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Essas declarações do homem que, mais tarde, em 1945, ganharia o Nobel da Paz pelo seu trabalho em formar a ONU serviam para mostrar o clima de paranoia vigente. Bastaria localizar num mapa a Islândia e o Brasil, distantes entre si por mais de nove mil quilômetros, para acalmar um pouco o discurso alarmista. Um ataque alemão para tomar essas regiões seria algo inexequível.

A empreitada necessitaria de que a Kriegsmarine fosse maior que as Marinhas americana e inglesa juntas, e os alemães nem sequer eram dotados de um porta- aviões operacional. O Graf Zeppelin, primeiro de dois porta-aviões encomendados pela Marinha alemã em 1935, foi lançado ao mar em dezembro de 1938, mas nunca entrou em operação, sendo capturado pelos russos no fim da guerra. A demora em seu emprego serviu como exemplo da notória falta de sincronia existente entre a Marinha e a Aeronáutica alemãs, que perdurou durante toda a guerra.

Aproveitando o impacto do ataque surpresa japonês à base dos Estados Unidos, em Pearl Harbor, ainda em janeiro de 1942, durante a Conferência dos Chanceleres realizada no Rio de Janeiro, os estrategistas e políticos americanos convenceram os setores do governo Vargas de que a distância entre Natal e Dacar oferecia chances de uma ação aérea ou naval dos alemães sobre o território brasileiro, quando estivessem de posse das colônias francesas no norte da África. Esse ataque poderia acontecer dali a um mês.

Esse aspecto reforça o estado de espírito de uma época em que os canais de inteligência, espionagem e contraespionagem ainda não funcionavam com muita

precisão. As vitórias nazistas com a Blitzkrieg (guerra-relâmpago) até fins de 1941 serviram para aumentar as aflições em relação à possibilidade de qualquer outra ação ousada dos alemães. Não havia precisão quanto ao número de máquinas e homens disponíveis pelos nazistas para dar sequência às suas ações expansionistas. Num exercício teórico, tudo era possível, como já era viável a travessia aérea dos 2.900km entre Dacar e Natal pelo emprego de aviões com autonomia de quatro a seis horas.

Xenofobia e intolerância política

Com a declaração de guerra ao Eixo, ocorreram muitas represálias no Brasil. Alemães, italianos e japoneses que residiam no país tiveram seus negócios fechados, bens confiscados e imóveis

depredados. Muitos suspeitos de agir como agentes dos governos inimigos foram presos. Um decreto governamental determinou que qualquer imigrante e mesmo descendentes dos países do Eixo não poderiam permanecer dentro de uma faixa de cem quilômetros do litoral, medida que visava impedir eventuais contatos de espiões da quinta-coluna com embarcações inimigas, e assim evitar que

recebessem armamentos, ordens para sabotagens ou que repassassem informações secretas. A medida levou ao despejo, aprisionamento e internação de alemães, italianos e japoneses em campos de

concentração, instituídos em diversos estados brasileiros. Os campos funcionavam como colônias agrícolas, onde os internos eram obrigados a prestar serviços. As condições de alojamento eram precárias e o tratamento destinado aos presos era severo. Alguns desses campos reuniram dezenas de prisioneiros. Muitos dos cativos eram tripulantes de navios alemães confiscados pelo Brasil e

imigrantes — na sua maioria, lavradores que não conseguiram refúgio depois de serem desapropriados.

Alguns desses campos ficavam em:

• Tomé-Açu, no Pará, a duzentos quilômetros de Belém. Recebeu alemães, e a maioria dos internos era japonesa;

• Chã de Estevão, em Pernambuco. Abrigou empregados alemães da Cia. Paulista de Tecidos;

• Ilha das Flores e Ilha Grande, Rio de Janeiro, onde prisioneiros de guerra dividiam cela com detentos comuns, numa violação das leis internacionais;

• Pouso Alegre, Minas Gerais. Recebeu os 62 marinheiros do navio alemão Anneleise Essberger;

• Guaratinguetá e Pindamonhangaba, São Paulo, onde fazendas do governo foram adaptadas para receber prisioneiros, como a tripulação do vapor Windhuk, que deixou registros feitos durante o período de retenção de quase três anos;

• Santa Catarina, no hospital Oscar Schneider, transformado em colônia penal;

• Curitiba, Paraná, no local em que hoje se encontra a Granja do Canguiri, para onde foram levados cerca de cinquenta imigrantes japoneses, familiares de colonos, mantidos em condições deploráveis.

O Brasil, ao declarar guerra ao Eixo, manteve um distanciamento formal com o Japão, que estava muito longe das ações de combate em andamento no litoral atlântico. Entretanto, houve grande segregação racial em relação aos nipo-brasileiros e japoneses residentes no país. Isso seria um

reflexo direto do alinhamento brasileiro com os Estados Unidos, que, depois do ataque a Pearl Harbor, empreenderam uma campanha fortíssima de propaganda antinipônica, na tentativa de rebaixar

moralmente os japoneses. Foram necessários muitos esforços para reparar as hostilidades praticadas contra o grupo. Depois da guerra, uma emenda do governo que proibia a imigração japonesa foi derrotada por apenas um voto no Congresso, durante os preparos da Constituição de 1946. Nas décadas seguintes, o Brasil se tornou o país que recebeu o maior número de imigrantes japoneses.

Aviadores alemães e italianos que faziam as rotas aéreas de empresas que operavam na América do Sul poderiam oferecer informações estratégicas para futuras operações militares. Informantes do Eixo repassavam as rotas de navios que saíam dos principais portos sul-americanos. A hipótese de um movimento insurgente apoiado pelo Eixo em meio à grande população de imigrantes e descendentes de alemães, italianos e japoneses fixados no Brasil causava grandes preocupações em Washington. Havia mesmo o temor de que submarinos inimigos pudessem desembarcar clandestinamente armas e munição para grupos guerrilheiros formados em território brasileiro. O sucesso dessas operações colocaria em xeque o controle do canal do Panamá e a navegação no Atlântico entre a América e a África.

Fica muito fácil nos dias de hoje concluir que nenhum desses cenários aconteceria de fato. Mas naqueles tempos o reconhecimento aéreo não permitia a cobertura das amplas áreas sob suspeita de ocultar formações de tropas e concentrações de equipamentos militares, bases aéreas ou navais. Isso deixava aberta a possibilidade e alimentava temores de que alemães e italianos pudessem estar preparando secretamente, em algum momento, uma grande operação de travessia do Atlântico.

Levando em conta todos os receios e considerando os fatos, algumas hipóteses para uma ação desse tipo acontecer seriam:

1. Se os alemães conseguissem preparar uma força militar considerável para cruzar o Atlântico até a costa brasileira — mesmo os teóricos mais experientes e preocupados com a expansão nazista na época deviam saber que isso era praticamente inviável. Os recursos necessários para uma operação naval desse

porte seriam gigantescos, diametralmente opostos ao tamanho da Kriegsmarine. Considerar essa possibilidade era um enorme devaneio, apenas justificado pela total ausência de um sistema defensivo na costa brasileira, sem navios, aviões e contingente de homens suficiente para vigiar, rulhar e defender o extenso litoral de um desembarque do gênero. Ainda na época, grandes operações navais de desembarque não haviam sido efetuadas, tanto pelos Aliados quanto pelos alemães. 2. Se os alemães realizassem um ousado desembarque aerotransportado, cruzando o Atlântico: isso também era absolutamente impossível, uma vez que o avião que transportava os paraquedistas alemães — o lendário cargueiro faz-tudo Junkers Ju-

52 — não tinha alcance para uma travessia desse porte. Ademais, não haveria

apoio naval, aéreo ou terrestre necessário para tal empreitada. Logo após o começo da guerra, as operações aerotransportadas dos Fallschirmjäger (paraquedistas) alemães, seriam restritas a ações terrestres por ordem direta de Hitler, depois do grande número de baixas sofridas durante a tomada da ilha de Creta.

3. Se os alemães lançassem ataques aéreos nas cidades litorâneas e em pontos estratégicos na costa do Nordeste brasileiro — cenário também pouco provável, mesmo se os alemães tivessem disponíveis esquadrilhas de bombardeiros pesados e de longo alcance — um aspecto que deu grandes limitações à Luftwaffe (Força Aérea alemã durante a Segunda Guerra). Alguns analistas militares Aliados já tinham noção de que a ausência desse tipo de aeronave era motivo de preocupações e críticas dos oficiais da Força Aérea alemã, que confrontavam seu comandante, Hermann Göring. O único bombardeiro alemão fabricado em larga escala era o bimotor médio Heinkel He 111-H , incapaz de atravessar o Atlântico. Sobre esse aspecto, vale mencionar o sério desentendimento que a Luftwaffe tinha com a Marinha alemã, o que privou o uso de aviões que ajudariam enormemente nas operações em conjunto com a força de submarinos. O avião adequado para essa missão era o quadrimotor Focke-Wulf Fw 200C Condor — um dos poucos quadrimotores fabricados pelos alemães, que não chegou a trezentas unidades. Concebido como avião comercial de grande autonomia, também usado pelo Sindicato Condor na América do Sul, o Fw 200 Condor foi adaptado para rulha e eventuais bombardeios navais, embora sua estrutura não permitisse carregar muitas bombas, sobrevoando vastas áreas sobre os mares do Atlântico Norte e

Mediterrâneo. O Condor era o avião favorito de Hitler, que chegou a ter três desses aparelhos ao seu dispor, mas seu uso era restrito devido ao tamanho, não permitindo o pouso em pistas curtas. Mesmo que esquadrilhas desses aviões pudessem efetuar bombardeios sobre cidades da costa brasileira, onde aterrissariam depois? Com o alcance máximo de 3.560km, uma missão desse tipo não permitiria o retorno ao suposto ponto de partida na costa africana. Seriam missões suicidas, como a realizada no lendário reide sobre Tóquio, chefiado pelo coronel James Doolittle, em fevereiro de 1942: uma resposta moral dos americanos ao ataque a Pearl Harbor.

Antes mesmo de os Estados Unidos entrarem na guerra, esses cenários, mesmo improváveis, serviam como forte argumento dos americanos para mobilizar os países das Américas contra a ameaça expansionista do Eixo. Na virada de 1941 para 1942, a entrada efetiva dos Estados Unidos no conflito diluiu os temores de uma ação alemã no continente americano, especialmente depois que a invasão à União Soviética começou a exaurir os recursos militares alemães. Dali em diante, o Nordeste brasileiro ganhou um novo contexto, dessa vez estrategicamente ofensivo, o que permitia a rota dos americanos até o norte da África, partindo de Natal e Recife. Enquanto no sudeste asiático as colônias francesas e holandesas foram ocupadas pelos japoneses, as Guianas Francesa e Holandesa na América do Sul foram neutralizadas, o que espantou qualquer chance de ocupação alemã. Em breve, os temores de uma ação militar do Eixo no Atlântico Sul seriam renovados, com a entrada em cena da arma que mais simbolizou o terror traiçoeiro alemão: o submarino.

Operação Borracha

Os temores dos americanos em relação ao fato de o Brasil se tornar um aliado do Eixo levaram ao planejamento da Plan Rubber (ato Operação Borracha), que visava à invasão e à tomada do Nordeste brasileiro e seus estratégicos aeródromos de Natal e Recife, por meio de um desembarque naval, com data limite para fevereiro de 1942.

serviram para mostrar a complexidade da empreitada, assim como comprovaram a inexperiência que ainda reinava nas Forças Armadas americanas naquele período. O plano exigiria enormes gastos logísticos para ser aplicado.

Finalmente, as ações diplomáticas entre Estados Unidos e Brasil foram mais efetivas e deixaram o Plan Rubber na gaveta do Estado-Maior americano. O sucesso dos desembarques americanos no norte da África desalojou os alemães e os italianos da região, afastando qualquer chance de um ataque ao território continental americano proveniente dali, como era suposto no início da guerra.