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Uma das muitas urgências na estrutura da FEB foi a criação do quadro de enfermeiras, algo inexistente na época. Durante os acertos da estruturação do contingente brasileiro, os americanos alertaram sobre a necessidade de se integrar um contingente de enfermeiras no Destacamento de Saúde, uma vez que seria difícil contar com o insuficiente número de enfermeiras nos hospitais de campanha Aliados.

Em tempo, foi criado por meio de um decreto em 15 de novembro de 1943 o Quadro de Enfermeiras da Reserva do Exército no Serviço de Saúde, assinado por Getúlio Vargas e o ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. O número de enfermeiras profissionais no Brasil era escasso, o que gerou a aceitação de socorristas, integrantes de entidades assistenciais e qualquer mulher com alguma

noção de enfermagem para compor o contingente necessário, previsto entre setenta e oitenta enfermeiras com o mínimo de qualificação para integrar a FEB.

As voluntárias que atenderam à convocação pela imprensa deveriam obedecer aos seguintes requisitos: ter alguma experiência com enfermagem, ser solteira, viúva ou separada e ter entre 18 e 36 anos. Foi o caso da estudante do primeiro ano de enfermagem Virgínia Portocarrero, vinda de uma família de tradição militar. Seu irmão, o capitão Hélio Portocarrero, serviu na FEB e foi gravemente ferido durante a tomada de Montese. O dia a dia da guerra era cruel com as enfermeiras, que se deparavam com os quadros mais graves de queimaduras, amputações, perfurações e toda sorte de ferimentos. Qual teria sido a reação de Virgínia ao ver seu irmão ferido? O fato é que ele foi encaminhado para outro hospital, e não o 16o Hospital de Evacuação, situado em Pistoia, onde a irmã trabalhou.

Das voluntárias que se apresentaram, 67 foram aprovadas no Curso de Emergência de Enfermeiras de Reserva do Exército, criado tardiamente, em janeiro de 1944. Essa passagem marcou a entrada de mulheres pela primeira vez nos quadros das Forças Armadas Brasileiras, designadas como Enfermeiras de Terceira Classe do Círculo de Oficiais Subalternos do Exército brasileiro.

Dentro da estrutura funcional, era preciso que as primeiras mulheres no Exército brasileiro ostentassem uma ente militar. Para tanto, o general Mascarenhas concedeu a elas o posto de segundo-tenente.

Um contingente denominado Destacamento Precursor chegou à Itália em julho de 1944, por via aérea, composto por cinco enfermeiras e um major médico. Posteriormente, chegariam as demais componentes, que seriam então distribuídas pelos vários hospitais ao redor do teatro de operações italiano, tanto próximos à frente de combate, onde ficava o 32nd Field Hospital-Platoon B, em Valdibura, quanto na retaguarda, onde ficavam os hospitais de evacuação, em Pistoia, Livorno e Nápoles. A atuação do Corpo de Enfermeiras foi de grande importância no amplo quadro formado pelos setores necessários para o funcionamento da FEB. Os pracinhas brasileiros feridos em combate foram, assim, bem-assistidos e bem- cuidados pelas enfermeiras brasileiras.

11. SENTA A PUA!

O 1o Grupo de Aviação de Caça foi criado pelo decreto presidencial no 6.123 em 18 de dezembro de 1943, e o tenente-coronel Nero Moura, piloto pessoal e homem de confiança de Vargas, foi designado como seu comandante. A formação do grupo foi totalmente preenchida por voluntários, e, em janeiro de 1944, os 32 pilotos escolhidos embarcavam para a Escola de Táticas Aéreas, em Orlando, nos Estados Unidos, enquanto o pessoal de terra — composto pelas equipes de mecânicos e especialistas em armas — embarcava para a base de Halbrook Field, no Panamá. Ao terminar o curso, os pilotos também seguiram para o Panamá, onde passaram a operar os caças Curtiss P-40C, recebendo instrução tática como unidade completa.

Durante os treinos, surgiu o emblemático grito de guerra que passou a simbolizar essa unidade da Aeronáutica brasileira: “Senta a Pua!”, uma gíria da época que significava “mete bala”. No dia 11 de maio de 1943, o 1o Grupo de Caça passou a operar como unidade independente no sistema de defesa do canal do Panamá, e realizou um total de cem saídas operacionais. Iniciadas as missões, no dia 18 do mesmo mês, o grupo teve sua primeira baixa, o segundo-tenente Dante Gastaldoni, que morreu em um acidente durante o rulhamento.

Com a presença do ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, no dia 20 de junho, o grupo recebeu os certificados americanos de conclusão e seis dias depois embarcou para Nova York, chegando no dia 4 de julho, Dia da Independência norte- americana. Foram encaminhados à base aérea de Suffolk, perto de Nova York, para três meses de treinamento nos aviões que seriam usados pelo grupo em combate, os lendários Republic P-47D Thunderbolts.

Na ocasião, os integrantes do grupo se depararam com um desafio que já demonstrava a capacidade de improviso típica dos brasileiros. Na cerimônia de formatura e desfile de boas-vindas, a tropa americana cantou o hino de sua Força Aérea. Momentos antes do desfile brasileiro, como ainda não havia um hino da recém-criada Força Aérea, o chefe do destacamento, capitão Marcílio Gibson, ordenou que a tropa cantasse “A jardineira”, antigo sucesso de carnaval, cuja letra era conhecida por todos na voz de Orlando Silva. Assim, a velha marchinha

carnavalesca, composta em 1906 por Benedito Lacerda e Humberto Porto, foi entoada com toda a força pelos aviadores e serviu como hino informal do Senta a Pua!:

“Oh, jardineira, por que estás tão triste...”

Após o desfile, os militares americanos cumprimentaram seus colegas brasileiros pelo belo e emocionante hino.

Noventa dias depois, com o estágio finalizado, chegava a hora do embarque para o front. O grupo embarcou no SS Colombie para a Itália, onde chegou a Nápoles no dia 4 de outubro de 1944. Durante a jornada, foi criado o símbolo do grupo: um avestruz. É de estranhar o porquê de uma ave que não é brasileira e que não voa ter se tornado o emblema que seria pintado nos narizes dos aviões do 1o GAvCa. A escolha decorreu de uma passagem pitoresca, quando os pilotos reclamavam da dificuldade de adaptação à dieta dos americanos: muito feijão doce, ovos com bacon, salsichas e suco de grapefruit. Segundo o gosto alimentar do brasileiro, os integrantes do 1o Grupo de Caça precisavam ter estômago de avestruz para aguentar aquela comida. Assim, o artista do grupo, o capitão Fortunato Câmara de Oliveira, fez um esboço da ave que come de tudo, a qual se tornou a marca visual do Senta a Pua!.

Após um dia ancorado, o 1o GAvCa zarpou para Livorno, onde desembarcou no dia 6 de outubro, e seguiu para Tarquinia, cidade a 150 quilômetros de Roma. O Senta a Pua! começou a operar como a quarta esquadrilha — que integrava as outras três esquadrilhas americanas pertencentes ao 350th Fighter Group (Grupo de Caça) da Força Aérea do Exército Americano — e foi designado como 1st Brazilian Fighter Squadron. Inicialmente, o grupo cumpria missões de reconhecimento do território, para que se adaptasse aos sistemas de comando e comunicação. Essa unidade Aliada começou a operar no norte da África e se expandiu para a Itália com o avanço das operações.

O grupo mudou-se no dia 21 de novembro para a base de San Giusto, em Pisa, mais ao norte da primeira base, onde operaria até o fim da guerra. O código de rádio para identificar o Senta a Pua! era “Jambock”, nome de origem suaíli, idioma da

África Oriental, e que designa um tipo de chicote feito de couro de rinoceronte.

Na chegada, os brasileiros foram recebidos com indiferença pelos militares americanos, que duvidavam do valor dos calouros. Aos poucos, os pilotos do grupo foram provando sua capacidade para combater e cumprir as ordens do Comando Aéreo Aliado, mostrando habilidades que surpreenderam os mais experientes. Em pouco tempo, as esquadrilhas brasileiras estariam operando com seu próprio comando e núcleo de operações.

Enquanto aumentava-se o número de missões, o grupo ganhava experiência em combate; cada piloto voava duas missões por dia. Dentro em breve, ocorreriam as primeiras baixas. O primeiro piloto brasileiro a ser morto em combate foi o segundo-tenente John Richardson Cordeiro e Silva, um pica-fumo (termo para novato) presente na missão de uma esquadrilha americana em ataque a Bolonha. Silva foi atingido pela artilharia antiaérea alemã nos arredores da cidade de Livergnano. Nesse local, após a guerra, os órgãos municipais ergueram um monumento em homenagem ao aviador, um dos muitos marcos que seriam deixados em honra à presença dos brasileiros durante a guerra na Itália.