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Além de se fornecerem às tropas os melhores meios materiais para seguir em combate, prover o bem-estar psicológico dos soldados tornou-se uma questão crucial dentro da estratégia militar. O moral elevado dos combatentes sempre esteve diretamente ligado à motivação e à disposição para a luta.

Os cuidados com a tropa incluíam manter equilibradas as condições física e mental para uma missão de guerra, o que era tão importante quanto a alimentação. Durante a Segunda Guerra, os métodos para motivação e treinamento das tropas evoluíram de forma significativa. Foram enfatizados a reciclagem e o aprimoramento de comando aos oficiais, a apresentação de palestras para as tropas com abordagens político-sociais, a motivação, a razão da luta etc.

Além dos manuais impressos, os soldados tomavam contato com novos recursos audiovisuais da época. Havia filmes técnicos para instrução, manuseio de equipamentos, armas e também de orientação sanitária — especialmente na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis —, além de filmes de caráter doutrinário.

Juntamente com o preparo físico e mental das tropas, era preciso oferecer um mínimo de conforto nos acampamentos da retaguarda e nas áreas de descanso próximos ao front, um momento importante para recarregar os ânimos dos homens sob estresse constante, com saudades de casa e que sonhavam com o fim da guerra. Uma vez na retaguarda, as tropas receberiam tudo que era possível para distrair e atenuar a fadiga do combate e, assim, renovar as energias para continuar lutando.

Era comum que artistas famosos do cinema e da música fossem até os acampamentos e bases Aliadas para fazer shows e aparições, o que se provou de grande valor para elevar o moral das tropas. A banda de Glenn Miller, um conhecido músico da época, fez inúmeras apresentações e transmissões de rádio — inclusive dirigidas aos alemães. Miller, que morreu num controverso acidente aéreo quando voava da Inglaterra para a França, onde se apresentaria em dezembro de 1944, jamais foi encontrado.

O comediante Bob Hope, o cantor Bing Crosby e atores e atrizes de Hollywood faziam aparições para as tropas. A grande estrela do cinema alemão Marlene Dietrich — que fugiu para os Estados Unidos antes da guerra — era uma das mais atuantes.

Sua presença constante nos shows dos acampamentos Aliados, inclusive na Itália, parecia uma vingança pessoal contra o regime nazista, que ela repudiava. A grande atriz alemã se tornou uma das maiores representantes da propaganda antiEixo. A famosa dupla de comediantes Stan Laurel e Oliver Hardy, conhecidos no Brasil como o Gordo e o Magro, faziam aparições públicas para promover a venda de bônus de guerra nas capitais americanas, juntamente com outros grandes atores de Hollywood. Existem relatos de que Stan Laurel, o Magro, integrava o pelotão encarregado das máquinas de fumaça usadas nos arredores de Silla, que produziam neblina artificial durante as ações do V Exército. Entretanto, sendo cidadão inglês e aos 54 anos, ele não estaria apto para a linha de frente nem servindo no Exército norte-americano...

Mesmo sem receber nenhum grande artista brasileiro ou estrangeiro daquela época, a FEB também contou com meios de elevar o moral da tropa, quando uma banda de música e um coral foram integrados ao contingente na Itália. A banda contava com 65 integrantes, provenientes das unidades militares de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, comandadas pelo tenente Franklin de Carvalho Junior, que após a guerra foi declarado Patrono dos Músicos do Exército Brasileiro.

A banda da FEB — que incluía uma formação menor no formato de uma orquestra de jazz e um coral sacro — atuou em inúmeros eventos e solenidades, como missas, paradas e eventos realizados para o alto-comando Aliado e da FEB. Apresentou-se em Livorno, Pisa, Porretta Terme, Silla, Alexandria, Bolonha, Parma e Nápoles, ao fim da guerra.

Houve ocasiões em que a banda de jazz foi levada até as proximidades da linha de frente, onde tocou para as tropas em cima de um caminhão. O repertório era eclético: dos clássicos populares brasileiros e americanos à música erudita, inclusive obras de Villa-Lobos. O coral sacro e a banda de jazz realizaram mais de cem programas musicais enquanto estiveram na Itália.

Os serviços de correio e a agência do Banco do Brasil, localizada em Nápoles, cumpriam com relativa eficiência o atendimento aos soldados. Cartas, pacotes e telegramas eram enviados e recebidos pelo serviço postal da FEB. Os telegramas eram transmitidos por meio das empresas americanas Western e All American Cable e pela Rádio Internacional do Brasil, por um preço bem acessível. Já a

correspondência normal poderia levar de oito dias a um mês para ser entregue. É no mínimo surpreendente saber que o correio da FEB funcionava bem, mesmo com o trabalho da censura, que atrasava o envio.

Outra surpresa é o número de cartas e telegramas computados ao longo da permanência do efetivo brasileiro na Itália. Foram mais de 1.300.000 cartas enviadas e recebidas. Mais de 75 mil telegramas foram enviados ao Brasil, e os pracinhas receberam mais de 170 mil. Uma estatística calculou cerca de sete mil cartas recebidas por dia, uma média alta, considerando-se o grande número de iletrados entre os pracinhas. Mais de dois mil pacotes foram recebidos e mais de 95 mil encomendas foram enviadas. Apesar das estatísticas positivas, o terceiro-sargento da 7a Companhia do Onze, Ary Roberto de Abreu — hoje em dia guardião do Museu do Batalhão Tiradentes, em São João del-Rei —, afirma categoricamente que nunca recebeu sequer um dos vários pacotes de cigarros que sua namorada lhe enviou ao longo da guerra.

O serviço de pagamento dos pracinhas era operado pela agência do Banco do Brasil. De lá, eram enviados os pagamentos para o Serviço de Fundos da Divisão, que funcionava com a Pagadoria Fixa, em Livorno. Cada pracinha recebia cerca de dez dólares. Outros dez eram enviados em consignação à família do combatente, e mais dez eram depositados como fundo de previdência na Caixa Econômica Federal, em nome do soldado ou de alguém indicado por ele. Os trinta dólares que cada pracinha recebia faziam da FEB o efetivo mais bem-pago na Itália (um soldado americano, por exemplo, recebia cerca de 28 dólares). O pagamento da FEB era feito integralmente pelo governo brasileiro.

As estatísticas sobre a disciplina nas fileiras da FEB também reportam um saldo positivo. O Serviço de Justiça Militar da Divisão efetuou 278 julgamentos durante a campanha, com 141 absolvições e 137 condenações. Foram constatados apenas dois casos de deserção, menos de um por cento dos mais de 25 mil homens em serviço. Além da deserção, havia problemas de não comparecimento depois de expirado o tempo de licença, ou alguns raros episódios de embriaguez. Rubem Braga reportou o seguinte em um de seus textos como correspondente:

de ocupação em país estrangeiro e mesmo em seu próprio país, praticou abusos e crimes. Mas eles foram raros e foram punidos sempre que descobertos. Não é a eles que está associado na memória e no sentimento do povo italiano da Toscana e da Emília o nome “brasiliano”.

Analisando as sentenças emitidas pelo Serviço de Justiça Militar da FEB, a quantidade de crimes e seus realizadores é ínfima, se comparada às ocorrências de outras forças presentes naquele teatro de operações. Ao menos dois massacres efetuados por tropas americanas sobre civis e forças inimigas ocorreram na Itália, em Canicatti e Biscari, ainda em 1943. Das 141 execuções de soldados americanos durante a Segunda Guerra, setenta ocorreram na Europa, sendo 27 no teatro de operações do Mediterrâneo. Ao contrário do que se possa imaginar, as execuções foram por enforcamento e não por fuzilamento. Os crimes mais graves ocorridos na FEB foram dois estupros, duas deserções e dois homicídios “em presença do inimigo”, o que atesta a morte de soldados oponentes num ato de covardia ou fora do contexto de batalha. Deve-se levar em conta o tempo relativamente curto em que os brasileiros estiveram em ação, cerca de nove meses. Ao fim da guerra, os casos mais graves, que renderam pena máxima, foram comutados e as sentenças muito longas foram encurtadas. Depois que retornaram ao Brasil, Vargas anistiou os condenados.

Um outro fato curioso foi a chamada deserção negativa. Essa era a explicação para os muitos casos de soldados feridos que, depois de tratados nos hospitais e enviados para a retaguarda, no depósito de pessoal — onde deveriam aguardar a realocação —, “fugiam” de volta para a tropa. Muitos pracinhas tinham verdadeiro pavor de baixar num hospital e tratavam de escapar rapidamente para sua unidade, assim que fosse fisicamente possível. O soldado Antônio de Pádua Inhan, de Juiz de Fora, que servia na 3a Companhia do Onze, estava de castigo em Staffoli, onde ficava o depósito de pessoal. Ele conseguiu uma “tocha” (gíria para uma escapadela sem autorização) e foi ao encontro de sua companhia, em Alexandria, quando argumentou a seu capitão que havia sido punido por ser ferido. Foi reincorporado e seguiu lutando com seus pares até o fim da guerra.

Ficha de sentenças da FEB

SENTENÇAS

POSTO OU GRADUAÇÃO UNIDADE PRAZO DA SENTENÇA APLICAÇÃO AO CSJM CRIME

ANO (s) MÊS (es) DIA (s) CONFIRMADA REFORMADA

Sd Dep Pes 12 11 2 x Roubo e extorsão Sd 24 24 x Idem Sd 26 x Idem Sd 11 30 x Idem Sd 8 x Resistência Sd 11 x Roubo Sd BS 8 Abslv Danos Sd 3 4 x Desacato e desobediência Sd 11o RI 6 6 x Desobediência Sd 1 6 20 x Idem Cb 1o RI 1 6 20 x Idem Sd 2 5 1 a 4 m Idem Sd 6o RI 9 22 x Deserção Sd 1 9 10 x Homicídio culposo Sd 1 3 16 1 a 5 m Violência c/ superior Sd 3 Deserção Sd 1 8 x Desobediência Sd 2 1 10 4 m Insubordinação Sd Bia Cmdo AD

16 1 10 x Crime sexual com abandono de posto

Cb 5 5 10 x Crime sexual Sd 5 x Idem Sd II/1o RO Au R 2 10 20 x Desobediência Sd 2 8 x Violência c/ superior

Sd 2 Tentativa de violência carnal

Sd 2 x Idem

3o-sgt Cia Mnt 1 x Incêndio culposo

Sd 9o BE 1 6 x Furto Sd 1 6 x Idem Sd 2 1 10 Abandono de posto Sd

Cia Q G MORTE x Homicídio em presença do inimigo

Sd MORTE x

Sd

Cia I 1 5 10 x Abandono de posto

1o-ten R2 1 8 x Homicídio culposo