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Nesta seção serão apresentadas as possibilidades de utilização do pensamento social brasileiro na área de ciências sociais com suas potencialidades e desafios.

sociais no Brasil. Segundo Schwarcz e Botelho (2011, p. 139),

A área de estudos em pensamento social brasileiro – ensino e pesquisa - encontra-se bastante consolidada na academia brasileira e pode-se mesmo considerá-la em franco crescimento. Isto pode ser constatado se observarmos a demanda por parte dos estudantes, assim como de pesquisadores que, com trabalhos renovadores, dotam a área de maior densidade, tanto com a releitura dos clássicos quanto com perspectivas metodológicas que contribuem para a abertura de novos campos empíricos para investigação.

Para Brandão (2005), o campo teria sido esboçado em meados do século XX, recebido grande impulso nos anos 70 e chegado à maturidade nos anos 90, sendo constituído como um dos mais produtivos das ciências sociais.

O campo de estudos do pensamento social brasileiro tem ocupado, assim, lugar de destaque na produção acadêmica de ciências sociais no Brasil. Pode-se notar um esforço de aprofundamento da dimensão teórica contida no estudo da imaginação social brasileira (BOTELHO; SCHWARCZ, 2009; BOTELHO, 2007; MAIA, 2010; 2009). Apesar deste campo de estudo receber críticas de que estaria restrito a aspectos historiográficos, podem-se observar novos estudos voltados para o entendimento de como utilizar o pensamento social brasileiro para reflexões político-sociológicas da contemporaneidade (MAIA, 2010; 2009).

Maia (2010, p.66) destaca que o pensamento social brasileiro deve ser entendido

“não como o conjunto de textos e intelectuais clássicos associados a uma tradição pretérita, mas como o campo contemporâneo de estudos sobre esta tradição”. Em outras palavras, seria

uma interpretação crítica a partir da tradição e este diálogo hermenêutico dos pesquisadores das ciências sociais a partir da tradição pode ser observado em inúmeros trabalhos como o de Werneck Vianna (1997), Souza (2003) e Barbosa Filho (2003).

Desse modo, para estes autores “a pesquisa do pensamento social brasileiro não é

ponto de chegada, mas um modo de construção do discurso teórico, que se orienta para o desvendamento da modernidade no Brasil, entendida a partir de nossa inscrição periférica no

mundo ocidental” (MAIA, 2010, p.67).

Neste sentido, Brandão (2005) e Maia (2009) corroboram este ponto de vista de pertinência e adequação da utilização de autores que refletiram sobre uma realidade histórica de mais de 50 anos atrás e adotam uma perspectiva distinta do contextualismo linguístico da Escola de Cambridge, combatendo os pressupostos skinnerianos de que as ideias e teorias só se explicariam pelo contexto no qual estariam inseridas e que toda interpretação que ultrapassasse esse estrito significado histórico deveria ser recusada sob risco de cair na falácia

do anacronismo. Assume-se, então uma perspectiva coerente com Jeffrey Alexander (1999) que afirma que a teoria social seria de natureza discursiva e haveria um trânsito hermenêutico constante entre os chamados clássicos e os estudos contemporâneos (MAIA, 2009; BRANDÃO, 2005).

Botelho e Schwarcz (2009) apontam que uma articulação tensa entre autor, obra e

recepção seria o procedimento necessário para evitar “os males do anacronismo”, problema que aflige quem quer se debruçar sobre o passado com lentes mais adaptadas. Assim, “ir ao

passado com perguntas do presente é tarefa da qual não se desvia ou que se evita. Mas cobrar do passado o presente é desajuste de análise, problema de interpretação. O desafio é indagar nossos autores, suas questões, problemas e soluções, e dar ao tempo o seu tempo.” (BOTELHO; SCHWARCZ, 2009, p.13).

Neste contexto, a utilização das interpretações clássicas do Brasil seria uma espécie de base, na medida em que

O recurso à imaginação brasileira não visa reconstruir seu repertório linguístico específico ou fixar precisamente o que seus protagonistas faziam quando escreviam seus textos, mas sim ativar a fabulação teórica contemporânea com base em matrizes intelectuais normalmente descartadas como puramente ensaísticas. Nesse sentido, não se trata de negar o programa historicista, mas apenas de ressaltar que ele não é a única forma possível de interpelar textos clássicos. (MAIA, 2009, p.156).

Uma questão que pode ser colocada é: por que a utilização do pensamento social brasileiro seria útil? Ou, como coloca Maia (2009), por que teorizar a partir da tradição intelectual nacional, ou ainda, como a releitura desse conjunto de ideias e ensaios clássicos poderia contribuir para as ciências sociais?

Em relação a estas indagações, Maia (2009, p. 156) sugere que “o pensamento social

brasileiro pode falar não apenas do Brasil, mas também, sobre dilemas modernos globais a partir de um ponto de vista distinto daquele formulado no mundo europeu e anglo-saxão”. Assim sendo, o pensamento social brasileiro poderia ser articulado com debates da contemporaneidade que criticam o eurocentrismo e apontam para a necessidade de discursos alternativos. Maia (2010ª’, p.32) afirma ainda que:

If one is interested in discussing social theory from southern perspective, it is crucial to understand our past histories. Jeffrey Alexander states that classical works occupy a central place in social sciences because they provide us with a repertoire of concepts that allow intellectual exchange today. One does not, after all, read Marx, Weber or Durkheim in an uncritical fashion. According to Alexander, these authors are part of a hermeneutical dialogue which draws on past theories in a creative way. Why not open this dialogue with the aid of other intellectual histories? It is not a matter of making uncritical and

nationalistic claims about Brazilian classics but a necessary step in a process of de- centring social theory.

O pensamento social brasileiro teria, assim, como contribuição para a área de ciências sociais possibilitar um processo de descentramento teórico. Os trabalhos de André Botelho (2007) e Luiz Werneck Vianna (1997) seguem esta linha, na medida em que, a partir de uma releitura de “clássicos” do pensamento social brasileiro, trataram temas centrais das ciências sociais na contemporaneidade, desenvolvendo horizontes cognitivos alternativos (MAIA, 2010; 2011).

A importância e pertinência desse processo de descentramento teórico são corroboradas pela sugestão de Alexander (1999) de diálogo hermenêutico entre “clássicos” e contemporaneidade, isto é, dos clássicos entendidos como ponto de partida para o debate contemporâneo. Aprofundando este pressuposto, chega-se na questão de que cada corpo teórico traria consigo uma concepção de um mundo possível, com objetos, personagens e relações próprias. Maia (2011) exemplifica esta relação entre teoria e a concepção de um mundo possível específico a ela com os conceitos de esfera pública e sociedade civil que na sociologia tradicional estão baseadas nas grandes metrópoles europeias, o que transforma um modelo específico de cidade em “oficial” para as ciências sociais.

É interessante notar que esta abordagem voltada para o questionamento da universalidade de teorias e conceitos e de resgate de autores locais também tem ocorrido na produção acadêmica internacional na área de ciências sociais. O trabalho da socióloga australiana Roewyn Connell (2007) é um exemplo desta abordagem.

Em seu livro Southern Theory, Connell (2007) afirma que a sociologia tradicional realiza uma espécie de autorreflexão europeia, na medida em que a sociologia emanaria da Europa para o resto do mundo e estaria marcada em sua origem por um grupo restrito de correntes e países fundadores. Essa restrição inicial da sociologia obscureceu outros pensadores e imaginários que poderiam tornar a sociologia realmente global. Nesse sentido, no seu livro para construir uma chamada Southern Theory, Connell (2007) recorre a diferentes tradições intelectuais como América Latina, África do Sul e Irã e resgata dessas narrativas intelectuais periféricas possibilidades de diálogo com a sociologia contemporânea, abrindo caminho ainda para um descentramento da teoria social.

Desse modo, o futuro da área de pesquisa do pensamento social brasileiro dentro das ciências sociais tem se mostrado promissor, com o desenvolvimento de operações

metodológicas mais sofisticadas e a descoberta de novas fontes de investigação, sendo fundamental para o desenvolvimento da área manter a abertura transdisciplinar do campo e a possibilidade de releitura dos clássicos e atualização de suas obras e críticas (SCHWARCZ; BOTELHO, 2011).

Esse caráter promissor do estudo do pensamento social brasileiro nas ciências sociais parece não ser acompanhado na área de administração. Pois, conforme foi visto na introdução desta tese e será aprofundado na próxima seção, além da baixíssima utilização destes autores, os poucos estudos que os utilizam não conseguem dar conta das inúmeras lacunas da área.

Diante do que foi exposto, o resgate de autores do pensamento social brasileiro e sua utilização no âmbito da administração podem trazer interessantes contribuições para a observação de aspectos relacionados à cultura no ambiente público. Neste contexto, as ideias de Sergio Buarque de Holanda (1936) e seu homem cordial ou os conceitos de patrimonialismo e de estamento de Raymundo Faoro (1975; 2007) bem como o Brasil crioulo de Darcy Ribeiro (1995) e o distanciamento entre elite e povo e o desprezo da primeira pelos valores da cultura popular apontados por Celso Furtado (1999) podem não só gerar contribuições para o estudo da cultura dentro da área de estudos organizacionais, mas também contribuir para o processo de descentramento desta área de modo similar ao que começa ocorrer nas ciências sociais.