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Outro aspecto importante para o bem-estar da tropa foi a circulação de jornais com notícias vindas do Brasil, algo extremamente difícil de se realizar naqueles tempos. Muito provavelmente, a dificuldade em se obter notícias era decorrente da rigorosa censura do Departamento de Imprensa e Propaganda, que atuava até sobre a correspondência dos soldados. Não havia um órgão oficial que tratasse de suprir os pracinhas com notícias da terra natal, algo que poderia ter significado uma grande injeção de ânimo nos homens. Em vez disso, havia um serviço de contrainformação dentro da FEB, que visava impedir a circulação ou publicação de qualquer notícia que pudesse prejudicar o moral das tropas.

meses de atraso e que eram disputados pelos soldados, na certeza de que trariam lembranças do Brasil. Esse era o caso de O Globo Expedicionário, editado no Brasil, que levava até seis semanas para chegar às mãos dos pracinhas.

A incontestável necessidade de notícias acabou gerando o surgimento de jornais não oficiais, editados artesanalmente e tipografados, ou mesmo mimeografados. Esses periódicos tentavam escapar dos censores do Departamento de Imprensa e Propaganda, como mostravam desafiadoramente os exemplares de A Cobra Fumou em sua primeira página: “Não registrado pelo DIP.”

Os próprios regimentos trataram de criar seus jornais, como era o caso de O

Sampaio e do Zé Carioca, editado pelo Serviço Especial e voltado para a recreação e

o bem-estar das tropas, onde estava alocada a banda da FEB. Destacando-se dos vários jornalecos publicados — como Vem Rolando , A Tocha , Tá na Mão,

Vanguardeiro e Marreta —, o mais popular foi, sem dúvida, O Cruzeiro do Sul,

que acabou por receber o status de órgão oficial da FEB, sendo impresso numa gráfica em Florença. Seu primeiro exemplar saiu apenas no dia 3 de janeiro de 1945.

Os jornais publicavam cartas de parentes, boletins de serviço, textos escritos por soldados sobre a vida na guerra e até citações de combate, relatos oficiais de ações realizadas por soldados em campo de batalha. Como exemplo, segue a citação de combate do segundo-sargento João Guilherme Schultz, do 1o RI (Sampaio), publicada após o fim da guerra, em 31 de maio de 1945, no Cruzeiro do Sul:

O objetivo de seu pelotão era La Serra, no ataque de sua companhia contra a linha La Serra-Cota 985. Atingindo o objetivo que lhe fora fixado, momentos depois cai ferido o seu comandante. Imediatamente assume o comando do seu pelotão, age contra os elementos inimigos que tentam reconquistar a posição perdida. Os alemães contra-atacam com ímpeto singular, e o sargento Schultz, pelo exemplo pessoal e pelo acionamento judicioso dos meios de que dispõe, anula o esforço adversário. Luta durante quatro dias sob intenso bombardeio de artilharia e morteiros. Mas o seu ânimo não se quebra. Assegura a posse do terreno conquistado para a tropa brasileira. Durante esse período, reduz cinco casamatas alemãs, captura treze prisioneiros, arrancados das posições a “bazuca” e a granadas de mão. Nas organizações atacadas, está sempre entre os

primeiros que nela penetram para vasculhá-las. É um condutor verdadeiro de homens que no momento se revela. E o seu pelotão cumpre integralmente a missão. Pela capacidade de comando, pelas elevadas qualidades morais e profissionais e pelo alto sentido de honra militar revelados pelo sargento Schultz, a sua ação constitui precioso exemplo para a Força Expedicionária Brasileira.

Os registros e documentos oficiais da FEB estão repletos de citações como essa, redigidas pelo Estado-Maior da FEB. Sua função era outorgar as condecorações que seriam entregues aos combatentes indicados.

Os relatos muitas vezes obedeciam a um formato padrão — havia sempre uma explicação sobre os eventos e elogios —, o que os tornava muito semelhantes. Os atos de bravura eram reportados e documentados na retaguarda, onde ficavam os órgãos do Estado-Maior da FEB, em Silla ou em Porretta Terme.

Nesses escritórios também eram registradas ocorrências de qualquer ordem, como o fichamento de soldados detidos pela Polícia do Exército, o extravio de equipamentos, acidentes com armamentos, acidentes automotivos, o não comparecimento de um soldado à sua unidade e demais trivialidades.

Na retaguarda também eram interrogados os prisioneiros alemães e italianos; o prontuário era registrado e enviado aos oficiais de inteligência, que avaliavam se havia qualquer informação de valor obtida sobre as forças inimigas.

Poucos desses prontuários de interrogatórios de prisioneiros foram úteis nas operações da FEB, que recebiam informações mais valiosas por parte dos grupos de

partigiani, conhecedores dos movimentos e posições das tropas alemãs e italianas.

Contracampanha

Se poucos relatos mostram que os alemães sabiam que estavam enfrentando tropas brasileiras na Itália, uma prova irrefutável eram os panfletos impressos em português pelos alemães, destinados aos soldados brasileiros. Os folhetos traziam mensagens de fundo político que questionavam a razão de se lutar na Europa enquanto os americanos se apoderavam do Brasil e visavam abalar o moral das tropas brasileiras. Alguns panfletos traziam a pergunta “Onde está sua namorada?”.

Outros mostravam fotos de moças seminuas.

O material era espalhado por “obuses de propaganda”, projéteis especialmente preparados com rolos de panfletos em seu bojo, que explodiam e espalhavam os folhetos pelos ares. Esse recurso também era utilizado pelos Aliados e pela FEB, que disparavam panfletos impressos em alemão, muitos dos quais levando uma mensagem que valia como salvo-conduto para soldados inimigos que quisessem se render aos Aliados.

Um dos vários panfletos que os alemães endereçavam aos pracinhas trazia o seguinte texto:

Ouve lá, oh, Zé! Deixa-me dizer-te uma coisa. Escuta!

O que me deram foi a minha demissão e um par de muletas. Agora faço parte do exército dos inválidos da guerra, que aumenta continuamente. Não sirvo para nada. Já não posso exercer minha profissão nos caminhos de ferro. Talvez consiga uma autorização para vender amendoim torrado. Não rende muito, mas com a pequena pensão que se recebe, não se pode sustentar uma família. Por essa razão, digo-te o seguinte: cada gota de sangue brasileiro vertida na Europa é em vão! Não temos nada que meter o nariz nas questões da banda de lá. Eles que se arranjem lá como quiserem com as suas excomungadas guerras. Tem cautela, amigo, e faz por regressar à casa, são e salvo... se puderes.

Os alemães pareciam alheios à realidade, ao tentar convencer os brasileiros de que o lado deles terminaria ganhando a guerra, cenário que se tornaria absolutamente insustentável no período de poucos meses depois da chegada da FEB.

Outra prova explícita de que os alemães sabiam da presença dos brasileiros foi um programa de rádio transmitido em português, chamado “Hora auriverde: a voz da verdade”. A locutora era uma brasileira de origem alemã chamada Margarida Richmann, que, com a ajuda de outro brasileiro, Emílio Baldini, transmitiu seus programas por meio de uma estação de rádio de Milão, de janeiro a abril de 1945.

Enquanto tocavam música brasileira, provocavam as tropas com questionamentos sobre a luta desnecessária e o papel subalterno dos brasileiros aos americanos. A estratégia causava pouca ou nenhuma revolta nos pracinhas, que

tinham confiança nas informações Aliadas sobre o panorama geral da guerra, na certeza de que a derrota alemã era apenas uma questão de tempo.

Nos dias finais da guerra, a estação de rádio foi descoberta e desativada por um pelotão da FEB. Os locutores foram capturados, enviados ao Brasil, julgados e presos. Nos anos seguintes à guerra, foram anistiados.

O relato do tenente da reserva Emílio Varolli, único oficial da FEB capturado pelos alemães, durante as ações do terceiro ataque ao Monte Castello, não deixa dúvidas de que os alemães sabiam que lutavam contra brasileiros. Varolli foi interrogado por um capitão alemão, em seu posto de comando. Fluente em inglês, teria travado o seguinte diá​logo com o oficial inimigo:

— Francamente, vocês brasileiros ou são loucos ou são muito bravos. Nunca vi ninguém avançar sobre metralhadoras e posições bem-defendidas, com tanto desprezo pela vida.

— Capitão, nós cumprimos as ordens recebidas.

— Eu sei disso. Mas a tropa brasileira perdeu no ataque de hoje uma centena de homens, entre mortos e feridos, contra cinco mortos e treze feridos nossos.

— Capitão, os brasileiros não fogem à luta, haja o que houver.

— Vocês são uns verdadeiros diabos. Na minha opinião, depois do soldado alemão, que incontestavelmente é o melhor do mundo, os brasileiros e os russos são os melhores lutadores que já vi.

— Essa é sua opinião, mas não a minha.

O relato é um dos depoimentos de oficiais da reserva dados após o fim da guerra e reunidos no livro Depoimentos de oficiais da reserva da FEB, que gerou certa polêmica por fazer críticas diretas à Força e a seu Estado-Maior, especialmente devido à culpa imposta aos suboficiais pelas falhas ocorridas na cadeia de comando.

Durante seu interrogatório, o tenente Emílio ouviu de um oficial alemão detalhes sobre a FEB que ele mesmo desconhecia. Intrigado, se perguntava como aquelas informações haviam sido obtidas.

O tenente Emílio permaneceu preso até o fim da guerra e foi levado para o campo Stalag 7A — o maior campo de prisioneiros Aliados em território alemão, com cerca de oitenta mil internos —, em Moosburg. Além do tenente, 34 soldados da FEB foram capturados pelos alemães.