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3 – O COMÉRCI O E O CON SUMO N O RI TMO DA METRÓPOLE PAULI STA

A m etrópole é um a m egacidade que participa das relações econôm icas globalizadas e por isso tem seu espaço perm eado por vários vet ores que controlam e direcionam sua vocação internacional, concentrando em pequenas partes de seu território as atividades m ais hegem ônicas, carregadas de decisões est rat égicas t ant o polít ica com o econom icam ent e.

Ao m esm o t em po, é um a cidade dispersa que possui segm entos de várias partes do m undo, aproxim ando- se t ant o de Nova York, Tóquio, Londres ou Milão, com o de Xangai, Nova Délhi, Maputo ou Sarajevo.

Seu vetor centro- sudoest e se conect a cada vez m ais a um a rede planetária de fluxos inform acionais conduzidos pelo m ercado financeiro e pela rede de serviços e de distribuição de m ercadorias. Já suas periferias e sua im ensa extensão de território ao longo das m argens das represas e áreas de risco am biental possuem praticam ente as m esm as características de cidades do Sudeste Asiático e da África, onde o processo de exclusão social m arca a estrutura básica de funcionam ento do espaço m etropolitano.

Mas a leitura de São Paulo nos faz ver principalm ente a questão do m ovim ento, da velocidade, do rit m o da m et rópole. Conform e Rolnik ( 2001, p.75)

São Paulo im põe um a “ ditadura do m ovim ento” no cotidiano da população que utiliza ou frui a cidade, a partir de um ir- e- vir const ant e de carros, ônibus, m et rô, vans t rens, pés, carroças. Estar em São Paulo é estar sem pre indo ou voltando para/ de algum lugar.

A citação acim a é indicativa dos ritm os diferenciados que encontram os na Met rópole. Lefébvre ( 1982) nos faz com preender com o se desenvolvem no espaço social esses variados rit m os. Para esse Aut or o rit m o cont ém o t em po cósm ico ( planet ário) , o t em po cíclico ( est ações do ano) , o t em po do cot idiano ( com em prego determ inado) e o tem po das atividades e instituições. É no cotidiano que se entrelaçam os variados ritm os, surgindo aqueles repetitivos

cíclicos e os repetitivos lineares. O prim eiro é aquele das estações do ano, do dia e da noite, dos ciclos m ensais. O segundo se caracteriza pela prática social, ou seja, pela utilização do tem po pela sociedade, tornando- o m onót ono e im pregnado de gestos e cam inhos im post os.

Na m etrópole, esses diversos ritm os se entrecruzam e se interferem . Lefèbvre ( 1982) int roduz nessa discussão a quest ão do corpo. Ou sej a, os rit m os naturais são produzidos e vivenciados pelo corpo hum ano, onde se tem um ritm o natural, biológico, que cada vez m ais sofre interferência dos ritm os racionais, ou sej a, aqueles criados pela reprodução das relações sociais de produção, onde o tem po quantitativo m arca e lim ita o ritm o social.

Na m etrópole o ritm o racional aparece com o discurso hegem ônico e padrão de socialização; quem não vive nele está fora do sistem a que com anda e dirige a reprodução social. Este é um ponto chave para se discutir a questão do com ércio e do consum o 24 horas na m et rópole, pois foi a part ir dessa concepção de reprodução do espaço urbano, onde a velocidade das t ransações t ornou- se cada vez m ais rápida e fluida, que o tem po quantitativo introduziu - se e difundiu- se pela sociedade.

No caso de São Paulo, podem os particularizar, pois apesar de ser um a m egacidade internacional possui características próprias que perm item a reprodução de algum as características que só se encontram e se reforçam nela. Um exem plo concret o disso é a quest ão do com ércio 24 horas, localizado no litoral paulista.

A Baixada Santista, do m ês de outubro até m arço, t orna- se um lugar de lazer e veraneio de grande parcela dos m oradores da cidade de São Paulo e, com isso, parte do que é vivenciado na capital é transferido para o litoral. Algum as redes de superm ercados atuam tanto nos m unicípios do litoral com o na capital e passam a transferir, no verão, parte do que é m antido em São Paulo. Assim , entre os m eses da baixa tem porada, as loj as não funcionam 24 horas, passam a ter esse horário de funcionam ento a partir de m eados de outubro, pois é quando se inicia o período de viagens de final de sem ana dos paulistanos à Baixada. Entre dezem bro e j aneiro, as loj as da rede Pão de Açúcar, Extra e Barateiro passam a funcionar 24 horas em quase todas as unidades. No Guaruj á, que possui seis loj as do Pão de Açúcar, quatro t rabalham 24 horas, o m esm o ocorrendo em Santos, São Vicente e Praia Grande.

Por esses dados percebe- se que a força da m etrópole paulista expande- se para além de suas fronteiras físicas, levando parte de seu ritm o a outras porções do Est ado. Nest e caso do litoral ocorre um a verdadeira transferência de todo o m odelo m etropolitano paulista para lá, pois o trânsito torna- se caót ico, as loj as de grifes fam osas abrem filiais no litoral, o m esm o ocorrendo com relação a restaurantes, academ ias de ginástica, bares e discot ecas. Esse fenôm eno pode ser ent endido, conform e Lefèbvre ( 1982) nos m ost ra, a part ir da força dos elem entos da m ídia, que se tornam elos de propagação do ritm o incessante da produção de bens, m odelos e signos, através de um a j ornada de im agens que não cessa nunca.

No intuito de exem plificar com o é o ritm o da m etrópole hoj e e discutir a questão da produção de im agens na sociedade atual, destacando principalm ente a força dest as na problem át ica do consum o de m ercadorias e serviços, t om am os com o exem plo um videoclip da cant ora Madonna, de 1998. Nosso obj et ivo em discutir a questão da im agem , dos ritm os e da representação destes na m etrópole, hoj e, refere- se à questão da força da m ídia no consum o, pois as im agens, as m úsicas, o cinem a e a televisão passaram a ser form adores de padrões de socialização.

O ritm o da m etrópole, que é incessante, m arcado pela racionalidade das ações e pela grande diversidade de alianças travadas no espaço urbano, perm ite a produção das m ais diversas im agens, principalm ente em um a cidade com o São Paulo, onde sua cultura é um a m istura de todas as partes do Brasil e do Mundo.

Pela seqüência das im agens apresentadas no videoclip Ray of Light, pode- se perceber com o a vida na grande cidade está estruturada, principalm ente a área m ais densam ente equipada de serviços de padrão internacional, ou seja, os lugares m undializados das m etrópoles.

O videoclip se inicia com o nascim ento do sol e o despertar da cidade, onde o céu está envolto por um a cam ada de poluição que nunca som e. A seqüência das im agens se desenvolve durante um dia ( 24 horas) , onde cada m om ent o é t rat ado com elem ent os próprios.

Durante a m anhã, o m om ento principal das im agens do videoclip é o de ida ao t rabalho, m ost rando os grandes congest ionam ent os de aut om óveis nos centros urbanos e nas vias de acesso às periferias industriais, com as grandes construções rodoviárias sendo as locações preferidas. Além disso, o m ovim ento na m etrópole é retratado através do transporte público, principalm ente o m etrô.

As pessoas que aparecem nas im agens est ão sem pre com pressa, m ost rando - se est ressadas, ocupadas e sem t em po, t ransit ando de um lado para o out ro.

O segundo m om ent o que dest acam os nest e videoclip é a hora das refeições. Tant o o alm oço com o o j ant ar são ret rat ados e realizados em alta velocidade, m ost rando a força do fast food com o padrão de alim ent ação nas grandes cidades. As pessoas com em andando, trabalhando, dirigindo, em pé, sentadas, nas ruas e tam bém nos restaurantes.

O período da tarde e de início da noite é retratado por im agens da circulação de autom óveis e pessoas por estabelecim entos e instituições de toda a natureza, com o em presas, bancos, cartórios, escolas e academ ias. No início da noit e volt am a ocorrer os congest ionam ent os nas est radas e os m et rôs e ônibus aparecem novam ent e lot ados.

O período da noite é aquele m ais obscuro e destinado às atividades do lazer, segundo o videoclip. A cidade se transform a num grande palco de luzes e im agens coloridas que dissipam para todos os cantos a grandiosidade da m etrópole. As discot ecas, os rest aurant es, os bares, os shopping centers, centros com erciais e ruas tornam - se os locais prim ordiais da interação social, t odos replet os e conduzidos pelo rit m o do consum o, da m ercadoria, onde divertir - se e consum ir tornam - se as finalidades principais.

A razão principal de discutir este videoclip centra- se no fato de que ele reproduz a im agem do ritm o da m etrópole. Por fotos ficaria m uito difícil, ou quase im possível, m ostrar a velocidade em que se processam as relações sociais na m etrópole. Em Ray of Light, pode- se visualizar claram ente o m ovim ento de pessoas e produtos na m etrópole. Além disso, a tradução do título – Raio de Luz – expressa a idéia da rapidez das ações na m etrópole.

O indivíduo retratado no videoclip é aquele que vive a m et rópole em seu ritm o m ais veloz. Seu cotidiano está controlado e im erso nas atividades hegem ônicas globalizadas. Vendo os lugares apresentados pelo videoclip ele os reconhece e t am bém os est ranha, pois com o est á no m eio dest e t urbilhão de sobreposição de im agens, às vezes não consegue discernir o que é a realidade e o que é a ficção. E, o principal, m uitas vezes o próprio habitante não consegue pensar sobre seu próprio papel dentro da sociedade e qual é a sua função, tal a quantidade de tem pos e relações aos quais se vê subm etido.

Pensam os que o com ércio 24 horas é um elem ent o que propicia a consolidação e reprodução desse processo de reconhecim ent o e est ranham ent o

do habitante da m etrópole. A situação de estar às três horas da m anhã num superm ercado, em purrando um carrinho de com pras e colocando as m ais diversificadas m ercadorias nele passa a ser vista com o natural para os habitantes da m etrópole, pois o ritm o de vida em São Paulo não perm ite, m uitas vezes, a realização de atividades básicas para a sobreviv ência em horários convencionais, o que suscita outras situações.

O com ércio 24 horas é fruto das m odificações pelas quais vem passando a m etrópole paulista nos últim os vinte anos, ao m esm o tem po que perm ite o nascim ento de um novo habitante da m etrópole, com um out ro rit m o de vida, produzido pela im posição do m ercado e do processo de reprodução das relações sociais de produção. Enquanto discurso, esse “ hábito” torna- se, m uitas vezes, sím bolo de status, e ir a um a loja 24 horas, no lim iar, torna- se, em algum as sit uações, pont o de encont ro.

Fazer um a leitura da m etrópole paulista em m ovim ento a partir de suas form as de com ércio e consum o perm ite entrar na essência do capitalism o atual, onde a acum ulação de capital se m aterializa nas m ais diferentes form as, buscando fundam entalm ente a fluidez do espaço através da m aior velocidade dos fluxos de inform ação e superutilização dos recursos técnicos. O poder público entra com o m ediador na luta entre capital versus população e global versus local, estando tudo m ergulhado num gigantesco jogo de im agens, signos e subordinação ao m undo da m ercadoria, tornando o próprio espaço um elem ento im prescindível nesse jogo.

O com ércio 24 horas m et ropolit ano é apenas m ais um elem ent o produzido pela sociedade urbana em seu desenvolvim ent o. O t em po vist o enquanto parte integrante do processo produtivo, sobretudo com o velocidade, ressalta ainda m ais as transform ações ocorridas no m undo atual. Ortigoza ( 2001, p.155) ressalta a questão da sociedade produtivista cuj o tem po

“ que é dado pelo processo de produção int ensifica ainda m ais seu poder at ravés do uso int ensivo da inform at ização. Esse t em po quant it at ivo é o t em po das t rocas, da m et rópole, da t écnica, do Est ado Moderno e das em presas t ransnacionais” .

As relações ent re o com ércio, o consum o e a m et rópole, hoj e, constituem - se em um conjunto indissociável, pois é a partir das novas

características encontradas no espaço urbano, form adas ao longo do tem po, que o com ércio foi produzindo e adapt ando suas form as para oferecer aos consum id ores os serviços m ais propícios para o consum o. Com o a sociedade atual cam inhou em direção da busca da m enor perda de tem po possível, desde a produção até o consum o, o com ércio, enquanto m ediador, possibilita a reprodução do capital.

Enquanto estratégia, o com ércio 24 horas perm ite alcançar lucros antes não alcançáveis, já que o m ercado possibilita sua perm anência no espaço. O habitante m etropolitano de hoje encara um a cidade fragm entada, concentrada e dispersa. Vivencia- a em pequenas partes, não conseguindo entendê- la enquanto um conj unt o, e é nesse pont o que o est ranham ent o e o reconhecim ent o ocorrem . O ritm o da m etrópole perm ite ao seu habitante esse tipo de sentim ento, pois, no caso de São Paulo, ele foi forjado de m aneira abrupta, vindo m uit as vezes de fora, copiado de outras partes do m undo, m as que conseguiu ser absorvido e hoj e possui características próprias, só aí encontradas.

Enquanto form a nova na circulação de m ercadorias, o com ércio 24 horas perm ite a reprodução do espaço, j á que se insere na sociedade produtivista, onde a velocidade das transform ações tende a ser a m ais rápida possível, garantindo a reprodução das relações sociais de produção.