• Nenhum resultado encontrado

Se eram essas as condições oferecidas aos soldados a caminho do campo de batalha, com que disposição lutariam? Nesse cenário, surgiam dúvidas e questionamentos sobre a real possibilidade de o Brasil enviar seus soldados para a guerra, já que as metas a serem superadas se mostravam bastante difíceis. Havia um pessimismo generalizado, algo que resultou na frase que representava o pensamento sobre a FEB: “É mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil mandar soldados para a guerra.”

Dentro do grande número de histórias criadas por conta da formação da FEB, muita gente acreditou nos boatos de que a famosa frase sobre a cobra fumando teria sido pronunciada pelo próprio Hitler, mas certamente o líder nazista estava mais preocupado com a guerra em andamento — em especial, no sangrento front russo — do que com as dificuldades brasileiras em organizar sua força militar expedicionária.

Mesmo com a forte censura, o povo nas ruas tomava conhecimento da insuficiência do alistamento voluntário, da convocação compulsória de reservistas, das dificuldades em deixar o país guarnecido, caso as Forças Armadas fossem enviadas para além-mar, e da ente falta de recursos para equipar os soldados. A participação das associações estudantis nas fileiras de alistamento da FEB era inversamente proporcional às demonstrações por elas organizadas nas ruas das grandes cidades meses antes, quando pediam a declaração de guerra. Na verdade, dentro da FEB, poucos estudantes com idade para alistamento se apresentaram.

9. AS LABAREDAS DA GUERRA NO BRASIL

Quem chega hoje em dia ao Aeroporto Internacional Augusto Severo (nome do pioneiro da aeronáutica brasileira, morto em 1902 num acidente de balão em Paris), em Parnamirim, município vizinho de Natal, capital do Rio Grande do Norte, não faz ideia da importância daquele local durante a Segunda Guerra. O Ministério da Guerra americano considerava a cidade um dos quatro pontos estratégicos mais importantes do mundo, juntamente com Gibraltar (entrada do Mediterrâneo), o canal de Suez e o estreito de Bósforo (que ligam a Europa à Ásia). A razão disso era que Natal separava o continente americano de Dacar, na África, por meras 1.700 milhas náuticas, pouco menos de três mil quilômetros.

Muito antes da guerra, em 1927, os franceses chegaram ao local para construir a primeira pista de pouso. Ao longo da década de 1930, ocupando a foz do rio Potenji, vieram os italianos, os alemães e os americanos, que operavam os hidroaviões que voavam desde a Europa e os Estados Unidos até a América do Sul. Com o início da guerra e a queda da França, houve a preocupação do governo americano com a possibilidade de os alemães e os italianos usarem as colônias de países ocupados como base (a Guiana Holandesa foi ocupada por forças americanas em novembro de 1941).

Em 1940, com o claro apoio americano aos ingleses, começaram as ações para se utilizar Parnamirim como rota de envio de aviões e demais suprimentos para a luta contra o Eixo no norte da África. Os americanos desalojaram os antigos ocupantes e começaram a operar a companhia aérea Pan American no país, depois de uma barganha com Vargas por armamentos. Ele não queria que os americanos simplesmente ocupassem o campo de pouso e usassem as linhas que eram dos italianos e dos alemães, onde apenas seis aviões americanos podiam permanecer.

No final de 1940, os americanos implantaram o Airport Development Program (Programa de Desenvolvimento de Aeroportos), uma fachada para ocultar a construção de bases aéreas em Belém, Parnamirim e Recife. Em dezembro de 1941, com a entrada definitiva dos Estados Unidos na guerra, a construção da base ganhou força total.

Na ilha de Fernando de Noronha, que estava na rota para a costa africana, foi montada uma base aérea americana, sobre um campo de pouso construído nos anos 1920 pela companhia aérea italiana LATI. A base de Natal se tornou um dos aeródromos mais movimentados do mundo na época. No norte, Belém do Pará era escala das esquadrilhas americanas a caminho de Recife e Natal.

O Nordeste brasileiro serviu como rota estratégica para o esforço de guerra Aliado, que não teria chegado à Europa Mediterrânea se não fosse pela conquista dos territórios ao norte da África e pela derrota dos italianos e dos alemães nessa região. Entre 1943 e 1944, Parnamirim se tornaria a base aérea americana mais movimentada do mundo, por onde passaram milhares de aviões, com mais de cem pousos diários.

Natal era escala obrigatória para a travessia aérea até Dacar, com a ilha de Fernando de Noronha servindo de ponto de apoio. De Dacar, os voos seguiam para a Europa. Já no final dos anos 1930, aviões de grande autonomia podiam realizar a travessia sem pousar para reabastecimento em Fernando de Noronha ou nas ilhas de Cabo Verde e Canárias, na costa africana.

Em 1943, chegou ao Brasil a recém-criada IV Esquadra americana, que tinha a missão de rulhar o Atlântico Sul. Navios de guerra americanos ancoravam nos portos brasileiros, e vários foram incorporados e mesmo doados à Marinha brasileira, o que possibilitou a esperada proteção das rotas entre as capitais.

O vice-almirante e comandante da IV Esquadra, Jonas Howard Ingrahm, foi nomeado por Vargas chefe das Forças Navais no Brasil, cujo centro de comando era baseado em Recife. O gesto causou insatisfação em alguns setores políticos e militares, que não concordavam com a chegada dos americanos e a concessão de bases operadas por eles em nosso território.

Secretamente, Vargas fez um acordo com o comandante da Marinha americana em que lhe dava plenos poderes e total liberdade de ação dentro do mar territorial brasileiro, como forma de proteger a navegação regional. Esquadrões de dirigíveis operavam em Recife e no Rio de Janeiro com tripulações americanas — uma das muitas formas usadas para um rulhamento mais eficiente dos mares —, somados aos aviões e aos navios.

gigantesca invasão pacífica que os soldados americanos efetuaram em território inglês — onde se concentraram em massa para a grande operação de desembarque no Dia D —, no Brasil, a presença americana foi proporcionalmente bem menor, mas de grande efeito, para influenciar a sociedade local. Natal e Recife ainda não eram grandes cidades, mas o Rio de Janeiro, Distrito Federal, recebia e repassava as influências dos americanos no dia a dia brasileiro. O que se fazia mais notável era o elevado padrão de produção dos americanos, especialmente a qualidade dos bens materiais, que chegavam em grande quantidade para uso restrito nas bases militares. Muitos desses itens extrapolavam as restrições e acabavam no mercado negro, ao qual a população tinha acesso. Era possível encontrar cigarros, sorvetes, chicletes, bebidas, óculos escuros, remédios como a penicilina e diversas vacinas, culminando com a abertura da primeira fábrica da Coca-Cola no Brasil.

Estava definitivamente alterado o eixo de influência econômica e cultural, que se deslocou da Europa para os Estados Unidos, com a irrefreável força das estrelas de Hollywood e dos expoentes da música americana. O Brasil, dali em diante, rezava pela cartilha do Tio Sam.