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Durante a III Reunião de Chanceleres Americanos, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1942, as ações contra espiões nazistas, feitas com a ajuda do governo americano e da polícia de Vargas, desvendaram um plano para assassinar Oswaldo Aranha, principal personagem da aproximação Brasil-Estados Unidos. Franz Wasa Jordan, um espião nazista, foi preso. Ele recebeu ordens diretas de ninguém menos que Heinrich Himmler, chefe da SS nazista, para matar o chanceler brasileiro, que presidiria a reunião na capital federal, antes de sua realização, na certeza de que isso causaria grande transtorno, o que cancelaria o encontro e minaria o alinhamento do bloco americano contra o Eixo.

Terminada a conferência, com a ruptura das relações diplomáticas, os membros do corpo diplomático alemão retornaram à Alemanha, alguns seguindo para Buenos Aires, onde continuaram atuando na rede da Abwehr (gabinete de defesa e informação nazista). Havia uma extensa rede de espionagem alemã agindo no Brasil, construída com o apoio das comunidades de imigrantes que trabalhavam pela difusão dos ideais do regime.

Em algum momento, isso serviria aos interesses expansionistas, ao se alegar que as terras onde viviam esses Deutschbrasilianer (teuto-brasileiros) poderiam se tornar possessões alemãs e ser anexadas como território do Reich.

A preocupação do governo americano em anular as ações de simizantes do Eixo dentro dos Estados Unidos levou à criação de um gabinete especial do FBI, denominado SIS — Special Intelligence Service (Serviço de Inteligência Especial), que conseguiu desbaratar as ações de espiões e sabotadores nazistas que agiam nos Estados Unidos.

Os serviços eficientes do SIS se estenderam por todo o continente americano, operando centrais instaladas em vários países, numa complexa rede de informantes e agentes, e chegaram ao Brasil ainda em 1941. De agosto de 1942 em diante, ocorreriam várias operações para desarticular os espiões pró-Eixo, que passavam adiante a posição nos portos, a rota dos navios na costa, o movimento das rulhas antissubmarinas e qualquer outra informação que parecesse importante.

A Abwehr reportava todo tipo de informação recebida de seus espiões e informantes ao OKW — Oberkommando der Wehrmacht (Supremo Comando das Forças Armadas alemãs). Quem chefiava esse gabinete era o almirante Wilhelm Franz Canaris, que ficaria famoso por discordar das ações genocidas alemãs, repassar informações secretas aos Aliados e conspirar contra Hitler. Canaris foi preso e condenado à morte em abril de 1945.

A América Latina estava repleta de espiões e agentes duplos pró-Eixo, que vendiam informações e documentos aos nazistas, além de promover sabotagens, especialmente na forma de boatos e intrigas políticas. Os integrantes desses grupos eram chamados de “quinta-coluna”. Um dos boatos que conseguiram maior projeção surgiu logo depois dos torpedeamentos de navios brasileiros, que davam os americanos como os verdadeiros culpados pelas ações, para forçar o Brasil a declarar guerra à Alemanha.

Na época, muita gente chegou a acreditar nisso, e, mesmo depois da guerra, os mais chegados às teorias conspiratórias aceitam essa versão como uma verdade oculta dos fatos oficiais, apesar da existência de inúmeros documentos legítimos nos arquivos alemães, ingleses e americanos que comprovam as ações dos submarinos alemães e italianos no Atlântico Sul.

As ações dos espiões do Eixo no Brasil eram de conhecimento de Washington, e, além das operações do SIS, o próprio general George Marshall interpelou diretamente seu colega Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior brasileiro, apontando a quase conivência e o claro perigo representado pela livre operação da quinta- coluna em território brasileiro, inclusive na família do presidente, cujo filho era casado com uma alemã.

Quinta-coluna

Esse termo, que denomina os grupos clandestinos que agem em favor dos inimigos dentro de seu próprio país, surgiu durante a Guerra Civil Espanhola, quando um dos generais de Franco, ao saber que ocuparia Madri com seus homens marchando em quatro colunas, avisou-lhe que uma quinta-coluna já o esperava dentro da cidade. Desde então, qualquer núcleo de espionagem e colaboração clandestina recebe esse nome, como sinônimo de traidor.

As suspeitas americanas faziam referência à esposa de Lutero, o filho mais velho de Vargas. Em 1939, enquanto completava seus estudos de medicina em Berlim, Lutero conheceu a alemã Ingeborg ten Haeff, de Düsseldorf. Ao mesmo tempo, com as probabilidades de haver uma guerra cada vez mais evidentes, Mussolini alertou Vargas pessoalmente, recomendando que seu filho voltasse para o Brasil. O filho de Mussolini, Bruno, piloto da Força Aérea Italiana, trouxe Lutero de volta ao Brasil, onde esperou por algum tempo enquanto Ingeborg lutava contra as dificuldades para sair da Alemanha. Ao chegar, casaram-se, em setembro de 1940. Em 1941, tiveram uma filha.

No início de 1942, o casal — depois de investigado pelo Office of Strategic Services (serviço secreto americano durante a Segunda Guerra) e ter afastado qualquer suspeita pró-Eixo — foi convidado para uma temporada nos Estados Unidos, onde Lutero aperfeiçoou seus estudos médicos e Ingeborg se dedicou às artes plásticas. Com a declaração de guerra do Brasil, voltaram ao país, e Lutero serviu no corpo médico do Grupo de Caça da FAB na Itália. Não há qualquer evidência de que Ingeborg tenha sido de fato uma espiã nazista, mas essa foi a versão que surgiu para se explicar a separação do casal, em 1944.

A posição enérgica quanto à espionagem nazista no Brasil foi feita após a captura de espiões inimigos que haviam reportado a rota do navio Queen Mary para os submarinos do Eixo. O luxuoso transatlântico, que fazia uma escala no Rio de Janeiro, foi usado em tempos de guerra para levar tropas, quando rumava para a Austrália com mais de oito mil soldados canadenses a bordo. Caso fosse afundado, seria um enorme golpe a favor do Eixo. Mas o navio foi avisado a tempo e mudou a rota, enquanto o espião alemão Josef Starzinski era preso numa casa em pleno Leblon, de onde operava um rádio para enviar coordenadas de navios que zarpavam do Rio de Janeiro.

O general Góes Monteiro e o chefe da polícia política, Filinto Müller, enquanto caçavam espiões nazistas, prometiam aos diplomatas alemães que os súditos do

Reich não seriam importunados no Brasil.

antes da guerra, foi recebido em pessoa por Heinrich Himmler, de quem era grande admirador. O ministro da Guerra, Eurico Dutra, também fazia parte desse grupo, que comandava a urgente modernização das Forças Armadas, desde os primeiros momentos do Estado Novo. Dutra conseguiu impor melhorias na indústria bélica nacional, mas sua mais notória atitude foi sugerir a declaração de guerra à Inglaterra, durante a crise na qual os navios brasileiros que traziam armamentos comprados dos alemães foram apreendidos pelos ingleses.

Aparentemente, apenas o estado de guerra declarado e o distanciamento pela ruptura total das relações com o Reich foram capazes de baixar o ímpeto dos simizantes do Eixo dentro do governo Vargas. A eles só restou cerrar fileiras com os americanos, ainda mais com o andamento da tão esperada ajuda para reequipar as Forças Armadas, que seria levada a cabo pelos acordos de Washington.