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Em 1934, um acordo comercial assinado em caráter informal entre Brasil e Alemanha desencadeou um aumento nos negócios entre os dois países. Os americanos logo propuseram um acordo comercial com o Brasil, assinado em fevereiro de 1935, que previa melhorar as tarifas de vários produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos.

Se Roosevelt tinha o New Deal (Novo Trato), Hitler tinha o Neuen Plan (Novo Plano). Tanto o líder democrata americano quanto o Führer nazista, com suas doutrinas de governo diametralmente opostas, cruzavam alguns pontos comuns. Além do nome parecido, muitos aspectos em cada um do planos econômicos tinham como meta reaquecer a economia, gerar empregos, aumentar suas zonas de influência comercial e superar as graves crises que seus países sofreram na virada dos anos 1920.

Com o bom andamento das reações comerciais com a Alemanha, já em 1936, dentro das prerrogativas do “Novo Plano” econômico, o governo alemão criou um sistema de troca para melhorar a aquisição de matérias-primas, que seriam pagas com o chamado marco ASKI, um recurso para que toda a importação alemã resultasse numa exportação de igual valor.

O Brasil exportava muito tabaco, café, frutas e a maior parte das necessidades alemãs de algodão, o que era primordial para atender à demanda de confecções em geral, especialmente de uniformes e bandagens para uso médico, necessários em

grande quantidade para as Forças Armadas. Muito couro brasileiro também era exportado para os alemães, usado na fabricação de equipamento militar, como coldres, cintos, arreios para cavalos e calçados. Na época, quase metade da borracha alemã era proveniente do Brasil.

As exportações brasileiras para a Alemanha retornavam na forma de produtos industrializados dos mais diversos tipos, como máquinas pesadas (prensas e tornos), motores elétricos e mesmo alguns automóveis das marcas Opel e Mercedes-Benz. Dentre os produtos alemães comuns nas lojas, destacavam-se os rádios valvulados, que eram muito populares.

Quando as relações comerciais com os alemães aumentaram consideravelmente, Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores do governo Vargas, foi chamado pelos americanos para trabalhar na reaproximação econômica entre o Brasil e os Estados Unidos.

O ex-embaixador brasileiro em Washington se tornaria defensor de uma política pró-americana: só faltava desimpedir os canais para que isso acontecesse. Ele teve seu nome associado diretamente à defesa da democracia, mesmo como um dos principais personagens do regime ditatorial vigente no Brasil.

Enquanto isso, em 1938, o Brasil ganhava a condição de mais importante parceiro comercial da Alemanha fora da Europa. Em 1936, também houve um acordo com a Itália fascista para a compra de três submarinos, entregues em 1937, uma das poucas iniciativas levadas a cabo para modernizar a Marinha do Brasil. Se o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos não parecia incomodar os alemães, o crescimento dos negócios brasileiros com a Alemanha incomodava muito os americanos.

Pouco antes do começo da Segunda Guerra, em 1938, o Brasil começou a exportar sutilmente mais produtos para a Alemanha do que para os Estados Unidos. Os setores militares brasileiros ansiavam pela obtenção de material bélico, e os americanos não ofertavam sua produção nem para o Brasil nem para outros países latino-americanos, conforme determinava a política externa de Washington. Já os alemães — que se reequipavam militarmente — prometiam suprir a demanda brasileira por armamentos e ainda ofertaram ao governo a construção de duas usinas siderúrgicas no país.

“Peço que me julguem pelos inimigos que fiz”

Nascido no coração de Nova York, em 30 de janeiro de 1882, Roosevelt se tornou o maior defensor da democracia no século XX. Subsecretário da Marinha de 1912 a 1920, ganhou as eleições de 1928 para governador do estado de Nova York, mas contraiu poliomielite, doença que debilitou sua saúde com o passar dos anos. Foi reeleito em 1930, articulando sua candidatura à presidência. Em 1932 foi eleito e assumiu o cargo em 1933. Tornou-se o único presidente americano a ser eleito por quatro mandatos seguidos. Rapidamente tirou o país da indolência socioeconômica com programas arrojados e novas medidas econômicas para aumentar os empregos, e reergueu os Estados Unidos depois da crise de 1929. De caráter forte, autoconfiante e dedicado ao governo, exercia com visão seu papel de líder mundial. Roosevelt sabia tecer acordos e fazer amizades. Com elas, se aproveitou para consolidar os interesses entre os Estados Unidos e o Brasil. Com Winston Churchill, criou uma relação crucial, mesmo antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra, garantindo a ajuda necessária aos ingleses em seu período mais sombrio da luta contra o nazismo. Implantou a política da boa vizinhança nas Américas e transformou os Estados Unidos na maior potência industrial do mundo, tendo como rival apenas a União Soviética. Roosevelt foi o primeiro presidente americano a aparecer na televisão, em 1939, e o primeiro a utilizar um avião presidencial, a visitar a América do Sul por duas vezes, em 1936 e em 1943, e a ter uma estação de metrô de Paris batizada com seu nome. Sua morte, em 12 de abril de 1945, antes de assumir o quarto mandato, provocou uma comoção mundial. Hitler achava que a notícia era um presságio da virada decisiva da Alemanha sobre os Aliados na guerra. Foi seguido por Harry Truman, que deu o golpe final nas duas frentes de combate americanas.

O fato de o Brasil não ter quitado sua enorme dívida externa não deixava o setor siderúrgico americano interessado em investir por aqui. Muitos militares do gabinete de Vargas admiradores da nova doutrina alemã — por isso chamados de germanófilos — lutaram e conseguiram a obtenção de materiais necessários às Forças Armadas Brasileiras na forma de uma considerável encomenda de armas da companhia Krupp — fabricante do lendário canhão antiaéreo Flak, de calibre 88mm — antes do começo da guerra. Havia planos para o fornecimento de mais de mil unidades de canhões de vários tipos, além de munição e material de apoio, que atingiriam um custo superior a oito milhões de libras na época.

Essa negociação foi usada como argumento pelo maior representante da ala germanófila do governo Vargas, general Góes Monteiro, em suas conversas com o chefe do gabinete militar americano, general George Marshall, num exercício de

retórica para convencer Washington a liberar a venda de armamento ao Brasil. Valia tudo para atingir o objetivo de reestruturar as Forças Armadas Brasileiras.

A política pendular empreendida por Vargas procurava tirar proveito das relações comerciais com os Estados Unidos e com a Alemanha ao mesmo tempo, deixando de lado qualquer favoritismo político e contornando os perigos da dependência de apenas um parceiro comercial.

A batalha em campo olímpico

Em agosto de 1936, enquanto começava a Guerra Civil Espanhola, o Brasil participou das Olimpíadas, grande evento preparado pelo regime nazista para mostrar a superioridade da raça ariana ao mundo. A delegação brasileira tinha cerca de noventa integrantes, mas não chegaram ao pódio. Alguns dos nossos melhores atletas da época, como o corredor Sylvio de Magalhães Padilha e as nadadoras Ana Maria Lenk e Piedade Coutinho, não conseguiram nenhuma medalha. Enquanto isso, os argentinos, que enviaram uma comitiva de cinquenta atletas, conseguiram cinco medalhas de ouro, num total de 11, obtidas em algumas modalidades como polo, que ainda era considerado esporte olímpico, remo, natação e boxe.

Por pouco, os Estados Unidos não participaram dos jogos, pois havia um sentimento de que os nazistas tinham claros interesses políticos com sua realização. Também já era conhecida a alegada

superioridade ariana e a perseguição aos judeus e demais “não arianos”, o que fez com que muitos americanos atuassem contra a participação dos Estados Unidos na “olimpíada nazi”. No último minuto, a delegação americana acabou sendo enviada para Berlim.

De fato, a Alemanha foi a vencedora, com o total de 89 medalhas, 33 de ouro, seguida pelos Estados Unidos, com 56 medalhas, 24 de ouro. Destas, quatro foram ganhas pelo lendário atleta Jesse Owens, o corredor negro americano que desbancou a superioridade ariana numa das provas mais aguardadas dos jogos: os cem metros rasos. Owens ainda ganharia mais três medalhas de ouro, nos duzentos metros, nos quatrocentos metros com revezamento e no salto em distância.

A versão de que Hitler recusou-se a cumprimentar o vitorioso atleta americano tornou-se o grande mito sobre os Jogos Olímpicos nazistas. Na verdade, um dia antes da consagração de Jesse Owens, Hitler deixou o Estádio Nacional antes de ter a chance de cumprimentar outro atleta negro norte- americano, Cornelius Johnson, que levou o ouro no salto em altura. Antes de se retirar do estádio, o líder nazista recebeu uma parte dos atletas vitoriosos naquele dia, mas foi advertido pelos

organizadores de que deveria receber todos os atletas vitoriosos, ou nenhum. Assim, o Führer preferiu não cumprimentar mais ninguém ao longo da competição.

O grande público que presenciou as vitórias de Owens, alemães em sua maioria, foi capaz de gritar em coro o nome do grande atleta americano e ovacioná-lo em suas quatro subidas ao pódio. Ao voltar para os Estados Unidos, Jesse encarou a dura realidade da segregação racial em seu próprio país.

mesmo um telegrama do presidente depois de minhas vitórias.”

O sucesso das Olimpíadas de 1936 como peça de propaganda nazista teve seu ápice com o filme Olympia, realizado pela cineasta Leni Riefenstahl, uma produção de grande força visual. Durante décadas os trabalhos realizados por essa cineasta foram proscritos, como forma de repúdio ao nazismo, mas as técnicas de filmagem arrojadas — posicionamento e movimentação da câmera, enquadramentos etc. — criadas e utilizadas pela diretora de cinema favorita de Hitler se tornaram referência nas escolas de cinema e marketing atuais.

A escolha de Oswaldo Aranha para comandar as relações exteriores atestava isso, já que era o principal articulador da aproximação com os americanos. Enquanto isso, os germanófilos seguiam firmes com seu namoro nazifascista dentro dos gabinetes do Estado Novo. Mas as decisões finais cabiam ao presidente, que levou adiante essa política até o momento inevitável de escolher um dos lados.