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TEMA / ASSUNTO

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

5.4 Categoria Crenças e Valores

Na categoria Crenças e Valores, pretendeu-se tratar dos valores declarados pelos servidores do TJBA e, também, a partir das falas dos servidores, tentar inferir crenças e valores que influenciem suas condutas.

É interessante observar que não parece haver uma comunicação institucional ou um trabalho da área de recursos humanos ou da área de comunicação em relação à divulgação e conscientização dos servidores quanto à missão, à visão ou aos valores da instituição.

Em nenhuma das entrevistas os entrevistados citaram a missão ou a visão da instituição e, quando questionados quanto aos valores do TJ, as respostas, invariavelmente, recorriam ao Estatuto do Servidor, que parece ser, assim, a única fonte de informação dos servidores a este respeito ou a valores pessoais.

Essa aparente falta de comunicação entre o TJBA e seus servidores pode estar relacionada à grande disponibilidade que foi encontrada nos servidores em conceder entrevistas, conforme mencionado na etapa de coleta de dados. Talvez, por não se sentirem como tendo voz na sua instituição, os entrevistados percebiam no ato da entrevista uma oportunidade de exporem seus pontos de vista e sentimentos. Essa espécie de catarse, entendida como uma necessidade de desabafar, também, ocorreu em vários momentos durante as aulas ministradas no Programa de Capacitação para os servidores do TJBA.

O comentário da entrevistada 21 ilustra essa falta de comunicação interna: “O que tem de pior (no TJ) é a falta de comunicação, de você ser informado das coisas que estão acontecendo, de orientação superior dentro do TJ.” (E21)

A comunicação entre os setores do Tribunal de Justiça também é apontada como problemática, principalmente, entre as comarcas do interior e os setores administrativos sediados em Salvador, conforme pode ser observado no relato do entrevistado 17.

(...) Aí ela tentou falar com o pessoal do RH, que tinha colocado a diária, que ela já não vinha. E ela não conseguia de jeito nenhum. O dinheiro ficou lá na conta dela, daqui a pouco ela vai receber processo. Então, assim, o pessoal falando, é a cara do tribunal isso, você não conseguir falar, a cara do tribunal. Porque, assim, ainda é muito ineficiente nesse sentido. (E17)

A comunicação no TJBA é falha tanto no sentido da organização para o servidor, na medida em que os servidores não recebem adequadamente as orientações e informações que deveriam, quanto no sentido do servidor para a organização, dado que o servidor não se sente ouvido. O comentário do entrevistado 27 ilustra esta percepção dos servidores de se sentirem sem voz dentro do TJ:

A falta de treinamento é uma das coisas ruins e a falta de ouvir o servidor. Por exemplo, às vezes, você precisa de alguma adaptação ergonômica para você trabalhar melhor, se sentir melhor em seu ambiente de trabalho e você não tem esta orientação, esta adaptação e até para sua própria saúde. (E27)

Além de não se sentirem ouvidos, alguns servidores consideram que o TJ desconhece a realidade das comarcas do interior. O comentário do entrevistado 30 aponta para o elitismo identificado por Furtado (1999) e Ribeiro (1995).

Quem tá no topo da pirâmide não tem a menor ideia de como funciona a base. O tribunal não sabe como funciona as comarcas. Isso é fato. Então, ele recebe essa pressão do CNJ para alcançar as metas e ele não se preocupa em como que elas vão ser cumpridas. Ele só se limita a cobrar as metas, mas não dá o material. Ele não dá os meios para que a gente possa cumprir. Então, isso é muito estressante para o servidor. (E30)

Desse modo, os valores declarados pelos entrevistados sobre o que entendiam serem os valores do TJ variaram em torno do tema urbanidade, respeito, justiça e ética, temas que constam do Estatuto do Servidor.

A urbanidade tanto entre servidores..., isso está no nosso estatuto... (E1)

É questão de valor. Está no estatuto, mas é mais valor, até porque o estatuto é uma obrigação, é a regra que a gente tem que seguir. (E1)

Respeito, justiça. (E2)

Os valores positivos que os servidores identificam como sendo seu guia de conduta são em grande parte atribuídos a uma “bagagem” do próprio servidor, isto é, os bons valores que inspiram os servidores no desempenho de suas funções “veem de casa”. Nesse sentido, o entrevistado 13 citou a ética como um valor que pauta o comportamento do servidor e atribuí sua origem à família.

Eu acredito que um pouco, grande parte disso já vem de família, já vem da educação que se recebe desde a sua família, a sua educação realmente dentro da escola. A sociedade te exige você ser ético. Aí vem a questão realmente interna, cabe a cada um na verdade usar essa ética. (E13)

Uma resposta muito frequente sobre o que guiaria o servidor no desempenho de suas funções foi amor ao próximo, vontade de ajudar, conforme pode ser observado nos comentários dos entrevistados 15 e 2.

O que guia no dia a dia é prestar aquele atendimento, aquela ajuda à sociedade. Porque o pessoal que chega batendo na nossa porta ali, para ter o seu problema resolvido, chega angustiado, triste, insatisfeito. (E15)

Pelo menos por base dos servidores, é amor ao próximo. (...) Então são valores de família, é aquela coisa de você fazer um trabalho correto, de ter dignidade no seu trabalho. Ter um determinado valor, de você seguir uma linha, de liberdade, de você aceitar diferença dos outros. (E2)

A questão do afeto já havia sido mencionada anteriormente como um comportamento ou estratégia adotado pelos servidores para lidarem com a carência de recursos na análise da categoria Organização do Trabalho. Os comentários dos entrevistados 15 e 2, porém, estendem este comportamento afetivo para toda a atividade do servidor e não apenas para transpor dificuldades. O entrevistado 3 faz um relato deste comportamento como sendo usualmente observado.

Eu sou adaptável. Não tenho medo de serviço, não tenho medo de ter humildade, bato no gabinete quantas vezes eu preciso para poder tirar dúvidas, para me orientar, com maior

tranquilidade. Sou muito humilde. Agora tens uns assim com temperamento, gênios diferentes. Mas eu como sou chamada de jeitosa, com meu jeitinho eu vou chegando junto, não por média, é de buscar uma simpatia mútua, simplesmente. (E3)

A busca pela proximidade nas relações presente nos relatos dos entrevistados 15, 2 e 3, foi apontada por Holanda (2011), como relacionado a cordialidade, “as preferências fundadas nos laços afetivos”, que seria tão forte na sociedade brasileira a ponto de penetrar nas relações comerciais. Essa busca por proximidade e afeto nas relações, também foi apontada por Freitas (1997) como sendo característica do personalismo.

A valorização da relação, cordialidade e afetuosidade foi diversas vezes atribuída à questão de ser baiano, conforme podemos observar nos comentários dos entrevistados 1, 5 e 14.

E de certa forma o setor público é até, os laços se estreitam melhores, talvez por ser baiano, eu não sei como funciona isso em outros estados. Porque o baiano tem a característica de ser muito próximo, então essa afetividade, esse vínculo, é criado. Eu não sei se é assim em outros estados, porque eu já visitei outros estados e as pessoas são muito distantes, muito frias e eu não sei se isso reflete dentro do setor público de trabalho. No nosso caso lá esse tratamento de laços é muito interessante. (E1)

Aqui é mais cultural mesmo, o baiano é dessa forma. Ele tem esse jeito mais intimo de falar. A gente não é tão formal, é raro você encontrar formalidade no atendimento de um baiano. (E1)

Eu acho que ele (o baiano) é muito solidário, ele é muito aberto, ele é muito de servir. Apesar de ter dificuldade, mas tem muito mais de calor humano. (E5)

Eu não sei se é porque somos aqui da Bahia, mas eu vejo as coisas muito morosamente, muito vagarosamente, coisas que poderiam ter uma velocidade maior, eu vejo isso também no Brasil, o Brasil poderia estar bem mais adiante. (E14)

A atribuição de determinadas características pelos entrevistados 1, 5 e 14 ao baiano sugere a dualidade de perspectiva adotada por Darcy Ribeiro (1995), na qual o brasileiro é visto na unidade do povo-nação e nas diferenças regionais das ilhas-Brasil. O baiano, assim, além de brasileiro, faria parte do Brasil criolo.

Outro ponto observado nesta categoria de Crenças e Valores foi a crença no servidor- herói. A imagem do servidor como bem intencionado, determinado e que, apesar de todas as

dificuldades, é capaz de resolver complexas situações apenas com a sua capacidade foi presente em inúmeras entrevistas. Os relatos dos entrevistados 5, 9, 15 e 19 ilustram este aspecto que pode ser associado ao traço da malandragem, caracterizado pela adaptabilidade e flexibilidade para lidar com diferentes situações, apontado por Freitas (1997) e também pode ser relacionado à pratica social de dar a volta por cima, identificada por Junquilho (2003).

Que eu digo sempre assim, quando eu saio de casa, independente do que me receba lá, eu olho sempre quem vem. E eu acho também assim, se você está bem na sua relação familiar, o que você vai encontrar aqui, você sabe que você volta para um porto seguro, você consegue levar aquilo. É isso, e o médico diz, a senhora está sendo imprudente, a senhora já está lesionando a parte inferior... mas eu vejo, diante de todas as complicações, é uma terapia o meu trabalho. Então eu acho que diante de tudo isso aí, você ainda consegue fazer muito. (E5)

É que o pessoal tem aquela impressão, eu tenho oportunidade como servidor, passar para o cidadão, assim, dar um atendimento para o cidadão se sentir mais próximo do judiciário, se sentir que ele vai ter uma prestação, se sentir que ele vai ser atendido. Então, assim, tem essa questão da doação mesmo, tentar fazer o serviço. E eu acho que o tribunal está em pé por causa disso. Porque as pessoas são empenhadas. (E9)

Para o bom sentido é que dada as circunstâncias tem muita gente boa, que gosta de resolver os problemas da população, que gosta de dar aquele jeitinho brasileiro para resolver as coisas, faz aquilo que pode, com os recursos que tem e até às vezes com o que não tem. (E15)

A minha escrivã é uma pessoa que nos dá acesso a dizer o que poderia ser melhor. (...) Porque se ela tiver que viajar ou qualquer coisa, ela sabe que pode contar comigo a meia- noite, ela sabe que eu vou num município próximo pra soltar um preso, pra fazer qualquer outra coisa. Eu sou meio Severino, eu sou pau pra toda obra. (E19)

Outro aspecto que surge associado à ideia do servidor-herói é a atribuição à população do papel de vítima, que precisa ser ajudada e salva pelo herói servidor. Assim, junto à ideia do servidor guerreiro, que supera adversidades e por seus próprios méritos resolve situações está a do cidadão como fraco que precisa ser ajudado. O relato do entrevistado 2 descreve uma situação, na qual o empenho do servidor, apesar das condições adversas do TJ, permitiram que seu Anatolio, que estava vivendo de caridade, recuperasse sua aposentadoria.

Eu tenho uma recordação de trabalho muito boa, em relação ao cartório. Lá nós temos um problema sério, que nós temos livros lá, para você ter noção, de 1934. Eu costumo falar que a gente abre, a poeira chega brilhar... <risos>... Esses livros, alguns não está com o índice completo ou está rasurado.(...) E aí tinha um senhor de idade já, acho que uns noventa e dois anos, noventa e três anos, ele é cego de um olho, vivia só, abandonado pela família, só que ele tinha uma aposentadoria. E essa aposentadoria dele foi tirada pelo INSS, por questões de documentação. Ele perdeu tudo e está precisando de uma certidão. Só que já havia dois anos que ele estava sem receber, quer dizer, vivendo da caridade de outras pessoas, por conta disso. Então quando eu cheguei lá no setor, me colocaram logo no setor de buscas, que era o mais terrível. E eu fiquei assim uns três meses procurando, procurando, ia dormir, não conseguia pensar em outra coisa, porque você se envolve com o problema. E aí um dia, do nada, eu estava procurando outra coisa, aí acho que Deus atendeu minhas orações nesse dia, eu abri o índice, um índice que estava até misturado com outro, isso é questão de organização também e de repente eu vi o nome dele lá, Anatólio (?). E na hora que eu olhei, eu fechei e pensei: esse nome me lembra alguma coisa. E fiquei com isso na cabeça, na hora não veio. E fiquei andando, trabalhei e tal. Quando estava no meio do fórum, eu parei assim e falei, achei. Sai gritando que eu achei, ninguém entendia o que era. Todo mundo que estava envolvido com isso, tinha oficial de justiça e tal, todo mundo encostou e perguntou, você achou o quê? A certidão do seu Anatólio. Então assim, lá a gente fez uma festa bonita, porque a gente encontrou e ajudou uma pessoa que estava realmente necessitada. (E2)

Essa visão do cidadão como alguém que precisa de ajuda parece refletir uma visão de fraqueza da própria sociedade civil, na medida em que os seus cidadãos não seriam capazes de lutar pelos seus direitos e dependeriam de ajuda para consegui-los, neste caso do TJ estariam dependentes da boa vontade do servidor.

Nesse sentido, o relato do entrevistado 2, mostrado anteriormente, e os relatos dos entrevistados 6 e 7, mostrados a seguir, ilustram esta visão do cidadão como alguém a ser ajudado, que, por sua vez, pode ser relacionada a falta de protagonismo político da sociedade civil, apontada por Faoro (2007).

Muitas vezes aquela resposta da sociedade, das pessoas que precisam, pessoas que procuram a gente, saem satisfeitas, saem com um bom atendimento, isso daí motiva a gente a continuar. (E6)

Porque eu acho, assim, que hoje em dia qualquer serviço que você vai fazer para o povo, a gente tem que olhar o que a gente pode proporcionar de melhoria para ele. É para isso que os serviços são gratuitos, mas não para ser feito de qualquer forma, (E7)

A concepção da sociedade civil como desprovida de condições de exigir seus direitos, que aparece nos relatos dos servidores é oposta à visão de sociedade civil da concepção gerencialista, que prevê o controle social para as atividades do Estado. Segundo esta visão, o papel do Estado poderia ser reduzido na medida em que uma fortalecida sociedade civil seria capaz de acompanhar as suas atividades e exigir o atendimento de suas necessidades.

Na análise da Categoria Crenças e Valores foi possível observar aspectos de cordialidade e personalismo apontados por Holanda (2011), elitismo identificado por Ribeiro (1995) e Furtado (1999), malandragem apontada por Freitas (1997) e dar a volta por cima apontada por Junquilho (2003). Foi possível observar, também, a negação da concepção gerencialista de fortalecimento da sociedade civil.