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A composição social dos trabalhadores nas páginas do Jornal do Commercio

Discorrer acerca da formação da classe operária carioca implica refle- tir sobre a complexidade e a diversidade do mundo de trabalho urbano e das classes trabalhadoras envolvidas neste processo. Como já foi comen- tado, no perímetro urbano do Rio de Janeiro no século XIX, os “mundos do trabalho” dialogavam entre si. Não podemos precisar o estágio desse fenômeno social, mas podemos tentar perceber a dinâmica desta con- juntura histórica particular, permeada pela lógica da dominação escrava que estruturava um conjunto de significados gerais. Ainda de acordo com Marcelo Badaró Mattos, na capital do Império, os “trabalhadores, fossem escravos ou livres, compartilhavam não apenas os ambientes de trabalho urbanos, como também modelos de organização, bem como estratégias de

24 Gebara, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil (1871-1888). São Paulo: Brasiliense, 1986. 25 As categorias são utilizadas neste texto para designar o conjunto da população que viveu a experi-

ência da escravidão, os nascidos na África e no Brasil, escravizados e libertos.

26 GOMES, Flávio; NEGRO, Antonio Luigi. Além de senzalas e fábrica: uma história social do traba-

lho. Tempo Social: revista de sociologia da USP, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 217-240, 2006. p. 217-240.

27 LARA, Silvia Hunold. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Projeto história: Revis-

luta e resistências às formas de exploração a que estavam submetidos”,28

ou seja, tinham comunidade de interesse. Afinal, como nos chama aten- ção Marx, em O 18 Brumário, quando analisa as comunidades camponesas francesas em meados do século XIX, os grupos só se constituem em classe

quando em defesa de seus interesses enquanto grupo.29

Quiçá incipientemente “maravilhosa” para aqueles que a viam como potencializadora de seus desígnios pessoais e coletivos, a cidade do Rio de

Janeiro – cidade negra30 em muitos de seus significados culturais e práticas

sociais – em meados do século XIX ostentava o título de maior cidade es- cravista das Américas. Neste período, de acordo com o levantamento feito

em 1849,31 pelo menos 110.602 cativos (41,5% da população) constituí-

am a soma total dos 266.466 residentes. A condição de centro administra- tivo e a qualidade urbana imputavam ao Município Neutro características que conformavam novas formas às relações escravistas.

Em 1872, um total de 274.972 pessoas residia na província do Rio de Janeiro. Destes, 228.743 habitavam em áreas urbanas – que se divi- diam em 12 freguesias: Sacramento, Candelária, São José, Santa Rosa, Sant’Ana, Lagoa, Glória, Engenho Velho, Santo Antônio, São Cristovão e Espírito Santo – e, 46.229 habitavam em áreas suburbanas ou semirrurais – que se dividiam em oito freguesias: Irajá, Jacarepaguá, Campo Grande, Inhaúma, Guaratiba, Ilha do Governador, Paquetá e Santa Cruz.

Boa parte desta população era empregada nas diversas atividades do setor secundário dos mais variados estabelecimentos da cidade, resulta- do de sua condição de “maior centro de consumo e atração de negócio do país, no que contribuía a expansão cafeeira, que transformara seu

28 MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores escravos e livres no Rio de Janeiro da segunda metade

do século XIX. In: JORNADA NACIONAL DE HISTÓRIA DO TRABALHO, 1., 2002, Santa Catarina. Anais... Santa Catarina: ANPUH, 2002. GT Mundos do Trabalho. Disponível em: <www.labhstc. ufsc.br/jornadaI.htm>. Acesso em: 10 set. 2009.

29 MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. In: MARX, Karl; ENGELS,

Friedrich. Textos. São Paulo: Ed. Sociais, 1977, v. 3, p. 203-285. Nesta estei- ra desta interpretação, E. P. Thompson argumentaria que “a classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas

ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus” (THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 10).

30 Esta categoria elaborada por Sidney Chalhoub não se refere ao quantitativo, mas as marcas intro-

duzidas pela experiência de africanos e crioulos nas lógicas sociais nas grandes cidades escravistas. Ver: Chalhoub Sidney, Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

31 BURMEISTER, Hermann. Viagens ao Brasil apud SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na capital

do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Sete Le- tras, 2007.

cais na porta de entrada e saída da maior parte da riqueza nacional”.32

Conquanto a prioridade fosse dada à produção agrícola exportadora e à importação, para onde confluíam os lucros auferidos pelo sistema bancá- rio e de crédito. A opção por importar aprazou o desenvolvimento de es- tabelecimentos fabril-manufatureiros, que receberam relativo impulso no contexto da Guerra do Paraguai, retraído, todavia, no período pós-guer-

ra.33 Analisando o montante de operários das dez profissões manuais ou

mecânicas que foram arroladas no Censo de 1872, Eulália M. L. Lobo e seus colaboradores observam o seguinte: “do total de 17.059 a maioria concentrava-se nos seguintes setores: metais (928), madeira (5.920), ves- tuário (2.519), chapéus (498), calçados (2.000), couro e peles (479, car-

teiros, calceteiros, mineiros e cavouqueiros (928), construção (2.738)”.34

Nos anúncios publicados no Jornal do Commercio, é possível observar a fluidez da relação de procura e oferta de mão de obra. Sendo um veículo voltado para as demandas comerciais, registrou, também, as transações envolvendo uma das principais mercadorias negociadas na Corte durante o período imperial: a humana. Nas páginas do Jornal, além dos já mui- to pesquisados anúncios de fugas, encontramos anúncios de ofertas de compra e venda de cativos e, de procura e aluguel da força de trabalho

escrava, liberta e livre.35 Valendo-se desta dinâmica construída na experi-

ência da escravidão, os anúncios traziam ofertas de indivíduos livres que desejavam alugar a sua força de trabalho e, também, de empreendedores que procuravam por indivíduos cativos, libertos e livres para compor seu

quadro de trabalhadores.36

Os dados sobre o comércio de cativos, bem como de agenciamento dos libertos e livres, fornecem importantes informações sobre o valor do paga- mento do aluguel, habilidades dos indivíduos e outros aspectos da demo- grafia da mão de obra carioca. Diariamente, no início dos anos 1870, eram publicados em média 110 anúncios de empregadores desprovidos de bra- ços, habilidosos ou não, para compor sua força de trabalho e, 80 anúncios 32 SOUZA Juliana Teixeira de. Dos usos da lei por trabalhadores e pequenos comerciantes na Corte

Imperial. In: AZEVEDO, Elciene et al. Trabalhadores na cidade: cotidiano e cultura no Rio de Janeiro e em São Paulo, séculos XIX e XX. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2009. p. 189.

33 Este impulso teria sido observado do ponto de vista quantitativo, permanecendo a mesma estru-

tura artesanal nestes estabelecimentos (LOBO, Eulália Maria L. et al. Estudos das categorias so- cioprofissionais, dos salários e do custo da alimentação no Rio de Janeiro de 1820 a 1930. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, out./dez. 1973. p. 159).

34 LOBO, Eulália Maria L. et al. Estudos das categorias socioprofissionais, dos salários e do custo da

alimentação no Rio de Janeiro de 1820 a 1930. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, out./dez. 1973. p. 159.

35 Gilberto Freyre é o principal expoente na defesa da utilização dos anúncios para a pesquisa his-

tórica. Ver: Freyre, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX: tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais, de característicos de personalidade e de deformações de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século passado. Recife: Imprensa Universitária, 1963.

36 Sobre a conformação do mercado de trabalho no Rio de Janeiro ver: VITORINO, Artur José Renda.

Cercamento à brasileira: conformação do mercado de trabalho livre na Corte das décadas de 1850 a 1880. Tese (Doutorado em História)–Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2002.

de indivíduos interessados em auferir seu jornal. As vagas oferecidas pelos anúncios dos classificados poderiam interessar a um complexo e diversifica- do conjunto de trabalhadores: em cor, condição social, status, nacionalidade e naturalidade.

Os “procurados”, em sua maioria, eram homens e mulheres sem es- pecialização para ocupar postos de domésticos, cozinheiros, caixeiros, criados, vendedores de quitanda, copeiros, padeiros, lavadeiras, engo- madeiras e outras funções cuja principal exigência era a boa conduta, a

“proficiência”.37 Para preencher as vagas, os candidatos deveriam ser per-

feitos nos afazeres, desembaraçados, fiéis, inteligentes e honestos.38 Não

obstante, cerca de 30% dos anúncios faziam referências a critérios como cor, condição jurídica, habilidade ou nacionalidade.

Tabela 3 – Anúncios mandados publicar no mês de fevereiro de 1873

Total de anúncios 3.554

Anúncios sem especificação 2.660

Anúncios que fazem referência à cor

Preta 230 22,7%*

Parda 48 4,8%

Branca 172 17,0%

Qualquer cor 145 14,3%

Anúncios que fazem referência à condição

Escravo 44 4,4% Livre 156 15,4% Qualquer condição 127 12,6% Outras especificações Estrangeiro 56 5,5% Aprendiz 22 2,2% Alfabetizado 11 1,1%

Fonte: BN/RJ - Jornal Commercio, jan. 1873

* Os percentuais foram computados a partir do total de 1.011 referências a cor, condição, nacionalidade, aprendizado e alfabetização verificadas em 894 anúncios.

Com relação aos anúncios que exigiam especialização, que em janei- ro de 1873 representavam 32,7% do total, o principal critério para ser

37 Conhecimento perfeito, capacidade, competência.

38 É o caso da publicação do dia 2/1/1870, que trazia o seguinte enunciado: “Precisa-se de uma cos-

tureira que corte por figurino e que seja desembaraçada e perfeita em seus trabalhos; não se faz questão de cor ou condição, quem estiver nas circunstancias de preencher o lugar dirija-se à Praia de Botafogo n. 18”.

selecionado era mesmo o da proficiência.39 Naquele mês, numa amostra

de 3.554 anúncios de “procura-se” mandados publicar nas páginas dos classificados do Jornal do Commercio, 2.660 não faziam referência à cor, à condição, à nacionalidade ou à necessidade de alfabetização do “procura- do”. Por outro lado, 894 anúncios traziam explícitos algum tipo de critério referente ao perfil social desejado. Foram 1.011 casos que traziam espe- cificação. Nestes, 14,3% trazia a resolução do empregador de preencher a vaga sem levar em conta a cor do indivíduo, 12,6% ignoraria a sua con- dição, 15,4% dos empregadores demandavam trabalhadores de condição livre, 17% de cor branca, de cor parda 4,8% e 5,5% de outras nacionalida- des. Dialogando com a estrutura social de uma cidade negra e escravista, a maioria dos anunciantes, 22,7%, declarava preferir trabalhadores pretos. Somente 1,1% indicava necessitar de um indivíduo alfabetizado. Do que se pode inferir que o mercado de trabalho da cidade do Rio de Janeiro, no mês de Janeiro de 1873, era acessível a qualquer um que estivesse “nas circunstâncias” de preencher as exigências do empregador.

Ainda que os níveis de alfabetização fossem bastante tímidos entre a população escravizada, a ela se encaminhavam diversas ofertas de trabalho que criavam oportunidades dos cativos darem à escravidão significados de liberdade. Muitos dos escravos cariocas urbanos mantinham com seus senhores relações que intercambiavam noções de cativeiro e liberdade.

Usufruíam de “doses de liberdade”.40 Possuíam relativas possibilidades de

mobilidade. Eram alugados para exercerem diversas atividades ou postos para vender os mais variados produtos, atividade que, de acordo com a ter- minologia da época, era designada como ao ganho. Enquanto ganhadores, em muitos casos, podiam “viver sobre si”, ou seja, decidir onde iriam tra- balhar ou residir, comprometendo-se junto ao senhor a cumprir, semanal- mente ou mensalmente, o pagamento de uma quantia a título de “acerto”.

39 Foram 1.162 anúncios publicados à procura por mão-de-obra especializada ou semiespecializada.

Os ofícios ou especialidade demandados eram: administrador, alfaiate, Arregaçadeira, barbeiro, cafeteiro, caixeiro, carpinteiro, cavouqueiro, chacareiro, chineleiro, charuteiro, chapeleiro, charu- teiro, cigarreiro, colchoeiro, confeiteiro, carroceiro, copeiro, costureira, encadernador, enfermeiro, professor, farmacêutico, feitor, ferrador, forneiro, ferreiro, fundidor de metal, funileiro, jardineiro, garçom, imprensador, limador, lustrador, malhador, marceneiro, oficial de forja, padeiro, pedreiro, pianista, pintor, professor, sapateiro e serralheiro, tanoeiro, trabalhador de masseira e vendedor.

40 Temática abordada por mim em outro trabalho. Ver SANTOS, Lucimar Felisberto dos. Cor, identi-

dade e mobilidade social: africanos e libertos no Rio de Janeiro, 1870 – 1888. Dissertação (Mestra- do)–Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.

Figura 8 – Escravo leitor do jornal O Paiz. Seus ouvintes, sete homens, duas mulheres e uma criança, ouvem atentamente sua leitura de primeira natureza. A imagem chama atenção para as relações com a leitura desenvolvidas por sujeitos de diferentes gradações de letramento. A legenda da gravura diz: “Um fazendeiro também fez uma descoberta que o deixou embatudado! Um escravo lia no eito para os seus

parceiros ouvirem, um discurso abolicionista do Conselheiro Dantas”.

Fonte: Revista Illustrada, 15 out. 1887 (edição em p&b)

Alguns limites da participação escrava na economia brasileira foram fornecidos através da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, limites esses alargados quotidianamente pelos escravizados. A chamada “Lei do Ventre Livre”, para além de tratar diretamente da organização do trabalho do ex-escravo – regulando os termos de sua prestação de serviço, tornando obrigatória a contratação sob pena de sofrerem constrangimento ao se- rem acusados de vadiagem e postos a trabalhar em obras públicas – ao tratar de um assunto específico referente aos cativos, a legitimação do pecúlio escravo, validava a prática de se remunerar os mesmos pelos ser- viços prestados. Além de incluir este conjunto da população definitiva- mente nas novas relações assalariadas, facultaria aos cativos, a partir de então, o direito legítimo ao acúmulo do valor necessário para resgatar sua

liberdade.41

O indivíduo na condição de escravo estava entre as preferências dos re- crutadores. Embora em número bastante reduzido: somente 44 casos em janeiro de 1873, num total de 3.554 anúncios levantados. Em verdade, na maioria dos casos, foram solicitados indivíduos naquela condição para exercerem atividades que dispensam especialização – criados, cozinhei- ros, domésticas, trabalhadores de masseira etc. No entanto, a alusão ao 41 LIMA, Henrique Espada. Sob o domínio da precariedade: escravidão e os significados da liberdade

de trabalho no século XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p. 289-326, jul./ dez. 2005. Ainda sobre o efeito da lei 2040 no quotidiano da escravidão ver SANTOS, Lucimar Felisberto dos. Os basti- dores da lei: estratégias escravas e o Fundo de Emancipação. Revista de História da Universidade Federal da Bahia, Salvador, v. 1, p. 18-39, 2009.

estatuto jurídico pode ser explicada pelos critérios de diferenciação social operado naquela sociedade que se moveria primeiramente pela cor/con- dição, para na segunda metade do século XIX, se referenciar em catego- rias socioprofissionais. Este argumento, que será desenvolvido neste tra- balho, tem por referencia a participação escrava na economia registrada pelos recenseadores em 1872: 498 artífices ou oficiais; 527 marítimos; 174 pescadores; 1.384 costureiras; 5.695 lavradores; 22.842 domésticos; 5.785 criados e jornaleiros e 9.899 sem profissão.

Os libertos, depois de quase meio século da data em que a Constituição do Império brasileiro lhes estendeu a condição de cidadão – investida de precariedade –, a julgar pela avaliação dos recenseadores que não os dife- renciaram da população livre, provavelmente estavam entre os números de trabalhadores nacionais arrolados pelo Censo e entre os “procurados” pelos empregadores que anunciavam no periódico. O aumento no núme- ro das alforrias obtidas por trabalhadores escravizados que circulavam pela Corte contribuía para o aumento vertiginoso na parcela da população livre observada ao longo do século XIX (Tabela 2).

Apesar de serem “cidadãos do império” algumas restrições eram pos- tas à sua cidadania. Algumas nada sutis como, por exemplo o caso de um contrato de concessão de recurso apresentado à Assembléia Geral, o qual Luiz Antônio Cunha analisa em seu estudo sobre o ensino de ofícios arte- sanais e manufatureiros no Brasil escravocrata: “o Relatório do ministro do Império, apresentado à Assembléia Geral, em 1850, transcreve o con- trato de concessão dos recursos obtidos em uma loteria por empresários do setor têxtil do Rio de Janeiro”. Na transcrição podemos observar algu- mas manobras para promoção do desenvolvimento fabril e para definir a composição social dos trabalhadores.

O concessionário é obrigado: 1º) A aplicar as quantias que receber ao melhoramento da Fábrica. 2º) A não permitir trabalhar nela escravos ou africanos libertos. 3º) Conservar nela gratuitamente e pelo tempo que o governo arbitrar, 10 meninos brasileiros, aos quais alimentará e dará ins- trução religiosa, elementar e industrial.42

Talvez este “africano liberto”, referido no texto, seja antes o “africano livre”, aquele indivíduo que por força da Lei 1.831 adquiria sua liberdade por ter sido trazido para o Brasil ilegalmente e que, por um período, fica- va sob a tutela do Estado imperial, sendo durante este tempo explorado

em obras públicas ou alugado a particulares.43 Entretanto, essas medidas,

assim como aquela que proibiu a utilização da mão de obra escrava em 42 Cunha Luiz Antônio, O ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata. São Paulo:

Ed. UNESP; Brasília, DF: FLACSO, 2005. p. 142-143.

43 Sobre africanos livres ver SOUZA, Jorge Luiz Prata de. Africano livre ficando livre: trabalho, coti-

diano e luta. Tese (Doutorado em História)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.

obras públicas, restringiam a participação dos escravizados e, também, de libertos, associados à escravidão, das relações de trabalho assalariadas. Sobressai ainda na condição imposta ao concessionário para receber os recursos, a sua participação na tarefa de qualificar a mão de obra nacio- nal para atender as demandas da nação. A ausência de trabalhadores com “habilidades técnicas” era sentida nos novos estabelecimentos fabris e

comerciais instalados na Corte. 44 Ainda que a política de imigração come-

çasse a ganhar vulto nas últimas décadas do século XIX, houve também a aposta na adaptação da mão de obra não especializada. Segundo Cunha,

O período 1870-1914 foi, sobretudo, o período em que a indústria confia- va em um influxo maciço de trabalhadores inexperientes, mas fisicamente fortes para realizar a proporção muito grande de tarefas relativamente não especializadas que exigiam muita mão-de-obra; período em que o ambien- te dramático de escuridão, chama e fumaça caracterizou a revolução na capacidade do homem produzir através da indústria movida a vapor.45

É importante ressaltar que durante o período destacado levas cada vez maiores de imigrantes chegavam ao Império do Brasil para atender às ne- cessidades gerais da agricultura e, às mais específicas de alguns setores industriais. Os ingleses, por exemplo, tiveram seu recrutamento facili- tado pela Depressão ocorrida na Inglaterra, que obrigou muitas fábricas a fechar e um grande contingente de seus operários a emigrar. No en- tanto, ainda na década de 1890, a presença do trabalhador especializado inglês foi praticamente eliminada. As taxas de câmbio eram desfavoráveis a quem recebia o pagamento em libras esterlinas. Italianos e espanhóis foram recrutados após esse período para suprir a demanda por braços qualificados, apesar de serem provenientes de regiões onde os padrões de vida eram mais baixos. No caso específico do Rio de Janeiro, eram os portugueses os mais procurados e os que mais se ofereciam em aluguel nos anúncios de jornais. Anúncios em que o critério nacionalidade figura- va como principal exigência também eram encontrados nas páginas dos jornais. Transcrevo alguns exemplos:

Quem precisar de um rapaz de 21 para 22 anos de idade, para caixeiro ou para qualquer administração de porta fora, anuncie: o dito rapaz se obriga a servir de graça um ano, sendo caixeiro, e sendo para outro oficio, será o que se ajustar; é português e desembarcou no dia 16 do corrente, não tem conhecimento algum nesta capital. (1850)

44 No ano de 1873 foram levantados 965 estabelecimentos do ramo industrial, número que chegaria

a 1.242 no ano de 1881 (SOARES, Luiz Carlos. O “Povo de Cam” na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Sete Letras, 2007. Anexos).

45 Cunha, Luiz Antônio. O ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata. São Paulo:

Precisa-se trabalhadores portugueses ou alemães para estrada de ferro de Macaé e Campos na Rua Uruguaiana 131. (1873)

Precisa-se de um português de meia idade para uma estalagem que saiba ler alguma coisa e com prática de venda; São Cristóvão 132. (1873) Precisa-se de um moço português de 15 a 18 anos de idade para criado, é inútil que se apresente quem não tiver informação a dar sobre a sua con- duta, exige-se também bons atestados, para tratar no Largo do Paço, n. 12,