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O New Public Management (NPM) e a Reforma do Aparelho do Estado Brasileiro O processo de Reforma do Estado brasileiro iniciado em 1995 faz parte de um

TEMA / ASSUNTO

2.6 O Ambiente Público e a Crise e Reforma do Estado Brasileiro

2.6.1 O New Public Management (NPM) e a Reforma do Aparelho do Estado Brasileiro O processo de Reforma do Estado brasileiro iniciado em 1995 faz parte de um

movimento mundial de reforma do setor público que começou na Grã-Bretanha, nas últimas décadas do século XX, e se estendeu para diversos países, chegando a América Latina e ao Brasil nos anos 90 (MARINI, 2005; PAULA, 2005a).

Em todo o mundo, as reformas eram vistas como uma tentativa de enfrentamento à situação de crise mundial que demonstrava o esgotamento do modelo keynesiano de desenvolvimento adotado até então (PAULA, 2005a). Assim, a crise fiscal dos Estados, que teve entre suas causas a crise do petróleo nos anos 70 e a recessão dos anos 80, levou ao questionamento do modelo do welfare state. E, as ideias neoliberais, que apontavam o “efeito perverso” do Estado de bem estar social começam a ganhar adeptos com a mudança da situação econômica mundial. De acordo com este ideário, a tentativa do Estado de proteger o cidadão acaba gerando uma situação de ineficiência e clientelismo e o próprio cidadão, que deveria ser protegido, acaba com o ônus desta situação (MORAIS, 2002).

O New Public Management (NPM) ou movimento gerencialista ou, ainda, Nova Gestão Pública, teve, então, seu avanço facilitado pela ascensão de teorias críticas às burocracias estatais como o public choice americano e pelo ideário neoliberal de Hayek (ABRUCIO, 1998).

Assim, com inspiração gerencialista, os programas de reforma da administração pública propunham um projeto universal, aplicável a qualquer contexto cultural e foram implantados em quase todos os continentes (PETERS; PIERRE, 1998). Exemplos incluem

Estados Unidos, Nova Zelândia, Holanda, Austrália, França, Itália, Zâmbia, Kenya, Botswana, Etiópia e no Brasil, entre tantos outros países (HOPE, 2001; CHEUNG, 2002; PAULA, 2005 b; SANTANA, 2003). Apesar deste movimento de reforma ser tratado como universal por grande parte da literatura, diversos autores alertavam para os perigos de tal simplificação (POLLITT; BOUCKAERT, 2002; MARINI, 2003; HOOD; 1995a; HOOD; 1995b) e diversos críticos propuseram formulações alternativas a este modelo voltadas para o fortalecimento da cidadania, da democracia e do atendimento às demandas sociais (PAULA, 2005; KLIKSBERG, 2001).

Abrucio (1997) propõe uma tipologia que divide o movimento de reforma do Estado em três momentos: (1) gerencialismo puro, que corresponde à primeira etapa da experiência na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos e focava na redução de custos e aumento da eficiência e produtividade; (2) consumerism, modelo caracterizado por considerar o cidadão como cliente e focado na melhoria da qualidade dos serviços e no atendimento das demandas do consumidor; e (3) Public Service Oriented, que estaria mais próximo de uma tendência do que de um modelo, estaria fundamentado em temas do republicanismo e da democracia e partiria de conceitos como transparência, participação, política, equidade e justiça.

O New Public Management (NPM), no qual se insere a reforma do Estado brasileiro, estaria mais relacionado ao consumerism e ao Public Service Oriented. O New Public Management, entendido como um conjunto de filosofias e diretrizes administrativas, emergiu como um novo paradigma de gestão pública e firmou-se como “a alternativa” para o enfrentamento da crise do modelo de desenvolvimento ao propor a adoção de práticas e preceitos da iniciativa privada pela gestão pública.

O NPM tinha como eixo central os conceitos de eficiência e produtividade e pressupunha que para atingir estes objetivos seria necessária uma mudança de mentalidade na gestão pública para incorporar valores da gestão privada como racionalidade, criatividade e desempenho. Pois, para o gerencialismo, o setor privado seria mais eficiente que o setor público na alocação de recursos e, sendo assim, as práticas do setor privado deveriam ser consideradas como modelo para o setor público (BRESSER PEREIRA, 2009; FADUL; SILVA, 2008; ABRUCIO, 1998). O Estado passa a ser considerado como um “entrave” ao processo de desenvolvimento e a reforma proposta pelo NPM seria a “solução” para este problema.

o Estado passa a ser considerado como um problema – logo, a solução seria haver menos Estado, e mais mercado e sociedade civil. O Estado havia, segundo essa ótica, atingido um ponto de estrangulamento e ingovernabilidade. À sociedade civil caberia resgatar sua determinação e suas capacidades próprias, depender menos do Estado (...) e controlá-lo mais. O Estado deveria restringir-se a suas funções mínimas (defesa, arrecadação, diplomacia e polícia), a um aparato mínimo de proteção social (com reconhecimento de poucos – e seletos – direitos sociais, e baseado na prestação privada de serviços de relevância social) e a uma gestão mínima da ordem econômica (com destaque para a regulação e a gestão macroeconômica) (MARTINS, 2005, p.46).

O novo paradigma da New public Management propunha uma mudança do papel do Estado na sociedade. No Brasil, este processo ganhou relevância durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, por meio da implantação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), responsável pela criação e implantação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE).

Em consonância com este paradigma, o PDRAE, que representava a extensão desta doutrina, no Brasil, pressupunha a aplicação de princípios racionais e de práticas do setor privado em busca de uma maior eficiência no setor público e, também, pretendia gerar uma redefinição do papel do Estado de provedor para indutor do desenvolvimento, cabendo, então, para a sociedade civil, um novo papel neste novo arranjo (ABRUCIO, 2006). O fortalecimento da sociedade civil é um dos pilares deste modelo, dado que caberia justamente a ela o acompanhamento e controle da atuação do Estado (BRESSER-PEREIRA, 2009).

De acordo com Paula (2005a), entre os valores do gerencialismo, encontram-se valores próprios da livre iniciativa, como: racionalidade, autonomia, iniciativa, criatividade, responsabilidade, produtividade, eficiência e competitividade. Assim sendo, pode-se observar que o gerencialismo foi “baseado na cultura do empreendedorismo, que é um reflexo do

capitalismo flexível e se consolidou nas últimas décadas por meio da criação de um código de valores e condutas que orienta a organização das atividades de forma a garantir controle, eficiência e competitividade máximos” (PAULA, 2005a, p.38). Segundo Paula (2005a), ainda, os valores da livre iniciativa estariam associados a valores da gênese da cultura anglo-saxã, o que teria facilitado a implantação de reformas gerencialistas de Estado em países como Inglaterra, Estados Unidos e Austrália. O mesmo não poderia ser afirmado em relação à cultura latina.

Para Martins (2005), a falta de afinidade entre os valores norteadores do gerencialismo e a cultura latina, somada à observação dos efeitos negativos gerados nos países em desenvolvimento da América Latina pela adoção deste modelo, levam a

questionamentos sobre a adequação do modelo escolhido para a reforma do Estado nesses países. Pois, segundo Martins (2005, p.48),

A onda de ajustes liberais foi excessiva para os países em desenvolvimento e fez diminuir suas possibilidades de investir e crescer. (...) Na política, o grande problema foi a lacuna criada pelo fato de que o ajuste liberal tinha seu foco na economia e pressupunha que as instituições estavam ou já suficientemente consolidadas (...) ou em vias de se estabelecerem (...). Na sociedade, o grande efeito colateral do ajuste liberal dos anos 1990 foi o aumento da pobreza e da desigualdade em escala global. Nas instituições, o efeito colateral dos processos de redução do estado foi o agravamento do déficit institucional, o enfraquecimento das instituições e a conseqüente diminuição da capacidade de governo.

A necessidade de adequação do modelo de reforma às peculiaridades de cada país, também, é apontada por Sano e Abrucio (2008), que ressaltam que a aplicação do modelo proposto pelo New Public Management deveria estar condicionada às particularidades de cada país, principalmente no que se refere ao legado estatal e a dinâmica política. A adoção de projetos de reforma, sem que estes considerem devidamente as particularidades dos sistemas burocráticos e administrativos, levariam a resultados pouco efetivos (REZENDE, 2002).

Pollitt e Bouckaert (2002) refutam a ideia de “uma melhor prática” - one best way – para qualquer circunstância seja na administração pública ou na administração em geral e destacam que a transferência de um sistema de administração deve considerar como fatores fundamentais: (1) a cultura nacional e organizacional; (2) a estrutura do sistema político; e (3) as estratégias administrativas e a complexidade das tarefas principais.

Martins (1997), por sua vez, acrescenta outros aspectos como essenciais ao sucesso de uma reforma de Estado e também salienta a necessidade de adequação cultural. Assim, para Martins (1997, p.14):

qualquer tentativa de reforma das estruturas do Estado, para que possa ser bem sucedida deve levar em consideração pelo menos três aspectos: em primeiro lugar, a cultura política particular sob a qual a administração pública evoluiu em cada país; em segundo lugar, os processos que levaram (tradicionalmente ou recentemente) às disfunções do serviço público; e em terceiro lugar, a localização dos principais gargalos da administração pública. No caso do Brasil, pode-se questionar se a aplicação, formulação e implantação do processo de reformas administrativas teriam considerado adequadamente o contexto do ambiente público do país. Pois, considerando que a proposta do New Public Management previa a substituição de uma modelo de administração burocrática weberiana por um modelo de administração gerencial, um primeiro questionamento que poderia ser feito a este respeito é: até que ponto a administração pública pré-reforma poderia ser considerada como burocrática?

Neste sentido, diversos autores questionam se a administração das organizações públicas brasileiras poderia ser considerada como associada a uma administração burocrática. Para autores como Andriolo (2006) e Martins (1997), a burocracia brasileira apresentaria duas faces: uma elite burocrática, que acessou o serviço público mediante concurso e foi desenvolvida em agências insuladas, ou fora do controle do Congresso e de partidos políticos, com critérios de promoção baseados no mérito; e um quadro de servidores de baixa qualificação, admitidos por indicações clientelistas e com critérios de promoção baseados na antiguidade. Assim, com exceção da elite burocrática insulada, a administração pública no Brasil não poderia ser considerada como uma burocracia nos moldes weberianos, por não apresentar suas características básicas de impessoalidade, profissionalismo e meritocracia (ANDRIOLO, 2006; MARTINS, 1997).

Nesse sentido, Helal et al (2008, p.7) afirmam: “de modo geral, tem-se que o aparato burocrático do Estado Brasileiro se desenvolveu de modo híbrido, conservando traços paternalistas e patrimonialistas do passado, ao mesmo tempo em que desenvolvia as características weberianas da burocracia”.

Bergue (2007) concorda que a administração pública brasileira estaria mais associada a um formato híbrido, onde estruturas ainda frágeis do ponto de vista burocrático, que convivem com padrões culturais patrimonialistas, são fortemente compelidas a orientarem-se para um comportamento de gestão focado no alcance de resultados.

Pode-se perceber, então, que o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) priorizou o conteúdo técnico e não considerou adequadamente a dimensão cultural, subestimando o contexto brasileiro e suas peculiaridades. (ANDRIOLO, 2006; HELAL et al, 2008; REZENDE, 2002)

Entre essas peculiaridades, pode-se destacar a herança patrimonialista do Estado brasileiro, que tem sido uma característica frequentemente associada, nos estudos sobre tentativas de mudança na administração pública, a um fator de resistência à implantação de novas tecnologias ou políticas na administração pública brasileira (IMASATO; VÉRAS, 2010; NASCIMENTO; ZUQUIM, 2010; HELAL et al, 2008; CABRAL et al, 2008; PIERANTI et al, 2007; BERGUE, 2007).

Lustosa da Costa (2005) acrescenta, ainda, ao conjunto de peculiaridades, personalismo, mandonismo, clientelismo, cartorialismo e autoritarismo. Segundo este autor,

este conjunto de peculiaridades constituiria modos de ser, de pensar e proceder que caracterizariam as instituições brasileiras e as relações sociais e políticas no Brasil, condicionando o funcionamento do Estado e a ação e desenvolvimento da administração pública.

Essa combinação de fatores peculiares do Estado, que não teria sido adequadamente considerada no processo de implantação de reforma, é apontada na análise de resultados por diversos autores, que buscaram entender os motivos do alcance parcial da mesma. (REZENDE, 2002)

A própria dificuldade de cumprir regras, normas e procedimentos não necessariamente adequados às peculiaridades culturais, ou, como no caso da administração pública brasileira, considerando que o ambiente público, possivelmente, contém traços de patrimonialismo e não apresenta garantias de um quadro funcional qualificado, nem possui condições materiais adequadas para executar as tarefas previstas, abre caminho para o surgimento do formalismo.

O formalismo poderia assim, ser apontado como uma espécie de efeito indesejado, na medida em que seria uma estratégia de sobrevivência para lidar com regras e normas difíceis de serem aplicadas no contexto, seja porque o quadro de funcionários discorda ou tem dificuldades para cumprir o determinado pelas regras e normas.

É importante considerar que para Guerreiro Ramos (1983), o formalismo não é uma característica bizarra, um fato estranho que se encontra nas sociedades que têm o objetivo de superar a fase em que se encontram. Nesse sentido, o formalismo resulta da pressão da sociedade mundial, que, dada uma determinada relação centro-periferia, leva a sociedade periférica a ser compulsoriamente receptiva. No entanto, a presença do formalismo parece confirmar que as bases teóricas da reforma não estão em perfeita consonância com a realidade brasileira e, que, por isso, os reais problemas do Estado brasileiro continuam sem uma efetiva solução. (ANDRIOLO, 2006, p.11)

Assim sendo, o processo de Reforma do Estado brasileiro ao não considerar adequadamente o nosso contexto sociocultural, não apenas teria tido seu alcance reduzido, mas também provocado disfunções ou “efeitos indesejados” como o formalismo.