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Teoria do direito à imagem como manifestação do direito à identidade

4. DA AUTONOMIA DO DIREITO À IMAGEM

4.1. Teorias sobre a natureza jurídica do direito à imagem

4.1.7. Teoria do direito à imagem como manifestação do direito à identidade

Essa teoria traça um paralelo com o direito ao nome. Se o nome é

um signo de identificação, a imagem também o é311, e com muito mais eficácia,

porque é possível que a própria pessoa esqueça o seu nome em razão de perda parcial ou total da memória, mas sempre possuirá uma imagem, uma figura.

A imagem da pessoa a identifica, a faz reconhecida, tanto por ela mesma quanto por outros. Cada pessoa é um ser único e por consequência diferente de outro. Essa identificação importa em individualização. Haverá violação ao direito à própria imagem quando houver usurpação, adulteração ou qualquer outra lesão a essa identidade pessoal. Nesse sentido, haveria lesão ao direito à própria imagem quando se utiliza a imagem de outrem como se fosse sua, ou quando se nega ser a imagem da pessoa dela mesma.

309 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 329.

310 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 74. 311 Idem, p. 71.

Pontes de MIRANDA exemplifica: tanto viola o direito à imagem quem vende retrato de A, como sendo de B, quanto o que nega que o retrato

de A seja de A, ou o que usa o retrato de A como seu312.

Entende o autor que o direito à própria imagem tem natureza de direito da personalidade quando a imagem é utilizada para identificação pessoal (tal qual o nome). À primeira vista, essa afirmação parece conter uma

verdade verificável, contudo falta precisão ao significado de “imagem”313.

Na imprecisão está o equívoco de Pontes de Miranda, porque toda a construção de seu pensamento quanto ao direito à imagem repousa nas características visíveis do indivíduo que servem à sua identificação, tanto que a

compara ao nome (que tem certamente função identificativa314). Porém, a

identidade em si é uma coisa, já a imagem, objetivamente considerada, é outra e da identidade se distingue.

Referindo a essa função identificadora Walter MORAES escreve: “Não há como negar o valor especificamente individualizador da imagem da

pessoa no conjunto dos sinais que a distinguem das demais. A aparência exterior, ou a forma corporal do homem, é, aliás, o primeiro e mais relevante dado da identidade de qualquer indivíduo”315.

Nesse sentido, também GITRAMA González afirma que a figura humana é um atributo antropológico, pois é um elemento que individualiza e

identifica cada um distinguindo-o dos demais316, tanto que é possível “imaginar

uma pessoa sem nome, mas não sem fisionomia317”. E é ainda mais eficaz para a identificação que o nome e o domicílio. Como o mesmo autor

312 Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, p. 111.

313 Conforme exposto no trabalho, o estudo do direito à imagem compreende imagem-original

(matriz) e imagem-reprodução (decorrente).

314 Pontes de Miranda distingue o direito ao nome do direito a ter nome (Tratado de direito

privado: parte especial: tomo VII, § 742, p. 136).

315 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p.72.

316 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia

jurídica, p. 307.

317 KEYSSNER, Das Recht an eigenen Bilde, Berlin, 1896, p. 23 apud Manuel GITRAMA

exemplifica, na hipótese de um morador de rua, sem documentos, sofrendo de amnésia e sem nenhuma pessoa que possa dar informação de seu nome ou domicílio, ainda assim ele poderá ser identificado e reconhecido por sua figura. Ou ainda, continua GITRAMA, em outra situação corriqueira: “Quantas vezes

saudamos na rua, em qualquer lugar público, pessoas que conhecemos – por sua figura, por sua imagem –, mesmo que não nos recordemos de seu nome”318.

A importância da imagem reproduzida no suporte físico é tão eficiente que a utilização de fotografia no documento de identidade tornou-se imprescindível em todos os sistemas de identificação. No Brasil, por exemplo,

apesar de o documento de inscrição na Justiça Eleitoral – o título de eleitor –

não necessitar de fotografia, para o eleitor votar precisa apresentar outro documento com foto. Ora, se bastasse o nome para identificação, este requisito não seria necessário, pois o mesário só permite o acesso à urna eletrônica de votação após verificar (leia-se: olhar) se o rosto do eleitor está de acordo com o retrato contido no documento apresentado, que não o título de eleitor. Assim, o direito fundamental de votar apenas pode ser exercido se houver identificação do sujeito por meio de sua figura ou por outros sinais externos captados e

reconhecidos pelo sistema de identificação biométrico319.

Pontes de MIRANDA considera o uso da imagem de alguém para se identificar ou identificar terceiro ofensa ao direito de personalidade à própria imagem. Já utilizar a imagem para indicar coisa ou usar cópias de um retrato deixa de ser ofensa ao direito da personalidade, para ser de direito de dispor

do uso da imagem320. A distinção produz como efeito do “direito de

318 Ibidem.

319 Esse sistema, em fase de implementação no Brasil pela Justiça Eleitoral, tem por objetivo

tornar mais eficiente o procedimento de identificação. A biometria nada mais é que um mecanismo de individualização da pessoa de forma automática através do reconhecimento de medidas biológicas (anatômicas e fisiológicas), sendo as mais comuns as impressões digitais, reconhecimento de face, íris, assinatura e até a geometria das mãos. Porém, há muitas outras modalidades em fase de desenvolvimento e estudos.

320

Nas palavras do autor “o direito de afixar, publicar ou difundir o retrato (a imagem) pertence à pessoa identificada, porém não é direito da personalidade; é direito que toca à pessoa por ter interesse em que não se use, a líbito, a sua imagem. Daí precisar-se do consentimento do retratado (...)”. Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, p. 112.

personalidade de direito à própria imagem” ser esta intransmissível, irrenunciável e inalienável, visto que A não pode autorizar que B se identifique como A. Ao passo que o direito à imagem sem ser direito da personalidade autorizaria a utilização da imagem de alguém mediante seu consentimento ou nos casos previstos na lei.

Walter MORAES constata que para essa teoria apenas ocorreria ofensa à imagem se a identidade fosse atingida, porque não haveria violação do direito à imagem na reprodução e difusão de retrato alheio autêntico, o que contrariaria a concepção de ser direito do sujeito impedir, proibir, que sua

imagem seja distribuída e divulgada sem sua autorização321. Ora, se a imagem

da pessoa é bem que pertence à sua natureza humana e se o direito a este bem é absoluto, não há por que distinguir hipóteses em que o exercício desse direito não seja de personalidade.

O direito que liga o sujeito à sua imagem como modo de identificação, do outro que o liga à sua imagem para o exercício exclusivo do

seu uso, é o mesmo. A relação jurídica é a mesma322.

É certo que a imagem é meio de identificação, mas isto é uma consequência da característica própria da imagem: ser modo da individualização.

Identificação e individualização não se confundem. A identificação pessoal tem por objetivo o interesse coletivo de reconhecer o indivíduo, enquanto o direito de imagem sustenta-se no interesse pessoal de

individualizar-se323.

E raciocinar sobre imagem apenas como identificação levaria a conclusão de que a identificação por impressões digitais utilizadas há mais de

321 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 72. 322 Idem, p. 72.

323Idem, ibidem. No mesmo sentido, Santos CIFUENTES: “La identificación personal nace de

un interés social de reconocer al individuo, tal cual es; de la imagen nace un interés preponderantemente personal de individualizarse, hacerse individuo” (Derechos

um século constituiria a imagem de alguém, o que nenhum autor ousaria afirmar. Portanto, direito à imagem é diferente de identificação.