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2.2 Cultura organizacional: conceitos, perspectivas e polêmicas

2.2.3 Outras polêmicas que envolvem cultura nas organizações

A influência ou não do contexto cultural local e qual seu alcance na organização é outra complexa polêmica que se coloca para os estudos sobre cultura nas organizações. Em outras palavras, trata-se de uma discussão sobre se a cultura nacional prevalece sobre a cultura da organização, se ocorre o inverso ou se ocorre uma troca.

O impacto das culturas nacionais nas organizações tem sido tratado em inúmeros estudos por diversos autores que desenvolveram uma diversidade de abordagens conceituais e esquemas classificatórios (Adler, 2002; Hall, 1977; Hofstede, 1991; Trompennars, 1994). Para autores como Schneider e Barsoux (2003), nos casos em que as práticas organizacionais são rígidas e fortes, a cultura organizacional prevaleceria sobre a nacional. Porém, para autores como Hofstede (1991) e Trompenaars (1994), a cultura nacional prevaleceria sobre a organizacional.

De acordo com Mascarenhas (2002), essa discussão sobre a relação entre cultura nacional e cultura organizacional é vista como uma tradição dentro dos estudos de cultura organizacional. E, dentro dessa tradição, um dos elementos mais importantes a marcar a cultura de uma organização seria a cultura nacional, e as características da cultura de uma sociedade devem ser entendidas como fatores que influenciam a formação da cultura de uma empresa.

Geert Hofstede (1991) foi um dos autores pioneiros na análise da influência das culturas nacionais sobre a cultura das organizações e é um dos autores mais citados sobre o tema, tanto na produção acadêmica internacional, como na nacional. Por esta razão, são apresentados a seguir os principais pontos do estudo deste autor.

Hofstede (1991) estava interessado na interação entre padrões de valores nacionais e organizacionais e realizou um estudo intercultural entre os empregados de uma empresa multinacional em mais de quarenta países, entre 1967 e 1973, com o objetivo de identificar diferenças nos sistemas nacionais de valores a partir, inicialmente, de quatro dimensões: (1) distância do poder; (2) aversão à incerteza; (3) individualismo versus coletivismo; e (4) masculinidade versus feminilidade (HOFSTEDE, 2001; 1991). Posteriormente, os estudos de Hofstede incorporaram uma quinta dimensão: orientação para o curto ou para o longo prazo (HOFSTEDE; McCRAE, 2004; FANG, 2003).

A dimensão distância do poder refere-se ao nível de tolerância dos membros menos influentes de organizações e instituições em aceitar uma distribuição desigual do poder. (HOFSTEDE; McCRAE, 2004; HOFSTEDE, 2001; 1991).

A dimensão aversão à incerteza está relacionada à tolerância da sociedade em relação à ambiguidade. Indica até que ponto membros de uma cultura se sentem confortáveis ou desconfortáveis em situações inesperadas e desconhecidas. Pessoas em países com alta aversão à incerteza seriam mais emocionais e nesses países haveria uma tendência a tentar minimizar a incerteza com a criação de leis e regras. Enquanto pessoas de países com baixa aversão à incerteza seriam mais tolerantes com opiniões diferentes. (HOFSTEDE; McCRAE, 2004; HOFSTEDE, 2001; 1991)

A dimensão individualismo versus coletivismo trata do nível de integração dos indivíduos a grupos. O termo coletivismo neste sentido não está relacionado a significados políticos como o de Estado, e sim a grupo. Em sociedades individualistas, as pessoas estariam mais propensas a preocuparem-se apenas consigo próprias e com quem estivessem diretamente relacionadas. (HOFSTEDE; McCRAE, 2004; HOFSTEDE, 2001; 1991)

A dimensão masculinidade versus feminilidade diz respeito à distribuição dos papéis emocionais entre os sexos. Enquanto a masculinidade está relacionada à competição e a assertividade, a feminilidade está relacionada a um comportamento mais atencioso com relação aos outros. (HOFSTEDE; McCRAE, 2004; HOFSTEDE, 2001; 1991)

No estudo de Hofstede (1991), o Brasil é apontado como um país com elevada distância do poder, com predominância de atitudes voltadas para evitar incertezas, mais coletivista do que individualista e com leve predominância de características típicas da feminilidade.

Um dos pontos criticados do trabalho de Hofstede é sua visão da cultura organizacional como uniforme. Nesse sentido, McSweeney (2002) que é considerado um dos principais críticos da obra de Hofstede (1991), organizou seus argumentos na crítica de pressupostos que considerou básicos para que a teoria deste autor fizesse sentido. O primeiro destes pressupostos seria, justamente, supor uma programação coletiva da mente, o que implicaria na premissa de uniformidade da cultura organizacional e de considerar que o pequeno grupo que respondeu os questionários poderia representar o todo nacional. McSweeney (2002) discorda desta premissa de Hofstede (1991) e afirma que o autor teria

desconsiderado toda uma literatura contraria a respeito.

Outro ponto criticado no estudo de Hofstede (1991) diz respeito a sua quinta dimensão (dimensão cultural) ou orientação para o curto ou para o longo prazo. Fang (2003) afirma que as primeiras quatro dimensões do estudo de Hofstede (1991) foram replicadas, citadas e discutidas. Porém, a sua quinta dimensão não teria sido entusiasticamente recebida pela comunidade acadêmica de pesquisas transculturais. Além disso, segundo Fang (2003, p.350), “researchers in cross cultural communication who refer extensively to Hofstede avoid engaging in discussions about the fifth dimension”. O principal ponto envolvido na crítica desta dimensão é a adoção do Confucian dynamism como parâmetro para avaliação, que, por sua vez, foi baseado na Chinese Value Survey, pesquisa sobre os valores da sociedade chinesa realizada pelo Chinese Culture Connection em 1987.

Apesar das críticas, o estudo de Hofstede foi uma forte influência na produção acadêmica nacional e na concepção de cultura brasileira desenvolvido no campo de teoria organizacional. Grande parte dos artigos que referenciaram este estudo buscava explicar as diferenças de estilos gerenciais por meio das diferenças nacionais destacadas por Hostfede.

Assim, o pioneirismo de Hofstede foi seguido nas duas últimas décadas no Brasil, pelo desenvolvimento de uma série de trabalhos relacionando traços da cultura brasileira e cultura organizacional (CHU; WOOD JR, 2008; ROSA; TURETA; BRITO, 2006; URDAN; URDAN, 2001; MOTTA; ALCADIPANI, 1999; MOTTA; CALDAS, 1997; PRATES, BARROS,1997; FREITAS, 1997).

Alcadipani e Crubellate (2003) ressaltam, porém, que a produção nacional sobre cultura organizacional brasileira foi fortemente influenciados pela pesquisa de Hofstede (1991), sem necessariamente questionar os pressupostos adotados pelo autor.

Desse modo, apesar do pioneirismo de Hofstede (1991), trata-se de um estudo realizado a partir de uma perspectiva de um “estrangeiro” numa empresa multinacional, que impõe sua visão de mundo e as dimensões que considera importantes como formas de análise e matriz de explicação. Além disso, a adoção acrítica da classificação de Hofstede (1991) é ponto passível de crítica pela perspectiva pós-colonialista. Pois, o autor, ao analisar vários países de acordo com as dimensões identificadas por ele, segundo sua visão de mundo, e os classificar dentro de cada uma delas está realizando juízo de valor das diferentes culturas. Então, a perspectiva pós-colonialista que questiona a homogeneização de elementos que são

transpostos da realidade de um país específico, que explica a realidade de acordo com sua visão e a impõe sobre outros países e realidades, não concorda com esta abordagem (PRASAD; PRASAD, 2001).

Nos últimos anos a perspectiva pós-colonialista tem ganhado força na área das ciências sociais aplicadas com discussões acerca da adequação da aplicação de conceitos e teorias originados em realidades eurocêntricas tão diversas do contexto de países da ‘margem’ ou do ‘sul’ como o Brasil. O pós-colonialismo pode ser entendido como uma perspectiva crítica que trata as relações de dominação entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento e busca desvendar o etnocentrismo do pensamento ocidental denunciando práticas de dominação (WOOD JR; TONELLI; COOKE, 2011).

Jack et al (2011) afirmam ainda que não se pode tratar o pós-colonialismo como uma escola ou uma teoria, mas sim como um espaço interrogativo, uma sensibilidade interpretativa condicionada por diferentes pensadores e posições que compartilham o compromisso de questionar as ontologias, epistemologias e métodos hegemônicos do centro e que buscam oferecer alternativas a estas perspectivas.

Autores como Santos (2007; 1994), Mignolo (2008; 2007), Dussel (2002), Escobar (2004) e Ibarra-Colado (2007) têm abordado criticamente essa situação de hegemonia do pensamento ocidental em diversos aspectos. Porém, um aspecto que tem sido enfatizado por todos é o do “colonialismo epistêmico”, que consiste em tratar o conhecimento do sul visto como subalterno, particularista, ou atrasado e, por isso mesmo, menor.

Desse modo, considerando a produção nacional sobre cultura organizacional brasileira a partir de uma inspiração pós-colonialista pode-se questionar se não estaria faltando aos pesquisadores brasileiros sobre o tema, justamente, uma abordagem mais consistente da cultura brasileira. Guerreiro Ramos (1996) já havia apontado este aspecto na sua redução sociológica.

A redução sociológica é um método destinado a habilitar o estudioso a praticar a transposição de conhecimentos e de experiências de uma perspectiva para outra. O que a inspira é a consciência sistemática de que existe uma perspectiva brasileira. Toda cultura nacional é uma perspectiva particular. Eis porque a redução sociológica é, apenas, modalidade restrita de atitude geral que deve ser assumida por qualquer cultura em processo de fundação (Ramos, 1996, p. 42).

Este ponto parece ser corroborado por Fischer e Mac-Allister (2001) que, ao analisarem a situação dos estudos sobre cultura organizacional pela área de estudos

organizacionais no Brasil, caracterizaram o quadro encontrado como semelhante a um jogo de puzzle e optaram pelo termo puzzle ao invés de quebra-cabeça por reconhecerem um caráter de transnacionalidade na produção de conhecimento sobre organizações.

Fischer e Mac-Allister (2001) ao refletirem sobre se os pesquisadores brasileiros que

estudam o tema da cultura organizacional formam uma “comunidade de discurso”, entendida como “um conjunto de atores sociais que se formam de grupos de interesse que constroem

padrões de convivência, perseguem agendas específicas e mantêm uma dinâmica de produção

e difusão do conhecimento entre os pares; que servem de referência” (Fischer e Mac-Allister

2001, p. 254), destacam a dependência de referências externas como Gareth Morgan, Edgar Schein e Omar Aktouf e a consequente não referência a autores nacionais. Afirmam ainda que isto seria o principal indicador de que a produção brasileira é culturalmente dependente e a constituição de uma “comunidade de discurso” seria um processo longo.

Este ponto vai ao encontro de outra polêmica que se coloca no âmbito nacional e ganha evidência em alguns momentos sobre a necessidade de uma teoria de estudos organizacionais brasileira. Nesse sentido, nos anos de 1980, a área recebeu críticas que a acusavam de um etnocentrismo exagerado sem, contudo, proporem sugestões de mudança. E, nos anos de 1990, autores como Wilson (1996) e Chanlat (1994) apontaram para a existência de etnocentrismo nos estudos organizacionais, argumentando sobre a necessidade de considerar uma maior diversidade de abordagens que pudessem contribuir no poder de explicação das teorias da área. (RODRIGUES; CARRIERI, 2001)

Cabe observar que esta discussão sobre a necessidade de uma teoria organizacional brasileira não é colocada num sentido xenófobo ou nacionalista, mas no sentido de avaliar se alguns aspectos que podem ser peculiares da realidade brasileira não estão sendo deixado de lado devido a uma postura do campo de privilegiar autores estrangeiros, que partem de outras problemáticas e motivações.

Nesse sentido, Barbosa (1996) e Lopes (1998) argumentam que num primeiro momento os Estados Unidos e mais tarde também os países da Europa têm sido responsáveis por grande parte das teorias administrativas, então, seria natural que as questões teóricas, metodológicas e conceituais refletissem seus valores e problemáticas. Barbosa (1996, p.12) coloca ainda a importância de “aplicar a lição básica da análise antropológica: a relativização de conceitos, que consiste na verificação de os significados e o conteúdo social das categorias

utilizadas serem os mesmos em um e outro universo social”. Pois, conforme levanta esta autora, categorias como empresa, ética do trabalho, público e privado teriam diferentes significados para países como EUA e Brasil. Como exemplo, cita a representação simbólica e o significado histórico associado à empresa que representa posição central na construção da identidade estadunidense. Assim, enquanto nos Estados Unidos a sociedade e empresa teriam crescido juntas e a empresa seria a instituição que mais representa os princípios ideológicos centrais da cultura estadunidense, “no Brasil, os elementos utilizados para a construção de identidades estão ancoradas, predominantemente, em outros grupos sociais, como, por exemplo, a família, os amigos, a rede de relações pessoais. São eles que nos definem e nos posicionam no interior da estrutura social” (BARBOSA, 1996, p, 12).

A preocupação com o excesso de referências estrangeiras em detrimento de autores nacionais é outra questão que se coloca e já foi apontada, por sua vez, por diversos autores que fizeram levantamentos e estudos sobre a produção acadêmica brasileira na área de estudos organizacionais. (MARTINS et al, 2011; SILVA; FADUL, 2008; RODRIGUES; CARRIERI, 2001; VERGARA; PINTO, 2000; VERGARA; CARVALHO, 1995)

Vergara e Pinto (2000) consideram a análise das referências bibliográficas utilizadas elucidativa na medida em que estas seriam suportes teóricos da argumentação, revelariam as preocupações, preferências e suposições e poderiam ser indicadores da importância atribuída pelo autor à produção científica e ao contexto brasileiro e também serem indicadores do condicionamento do autor a outras culturas que não a brasileira. Os autores afirmam ainda que “fontes estrangeiras ou têm preocupação local, e nesse caso de pouco nos adianta, ou apresentam uma proposta universal, o que a faria menos precisa do que genérica. Em ambos os casos, a transliteração nem sempre é adequada às problemáticas nacionais”. (VERGARA; PINTO, 2000, p.11)

Nesse sentido, pode-se afirmar que essa preocupação com o excesso de referências estrangeiras em detrimento de autores nacionais, acrescida de uma inspiração pós-colonialista está entre os grandes motivadores da pesquisa que deu origem a esta tese, onde se tenta resgatar as possibilidades de utilização do pensamento social brasileiro para os estudos organizacionais, mais especificamente no campo da cultura.