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3. DIREITO À IMAGEM

3.2. O direito à imagem na legislação brasileira

No Brasil, o legislador seguiu caminho parecido ao das legislações alienígenas ao tratar da proteção à imagem. Fez isso por meio do capítulo referente ao direito do autor. O Código Civil de 1916, no Art. 666, inc. X conferia à pessoa retratada e a seus sucessores o direito a opor-se à reprodução ou à exposição pública de seu retrato ou busto. E, igualmente,

174 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 66.

175 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia

permitia ao proprietário de retrato ou busto encomendado o direito de

reprodução em detrimento do direito de autor176.

Embora perceptível no dispositivo legal que o direito à própria imagem prevalece ao direito do autor, pois este apenas pode exercer sua função mediante a existência e autorização do outro, o que o legislador verdadeiramente trata é do chamado “direito moral” do autor de ser reconhecido pelo seu trabalho e não do direito do titular da imagem. Tanto é verdade que a hipótese prevista é a de realização de retrato ou busto por encomenda. Se não houver encomenda, não haverá direito do autor.

Walter MORAES destaca que a redação do inc. X do Art. 666 do CC/16 é imprecisa, pois em primeira leitura parece que tanto o autor quanto o terceiro que encomendou o retrato ou busto estão autorizados a reproduzir ou a expor o objeto encomendado (retrato ou busto), desde que o sujeito

representado não se oponha177. Ora, não está claro se o autor ou terceiro que

encomendou o trabalho necessitam de autorização para realizá-lo. Ou, ainda, se ao retratado é assegurado além do direito de proibir também o direito de consentir.

Ainda assim, a primeira decisão judicial brasileira de que se tem notícia sobre direito à própria imagem foi proferida com fundamento nesse dispositivo pelo Juiz Octávio Kelly, da antiga Capital Federal, então no Rio de Janeiro, em 28 de maio de 1923, com a finalidade de resguardar os direitos da Miss Brasil de 1922, Zezé Leone, que havia sido filmada sem ter dado

autorização178.

Essa decisão é de relevante interesse histórico-jurídico para a proteção do direito à própria imagem, pois, nas palavras de Walter MORAES: “(...) primeiro, colocou o problema no terreno do direito da personalidade;

176 Art. 666. Não se considera ofensa aos direitos de autor: X- A reprodução de retratos ou

bustos de encomenda particular, quando feita pelo proprietário dos objetos encomendados. A pessoa representada e seus sucessores imediatamente podem opor-se à reprodução ou pública exposição do retrato ou busto.

177 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 12. 178 Antonio CHAVES, Tratado de direito civil, p. 542.

segundo, reconheceu a tutela dos próprios traços físicos originais do sujeito

(...); terceiro, compreendeu a necessidade do consentimento para ser filmado e

a eficácia da oposição ao ato de filmar (...); quarto, estendeu a tutela jurídica à imagem dinâmica (...); quinto, encontrou fundamento para tudo isso no Art. 666, X, do CC”179.

Ainda sob o ponto de vista do direito do autor, o legislador tratou do

tema no Art. 49, I, f da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973180,

posteriormente revogado pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que dispôs o mesmo conteúdo no Art. 46, I, c, apenas com a alteração da palavra “efígie” por “imagem”. Essa mesma Lei nº 9.610/98 também revogou expressamente o Art. 666 do CC/16.

Mas antes mesmo de lei específica sobre o direito do autor, o legislador já havia feito referência à imagem, quando legislou sobre propriedade industrial (Art. 65, item 12 da Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de

1971)181 e manteve dispositivo parecido na lei revogadora de nº 9.279, de 14

de maio de 1996, no Art. 124, XV182. Nota-se novamente que o legislador

utilizou na lei mais antiga a palavra “efígie” e na mais recente a palavra “imagem”.

Deve ser observado, no entanto, que essas legislações (o Código Civil de 1916, a Lei de Direito do Autor e a Lei de Propriedade Industrial) ao se referirem a “retrato”, “efígie” ou “imagem” não salvaguardam o direito da

179 Op. cit, p. 22. Apesar dos elogios que Walter Moraes faz à decisão chamando-a de

“luminosa” por estar de acordo com a melhor doutrina sobre direito à própria imagem, ele a critica por não ter concedido também a apreensão do filme, porque sempre haverá a possibilidade de o autor utilizá-la. Entende assim que, nesse aspecto, a decisão se aproxima do direito do autor, afastando-se do direito à própria imagem.

180 Art. 49. Não constitui ofensa aos direitos do autor: I

– a reprodução: f) de retratos, ou de outra forma de representação da efígie, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros. (Destaque nosso.)

181 Art. 65. Não é registrável como marca: 12) nome civil, ou pseudônimo notório, e efígie de

terceiro salvo com expresso consentimento do titular ou de seus sucessores diretos. (Destaque nosso.)

182 Art. 124. Não são registráveis como marca: XV - nome civil ou sua assinatura, nome de

família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores. (Destaque nosso.)

pessoa à própria imagem – o objetivo é proteger o direito moral do autor e de regular o registro de marcas e patentes.

Com o advento da Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi pela primeira vez prevista a proteção do direito à própria imagem.

A Constituição Federal de 1988 elegeu como princípio fundamental do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana, e estabeleceu no Título II direitos e garantias fundamentais que têm por objetivo justamente proteger a dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões, seja no âmbito individual, seja no coletivo, social, político ou relativo à nacionalidade. Os direitos fundamentais individuais e coletivos estão previstos no Art. 5º “caput” e seus 78 (setenta e oito) incisos. Entre esses incisos, há três que se referem à

proteção da imagem. São eles, incisos V, X e XXVIII, a183.

Após a Constituição Federal, o legislador produziu outras normas infraconstitucionais que também se referem ao direito à imagem, como os Arts. 17 e 247, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 13 de

julho de 1990) 184, o Art. 7, IV da Lei de Proteção à Vítima e à Testemunha (Lei

nº 9.807, 13 de julho de 1999) 185 e o Art. 10, § 2º da lei que instituiu o Estatuto

do Idoso (Lei nº 10.741, 1 de outubro de 2003) 186.

183 Art. 5º, inc. V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da

indenização por dano material, moral ou à imagem; inc. X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; inc. XXVIII, a: são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas.

184 Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e

moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 247. § 1. Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.

185 Art. 7, IV: preservação da identidade, imagem e dados pessoais;

186 Art. 10, § 2. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e

moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideais e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.

Contudo, a grande novidade legislativa quanto ao direito de imagem ocorreu com a vigência do Novo Código Civil de 2002 que tratou dos direitos da personalidade e dispôs no Art. 20 que a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderá ser proibida, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade ou, ainda, se destinadas a fins comerciais, salvo, evidentemente, se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública.