação que adquire pela sua conduta privada ou pública, pelo preenchimento dos deveres que a posição impõe. Pressupõe, primeiramente, o valor moral da pessoa, sua probidade, retidão, lealdade, caráter íntegro, e depois o valor ou o preenchimento dos deveres que a posição impõe”269. (A ortografia foi atualizada.)

A doutrina distinguiu, portanto, duas espécies de honra. Uma que se caracteriza como o sentimento da própria dignidade, denominada honra interna ou subjetiva. A outra é caracterizada pelo reconhecimento e respeito dirigido ao sujeito por aqueles que o cercam. Seu objeto é a reputação, a boa-fama, e tal espécie é denominada honra externa ou objetiva.

As duas espécies identificadas se complementam. A necessidade humana de viver em uma sociedade impõe ao indivíduo o desejo de ser aceito e reconhecido em seu grupo social. A sua reputação é, portanto, um bem precioso, e esse reconhecimento que lhe traz satisfação, permite que construa internamente a consciência de seu próprio valor moral e social, de sua própria dignidade. Como explica Nélson HUNGRIA: “A vigilante consciência da

utilidade que ao indivíduo, no convívio social, advém da estima e favorável

268 Alfredo ORGAZ, Personas individuales, p. 163 e 164.

opinião dos outros (honra objetiva), é que apura e exalta o sentimento íntimo da dignidade pessoal (honra subjetiva)”270.

O mesmo autor ensina que a honra pode ser atingida por meio da

linguagem falada, escrita ou mímica271. Pela fala entende-se a ofensa emitida

diretamente ou reproduzida por qualquer meio mecânico, como telefone, rádio, alto-falante, televisão, entre outros veículos. Pela escrita é a ofensa manuscrita, datilografada, impressa ou digitada; e pela mímica por meio simbólico ou figurativo, como pintura, escultura, fotografia, filme, caricatura,

entre outros suportes272.

Logo, a fotografia seria um dos modos de atingir o direito à honra e de modo bastante efetivo, pois a visualização de uma cena é usualmente mais impactante ao sujeito que recebe a mensagem do que o ouvir dizer, além de que a imagem fotográfica tem a característica da presunção de que a cena

fotografada é real273.

E são muitas as hipóteses em que uma fotografia pode atingir a honra do indivíduo, por exemplo, é possível por meio de montagens, adulteração ou truques fotográficos realizar uma imagem ofensiva ao indivíduo. Mesmo uma fotografia sem nenhuma modificação pode ser ofensiva, se captar um gesto ou uma expressão não condizente com o prestígio da pessoa fotografada, como também pode ser ofensiva à honra uma fotografia verdadeira em que a pessoa retratada faz uma pose bonita, mas a fotografia é exibida ou divulgada em local inapropriado.

Justamente em razão dessas hipóteses de ataque à honra do indivíduo por meio de sua imagem, e na ausência de qualquer legislação que

270 Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal: vol. VI

– arts. 137 a 154, p. 37.

271 Nélson HUNGRIA, op. cit., p. 36. 272

Esclarecimento: o autor utiliza a palavra “mímica” no sentido de representação em geral e não apenas no sentido de imitação.

273A lei portuguesa de 26 de abril de 1435, editada por D. Diniz, já reconhecia que a injúria

escrita por meio de pasquins ou cartazes difamatórios era mais grave que a injúria verbal, sendo punida com pena maior que a injúria verbal. Essa lei foi compilada tanto pelas Ordenações Afonsinas (Liv. 5, Tit. 117) quanto pelas Filipinas (Liv. 5, Tit. 84). Levy Maria JORDÃO, Commentario ao Codigo Penal Portuguez, Tomo IV, p. 210.

tratasse de um direito à própria imagem, houve a necessidade de a doutrina desenvolver a tese de que o direito à própria imagem era apenas uma faceta

do direito à honra274, o que foi aceito prontamente pela jurisprudência.

Neste trabalho, já apresentamos a denominação imagem-atributo275.

Retomando esse tema, à primeira vista ela poderia ser entendida como parte

do direito à honra, uma vez que imagem-atributo consiste “no conjunto de

características apresentadas socialmente por determinado indivíduo”276.

Entretanto, ela não pode ser confundida com a honra-objetiva277, pois a honra é

um valor moral, enquanto a imagem-atributo é uma construção.

Cada indivíduo, a seu modo, constrói uma imagem social que não está necessariamente ligada à sua honra, por exemplo, a de ser ateu, religioso, comunista, feminista, moderno, conservador, profissional, entre outras possibilidades. Essas características compõem a sua imagem e em nada se referem à honra.

Comenta Levy Maria JORDÃO, penalista português, a distinção que o antigo Código Penal Português fez entre “honra” e “consideração”, ao tipificar os crimes de difamação e calúnia como a imputação a alguém de um fato determinado ofensivo a sua honra ou a sua consideração. O autor narra discussão parlamentar sobre o tema em que se concluiu: “A consideração

entende-se especialmente da estima que cada um pode ter adquirido no estado que exerce, estima que é para ele uma propriedade preciosa, e que a difamação poderia atacar sem ofender a sua honra, mas pode sê-lo nas outras qualidades morais que o fazem considerar na opinião pública como bom negociante, bom advogado, bom médico etc.”278. (A ortografia foi atualizada.)

274 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 323. 275

Vide item 3.5.1. “Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo”.

276 Luiz Alberto David de ARAÚJO, A proteção constitucional da própria imagem, p. 32. 277 Luiz Alberto David de Araújo indaga em um primeiro momento se a imagem-atributo seria

um conceito coincidente com a honra-subjetiva, para afastar a hipótese logo em seguida (Op. cit., p. 34 e 35).

O bem denominado “consideração”, tutelado pelo Código Penal português do séc. XIX, parece ser o que Luiz Alberto David ARAUJO denominou de “imagem-atributo”, que é distinto do conceito de honra.

A tese da honra é comum, mas não esclarecedora. Muito embora a violação ao direito à imagem possa ferir a honra, atrelar uma a outra é, nas palavras de Walter MORAES, uma construção teórica “’suicida’, pois quer

instituir um direito sem objeto próprio, um direito à imagem cujo bem tutelado é a honra”279.

Para Walter MORAES, essa teoria não se justifica nem mesmo como tese para fundamentar a proteção jurídica da imagem, pois não explica hipóteses em que a pessoa vê sua imagem divulgada, exposta em situações que não atingem sua honra, por exemplo na utilização de fotografia de outro como se fosse sua própria, ou na promoção comercial em que se exalta a sua

beleza, que, ao contrário de ofender, elogia280.

A teoria do direito à imagem ligada ao direito à honra é na verdade a

teoria negativista atenuada281 ou, nas palavras de Santos CIFUENTES, uma

evolução da teoria negativa282. GITRAMA González explica que, para os

defensores da teoria, a imagem não é um objeto do direito, mas um meio pelo

qual se pode violar um direito, especialmente o direito à honra283. Enfim, não é

a imagem em si mesma que recebe proteção, e sim a honra.

Tal teoria, embora superada pela doutrina, até hoje é motivo de fundamento de muitas decisões judiciais sobre o direito à imagem. Mesmo para aqueles que admitem a autonomia do direito à imagem, é difícil abandonar a associação com o direito à honra. Como ilustração dessa conduta, houve o julgado do TST que, ao analisar pleito de indenização por dano moral pela

279 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 69.

280 Idem. Do mesmo entendimento: Gustavo TEPEDINO, Código Civil interpretado: conforme

a Constituição da República, v. 1, p. 55, e Carlos Affonso Pereira de SOUZA, Contornos

atuais do direito à imagem, p. 51.

281 Silma BERTI, Direito à própria imagem, p. 85. 282 Derechos personalísimos, p. 504.

veiculação da imagem de empregado que trabalhava como segurança de programa de televisão que exibia brigas de cônjuges traídos, justificou a decisão negando provimento ao Agravo de Instrumento:

“(...) ‘há direito de indenização se a divulgação da imagem ferir a honra, boa fama ou respeitabilidade do indivíduo, ou se for utilizada para fins comerciais’, hipóteses que não restaram configuradas na situação dos autos. Portanto, o tribunal a quo, ao negar o pedido de condenação da reclamada no pagamento de indenização por danos morais, aplicou os artigos supracitados”. (Art. 5, X, da CF e Art. 20 do CC) 284. (Grifo nosso.)

Ressalte-se que na análise do acórdão a decisão do TST nos parece adequada, mas por outro motivo: o do consentimento tácito do empregado que desde sua contratação sabia que o programa era levado ao ar no modo em que era gravado, e sua função era de estar presente no evento para garantir a integridade física dos participantes apartando eventuais brigas.

4.1.3. Teoria do direito à imagem como expressão do direito à