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A decisão do governo Vargas contra os nazistas gerou protestos oficiais por parte das autoridades diplomáticas alemãs. As medidas de nacionalização também proibiram as atividades de clubes e organizações culturais estrangeiras, fecharam as escolas e os jornais em língua estrangeira, além de qualquer atividade de imprensa dirigida às colônias de imigrantes ou estrangeiros no Brasil.

Além dos alemães, as medidas afetaram os italianos — que estavam em número significativo, especialmente em São Paulo —, a grande população de imigrantes japoneses — em São Paulo e no Paraná — e alguns grupos menores, como os poloneses, libaneses e mesmo ucranianos. Os clubes e outras entidades estrangeiras que não fecharam foram forçados a criar uma identidade nacional e tiveram que

mudar de nome. Outra medida para desarticular os grupos de imigrantes alemães e italianos mais presentes na região Sul foi a criação de outros municípios, o que colocava seus habitantes na presença e sob o controle do Estado. Agindo assim, o governo evitava que essas comunidades eventualmente pleiteassem terras em nome de seus países de origem.

As ações causaram transtornos com a Alemanha e azedaram as relações diplomáticas com os nazistas. No Rio de Janeiro, o embaixador alemão Karl Ritter protestava pela perseguição deflagrada aos partidários do regime nazista no país, assim como aos núcleos culturais que já funcionavam havia décadas, especialmente nas grandes capitais brasileiras. Em suas audiências no gabinete de Vargas, reclamava de forma veemente sobre as restrições impostas aos cidadãos germânicos no Brasil.

Ritter entrou em conflito com Oswaldo Aranha, que não cedia aos protestos alemães, o que estabeleceu de fato uma crise diplomática, a ponto de o embaixador brasileiro em Berlim, Muniz de Aragão, ser convidado a entregar o cargo, um eufemismo diplomático para expulsão. Em contrapartida, Karl Ritter foi declarado

persona non grata pelo governo brasileiro e seguiu então para Buenos Aires, onde

continuou a serviço do Reich. Os governos italiano e japonês também protestaram contra as medidas que recaíam sobre seus cidadãos no Brasil, mas sem maiores consequências diplomáticas.

Entretanto, as relações comerciais entre Brasil e Alemanha seguiram em prática e foram intensificadas, mesmo com o clima vigente. Os alemães não podiam diminuir a demanda das matérias-primas estratégicas brasileiras, ainda mais com o aumento territorial e populacional empreendido pelo Reich. Em pouco tempo, Hitler anexava a região dos Sudetos — o famoso “corredor polonês” — e a devolvia ao território alemão. Vargas, por sua vez, deixava de lado a diplomacia enquanto fosse possível manter comércio e relações exteriores dissociados.

Antissemitismo

Assim que os nazistas tomaram o poder, levaram a cabo a nova e agressiva doutrina concebida por Hitler em todos os campos políticos, econômicos e sociais. As Leis de Nuremberg, proclamadas em 1935, determinavam claramente a intenção

da eugenia, baseada na teoria da limpeza racial e superioridade ariana, quando começaram as medidas que visavam expulsar os “indesejáveis”, especialmente os judeus e demais minorias ditas inaceitáveis dentro da nação nazista, como ciganos, homossexuais e integrantes de grupos políticos e religiosos. Houve a implantação da eutanásia, para exterminar doentes e portadores de deficiência, cuja presença era inconcebível dentro da doutrina nazista de pureza racial.

Despachando os alemães pela porta dos fundos

Um episódio notório serve como exemplo de como o ditador brasileiro estendeu enquanto foi

possível os canais político-econômicos com o Reich. Depois que o embaixador Ritter deixou o cargo, foi substituído por Curt Max Prüfer, em setembro de 1939. No ano seguinte, Vargas recebeu em seu gabinete uma pequena comitiva do embaixador Prüfer, para uma reunião reservada. Enquanto

confabulavam, o governante brasileiro foi avisado de que Oswaldo Aranha — o grande arquiteto do alinhamento brasileiro com os americanos — chegara de repente ao local. Vargas, tentando evitar um constrangimento geral, requisitou ao embaixador alemão e a seus acompanhantes que se retirassem pela porta dos fundos do gabinete. Em seguida, recebeu seu nobre parceiro em visita surpresa. Ainda levaria vários meses para que Vargas abandonasse definitivamente suas inclinações para o Eixo, culminando com o famoso discurso a bordo do Minas Gerais.

Essas medidas geraram uma enorme onda de refugiados que rumavam para outros países europeus e, de lá, seguiam para as Américas. O grande fluxo migratório fez com que medidas muito duras fossem aplicadas em vários países, inclusive no Brasil. Freou-se a chegada de imigrantes que não fossem de “raça branca”, conforme diretrizes do governo Vargas, voltadas especificamente para judeus, negros e orientais. Abriam-se concessões aos mais abastados, que podiam entrar no país se demonstrassem condições financeiras.

Numa página sombria de sua gestão, em 1939, o chanceler americano Cordell Hull teve participação direta na negativa de asilo aos mais de novecentos judeus que tentaram desembarcar no navio alemão Saint Louis, primeiro em Cuba e depois nos Estados Unidos. O navio teve que voltar para a Europa, ao porto de Antuérpia, onde seus passageiros, desembarcados, foram internados e terminaram vítimas dos

campos de extermínio nazistas.

Entre as muitas vidas que encontraram porto seguro no Brasil estava a do escritor austríaco Stefan Zweig, judeu fugido da perseguição na Alemanha, um dos escritores mais lidos naqueles tempos em todo o mundo. Seus livros arderam nas fogueiras que os nazistas promoviam, alimentada pelas obras de autores “degenerados”, perseguidos e banidos pelo regime. Desde sua primeira visita, em 1936, Zweig se encantou com o Brasil, e retornou com a esposa em 1940, com planos de se fixar. Sua vivência o inspirou a escrever uma de suas obras mais conhecidas: Brasil, país do futuro.

O livro descrevia com deslumbre as belezas que o escritor encontrou por aqui, ao mesmo tempo que fazia um retrato muito positivo da índole brasileira. Na época, alguns setores descontentes com o governo acusaram Zweig de ter ignorado o fato de o país estar sob um regime ditatorial e de seu livro estar servindo como instrumento de Vargas, mas a qualidade de seu trabalho contestava a acusação. Criticar a obra de Zweig demonstrava que ousavam questionar o regime de Vargas, mesmo sob risco de serem perseguidos pela polícia de Filinto Müller, o “chefe da Gestapo brasileira”.

Zweig também era criticado por não ser favorável ao movimento sionista — que preconizava a criação de um Estado judaico — surgido na Europa Central, no fim do século XIX. Muitos outros judeus ilustres também não eram simpáticos à causa — entre eles, Sigmund Freud e Albert Einstein. Em fevereiro de 1942, com o agravamento da guerra, o escritor e sua esposa se suicidaram em Petrópolis, onde moravam. Um trecho de seu livro dá uma ideia de quanto o Brasil, mesmo com seus sérios dilemas, parecia uma nação afortunada, frente ao panorama sombrio no qual se encontrava a Europa:

(...) hoje, que o governo é considerado como ditadura, há aqui mais liberdade e mais satisfação individual do que na maior parte dos nossos países europeus. Por isso, na existência do Brasil, cuja vontade está dirigida unicamente para um desenvolvimento pacífico, repousa uma das nossas melhores esperanças de uma futura civilização e pacificação do nosso mundo devastado pelo ódio e pela loucura. Mas onde se acham em ação forças morais, é nosso dever fortalecermos

essa vontade. Onde na nossa época de perturbação ainda vemos esperança de um futuro novo em novas zonas, é nosso dever indicarmos esse país, essas possibilidades.