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TEMA / ASSUNTO

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

5.1 Categoria Organização do Trabalho

Na categoria Organização do trabalho, buscou-se avaliar os aspectos materiais, físicos e de estrutura do TJBA, assim como as ferramentas e as condições de trabalho disponíveis aos servidores.

Em relação às condições materiais, foi possível perceber certa precariedade da instituição. Esta precariedade ocorre em três aspectos: (1) nas condições de infraestrutura, com instalações inadequadas e com problemas de manutenção; (2) na falta de ferramentas e recursos para o trabalho como, por exemplo, computadores; e (3) na carência de servidores preparados e motivados em número suficiente para dar conta da alta demanda de serviços jurisdicionais.

Os relatos dos entrevistados 5, 10 e 12 ilustram a falta de recursos e esta falta de recursos e imprevidência remete ao tipo ideal semeador de Holanda (2011), que diferentemente do planejamento racional do ladrilhador, deixava as coisas correrem ao acaso e à prática social descrita por junquilho (2003) como plantador de coco, que está relacionado a uma postura de “apagador de incêndio”.

Eu estava numa sala no civil, eu cheguei, não tinha onde eu sentar. O fórum em Cruz das Almas é da prefeitura, não é do TJ. Então, assim, a rede de energia não funciona, se você liga um computador, cai a carga de energia. É, assim, eu estava num atendimento com uma colega, é um computador para mim e para ela. Então uma senta, atende a que está no balcão, quando ela levanta, eu abro meu login e atendo a outra pessoa. Então, assim, é precário, é por amor. E a gente vai explicando a dificuldade. (E5)

Porque assim, como eu disse antes, ainda falta mão de obra humana e mecânica. Computador dá defeito, tem que esperar vir consertar e os técnicos têm que vir de outras comarcas. Agora que dividiu por sub-regiões, mas antigamente era de Salvador. Eles tinham que deslocar de Salvador, a gente ficava dois, três dias sem trabalhar. Porque tinha que esperar o técnico viajar mil quilômetros para consertar uma máquina. Porque a gente não podia solicitar de terceiro. Porque tinha as empresas para fazer isso. E o quantitativo de funcionário é muito pouco para o quantitativo de trabalho que a gente tem no cartório. Minha comarca é uma comarca pequena, numa cidade pequena de vinte e cinco mil habitantes. Eu tenho nove mil processos, só tem eu de escrivã e eu tenho uma escrevente, o resto é apoio do município. (E10)

Outra coisa também e que marcou muito, isso aconteceu comigo, eu já fui fazer audiência, saiu eu, a juíza, o oficial de justiça, o advogado..., a pessoa morava no mato mesmo. A

gente levou uma máquina de datilografia, a audiência foi realizada de baixo de um pé de árvore, sem cadeira, sem nada. Eu arrumei um toco lá e sentei e botei a máquina de datilografia no colo. Quase um piquenique, não é? <riso>... Audiência piquenique. (E12) A carência de recursos em algumas comarcas é tão extrema que chega ao ponto dos próprios servidores mobilizarem-se para providenciar o que está faltando, trazendo o material de casa ou pagando do próprio bolso.

Com ajuda das próprias pessoas que estão ali no dia a dia perto da gente. Por exemplo, faltam recursos, água mineral que às vezes falta, a gente faz uma vaquinha e compra. Cada um colabora do próprio bolso para comprar. A gente não pode ficar sem... (E15)

Além da carência de recursos materiais, também há carência de recursos humanos. A falta de servidores e juízes em número compatível com a demanda leva a sobrecarga de trabalho, a desvios de função e, muitas vezes, gera insatisfação do servidor com o TJ, conforme pode ser observado no relato do entrevistado 22.

Eu acho que o servidor não gosta do TJ. (...) A gente tem sobrecarga de serviço porque são poucos servidores. São onze mil servidores, mas precisava de dezenove mil para a Bahia toda, a Bahia é muito grande. A juíza trabalhava em Antas e foi para Cícero Dantas, o que que ela ganhou com isso? Ela agora acumula as duas funções e eu faço o que? Eu sou assessor dela, então eu trabalho em Antas e Cícero Dantas. E, além disso, ela está no eleitoral e no juizado. Quer dizer faz quatro funções: eleitoral, juizado, Antas e Cícero Dantas. Então é muito pesado, é muito trabalho. (E22)

O comentário do entrevistado 9 aponta para a falta de juízes em número suficiente e para uma estratégia adotada para dar conta da situação que é a divisão do trabalho do juiz com o assessor.

(...)Na verdade, a questão da assessoria na comarca onde eu atuo, o juiz de lá, coitado, como vários outros juízes, ele é titular de lá, mas não responde só por lá. Ele responde por Gandu e pela primeira e segunda vara criminal de (?), que eu não sei se a senhora sabe, é a cidade mais violenta do país. (...) E assim, as coisas do juizado estão andando? Estão andando. Por quê? Por causa da informatização. Porque as coisas lá, eu vou analisar, administro as coisas que chegam, passo para ele, se precisar, se for alguma coisa de processo físico, escaneio, mando e tal. E ele passa duas semanas no mês lá. (E9)

O entrevistado 2 associa a falta de recursos à desorganização e à falta de preocupação do Tribunal com o servidor.

Desorganizado. E assim, eu acho que, em partes, não se preocupa muito com o servidor. Não mantém a devida relação que deveria manter com o servidor. Como é o caso, assim, de muitos servidores que estão trabalhando, fazendo tarefas a mais, que estão em desvio de função e não recebem por isso. Não têm um estímulo para isso. Não tem condições de trabalho, às vezes falta material. Ou então condições têm, mas não tem essa relação, por questão de desorganização, às vezes, o tribunal, ele atende a uma demanda de uma determinada comarca e a outra não. Então eu acho que a palavra certa é desorganização. (E2)

Os entrevistados 1, 2, 5, 13, 15 e 22 também fizeram comentários referentes à desorganização do TJ. O entrevistado 1 relacionou a questão da desorganização, do improviso e da falta de planejamento à “cara do Brasil”.

É a desorganização, muito trabalho, pouca gente, sistema parando, isso é a cara do Brasil. As coisas de última hora, deixa pra planejamento quando já está pela hora da morte, é o que a gente está vendo no TJ. Está chegando ao ponto que está virando necessidade de capacitar, de mudar, de gerir pessoas de melhor maneira, fazer projetos pra desafogar o Judiciário. Dar uma resposta à sociedade: “O processo está andando, a justiça vai ser feita, o seu problema vai ser resolvido”. Então eu acho que isso é a cara do Brasil, porque o brasileiro só fecha a porta depois de roubado. (E1)

Essa situação de desorganização, improviso e falta de planejamento que o entrevistado 1 relacionou como sendo “a cara do Brasil” remete ao tipo ideal aventureiro de Holanda (2011). Os servidores e o próprio TJ apresentam uma conduta que parece seguir uma ética aventureira, na medida em que, a imprevidência e o imediatismo, que, segundo Holanda (2011), caracterizariam esta ética aventureira, fazem-se presentes nas suas ações.

A situação de improviso e de “apagar incêndios” em que se encontram os servidores das comarcas do interior da Bahia, também, remete a outro tipo ideal de Holanda (2011): o semeador. A conduta dos servidores parece estar muito mais relacionada ao acaso do semeador do que ao planejamento racional e a organização do ladrilhador. Este tipo de conduta, também, foi apontado por Freitas (1997) como aventureiro e por Junquilho (2003) como plantador de coco.

A falta de suporte adequado do TJBA ao servidor para o cumprimento de suas funções acaba ocasionando desmotivação do servidor que se sente altamente desvalorizado, o que pode ser observado nos comentários dos entrevistados 5, 15 e 16.

motivação. Ele tira a sua motivação. Primeiro, que não te dá condições de trabalho, você trabalha sempre com piores computadores, sem condição de trabalho. Hoje, eu tenho artrose, eu tenho problema de LER, tenho síndrome do túnel do carpo. Então, assim, tudo devido à somatização de situação de trabalho. (E5)

A parte ruim do TJ atualmente é a sua desorganização, tanto em estrutura, e consequentemente a desvalorização do servidor. (E15)

Hoje, como servidora, assim, acho que a maioria do sentimento de todos nós, é essa questão da falta de valorização. Pouquíssimo valorizado, sobrecarregado. Porque tem muito tempo que não tem o concurso. Isso vai defasando, essa questão de vaga, tem gente que se aposenta que passa no concurso melhor, as pessoas falecem, é a lei natural da vida. E não repõem, não tem uma coisa para suprir. Então a quantidade de trabalho aumenta, a quantidade de processo pior ainda. A gente que trabalha na Vara Crime, o crime só tem aumentado lá na cidade, a gente está com pessoal reduzido. (E16)

Os entrevistados 12, 13, 20 e 21 também fizeram comentários a este respeito: Eu acho que o TJ baiano não valoriza seu servidor. (E12)

Um pouco frustrado. Eu esperava um pouco mais de valorização nesse sentido. (E13) De um modo geral, eu vou falar por mim e por alguns colegas que é um sentimento um pouco geral, mas é um sentimento que como servidora de não ser valorizada como servidora. E, aí, envolve vários aspectos, não só o financeiro. Por exemplo, eu comecei a sentir o braço e tal, pedi ao colega pra pedir a cadeira com rodinhas e com apoio. Foram mais de seis meses, então eu digo a ele: “você está cobrando? - Eu já pedi, eu já reforcei!”... Eu penso assim uma simples cadeira que é uma ferramenta de trabalho pra gente, eles mandam os computadores usados de outra Comarca, assim não é valorizar o servidor. Porque a gente precisa de boas instalações pra prestar um bom serviço. Então a valorização passa por vários âmbitos, desde a parte salarial, a questão da não informação correta, que vem mudando, sensivelmente vem mudando, mas ainda tem um pouco desse sentimento. (E20)

Eu me sinto desvalorizada porque eu tenho nível superior, estudei bastante e aí o tribunal não valoriza o servidor. (E21)

O sentimento de desvalorização é tão grande, que alguns servidores se sentem desrespeitados, como pode ser observado no comentário do entrevistado 5:

(A pior coisa no Judiciário é) o desrespeito pelo servidor. Eu acho que não tem respeito nenhum, o servidor não é respeitado. Ele não é motivado, ele não é incentivado. Isso daí é um traço do Judiciário. (E5)

Esse sentimento de desvalorização dos servidores que se sentem tratados como cidadãos de segunda categoria lembra a grande distância entre elite e povo, apontada por Ribeiro (1995) e Furtado (1999), onde a primeira recebia tratamento especial e tinha todos os privilégios e o povo, por sua vez, ficava relegado ao segundo plano.

Outro ponto que aparece nas falas dos servidores são as estratégias adotadas por eles para lidar com as situações de carência de recursos. Uma estratégia que foi muito recorrente foi a afetuosidade, entendida como qualidade de quem expressa ou demonstra carinho ou afeto por meio de gestos, palavras, comportamentos etc. O entrevistado 2 coloca que diante de uma situação em que não é possível atender a demanda do cidadão tenta-se o carinho para que a outra parte entenda.

Então às vezes você está ali atendendo todo mundo, você não tem condições de atender todo mundo ao mesmo tempo, o tempo é curto, material é ruim, se é uma busca, leva muito tempo para você dar a resposta e vai ter pessoas, naturalmente, insatisfeitas. E às vezes você responder para elas, eu não posso, têm pessoas que não entendem. Por mais que você tente ser carinhosa, tenha um tratamento, tem pessoas que vão tomar aquilo como uma afronta. (E2)

O entrevistado 3 aponta para o uso da afetuosidade como artifício de aproximação com outros setores ou comarcas dentro do TJBA para tentar obter uma informação ou um encaminhamento em alguma questão pendente.

Quando a gente tem uma dificuldade lá, que liga para aqui, o atendimento, tem dia que eu pergunto: você está bem? Para ver se eu busco uma reação. Eu faço tipo ação e reação. Eu digo: “tu me desculpa”. Eu vou toda cheia de dedos também, eu digo: “tu me desculpa, estou aqui de longe e estou com dúvidas, preciso resolver um probleminha, se tu puder me ajudar, me ajuda, senão tu fala, que mais tarde eu ligo e te pego melhor”. Agora pronto, eu já mexi. Eu mexo para você reagir. (E3)

Nestas duas situações citadas, podem-se perceber aspectos do personalismo, de cordialidade, levantados por Holanda (2011), quando os interlocutores apelam para uma maior aproximação com as outras partes na tentativa de resolver uma situação ou evitar um conflito. As situações, também, podem ser associadas às práticas sociais de boa vizinhança e controle cordial identificadas por Junquilho (2003). Este aspecto do afeto, da relação, da busca de proximidade é tão frequente nas falas dos servidores que pode ser considerado um valor, conforme será comentado na análise da categoria Crenças e Valores.

Outra estratégia de sobrevivência adotada pelos servidores perante a carência de recursos é certo “desapego” do resultado. O servidor, muitas vezes, não se sente responsável pelo não cumprimento dos prazos ou pela não entrega do seu serviço, porque entende que devido às condições precárias de trabalho tal cumprimento não seria possível. Então, faz-se o que for possível e não se assume responsabilidade pelo resultado. Este fato pode ser ilustrado pelo comentário do entrevistado 26: “Se o funcionário não está servindo 100% é porque não tem o recurso que precisa”.

A percepção por parte dos servidores de que a falta de recursos e de estrutura do tribunal impede a adequada prestação do serviço leva a uma situação na qual é considerado bom quase qualquer resultado do trabalho, na medida em que foi feito o que era possível. No comentário do entrevistado 33, pode-se perceber que o mesmo demonstra satisfação com um resultado “na medida do possível”, dado que não teria recebido condições adequadas para o desenvolvimento do seu trabalho, como, por exemplo, treinamento.

Quando eu cheguei no meu cartório e me disseram você vai ficar no atendimento. Primeiro, que eu estranhei porque eu não recebi treinamento para estar lá. Depois, eu disse o seguinte: “já que eu estou e o problema está na minha mão eu vou procurar atender o cidadão que paga meu salário”, essa consciência eu levei comigo, “da mesma forma com o que eu gostaria que fosse atendido”. (...) Então, eu procuro na medida do possível atender bem. (E33)

A condescendência com os resultados do trabalho comentada pelo entrevistado 33, que, também, é estendida à produção do juiz pode ser associada a prática social identificada por Junquilho (2003) como contemporização, entendida como transigência no dia-a-dia organizacional e relacionada com atitudes de acomodação e condescendência.

A atenção está sendo dada às prioridades, no caso, envolve vara de família, a fazenda pública, às questões essenciais como mandado de segurança que têm urgência e as questões dos alimentantes, então, isso está sendo mantido Os outros processos não tem como dar um andamento, assim, né? Porque na realidade, nós temos um acervo de 10 mil processos ativos para um juiz que tem que manter vara cível, vara crime, agora, e juizado. Então, realmente, é impossível (E33)

Essa não preocupação com os resultados verificada em vários níveis do Tribunal de Justiça parece apontar na direção oposta a aspectos valorizados no gerencialismo, como responsabilidade, produtividade e eficiência.

Assim sendo, a análise da categoria Organização do Trabalho permitiu perceber na conduta dos servidores e na dinâmica do Tribunal de Justiça aspectos de cordialidade, personalismo, aventureiro e semeador apontados por Holanda (2011), aspectos relacionados às práticas de plantador de coco, boa vizinhança, controle cordial e contemporização identificadas por Junquilho (2003), além de atitudes relacionadas ao elitismo apontado por Ribeiro (1995) e Furtado (1999). Na análise desta categoria, porém, não foram identificados aspectos que pudessem ser associados de modo favorável ao gerencialismo.