• Nenhum resultado encontrado

Já no século XVI havia um reconhecimento da necessidade de imple- mentação da pesca da baleia no Brasil. Gabriel Soares de Sousa, portu- guês que se tornou importante senhor de engenho na Bahia na segunda metade do século, escreveu uma espécie de memorial no qual relatava a situação do Brasil. Sobre as baleias ele informa:

[...] se à Bahia forem Biscainhos ou outros homens que saibam armar às baleias, em nenhuma parte entram tantas como nela, onde residem seis meses do ano e mais, de que se fará tanta graxa que não haja embarcações que possam trazer à Espanha.10

Em sua História do Brasil (1550-1627), Frei Vicente de Salvador tratou do tema do consumo do azeite: “era uma pena como a de tântalo padecer esta falta, vendo andar as baleias, que são a mesma graxa, por toda esta

Bahia, sem haver quem as pescasse [...].”.11

Até o começo do Seiscentos havia grande carência de um produto que substituísse o azeite doce (de oliva), caro e raro no Brasil. Não se sabe ao certo quando chamado “azeite de peixe” – o óleo extraído das baleias – chegou pela primeira vez ao Brasil, mas, segundo a historiografia, as re- giões passíveis de exportação para a América portuguesa seriam Cabo

Verde e Biscaia, onde o óleo já era produzido.12

Segundo a historiadora Myriam Ellis, a primeira a realizar um estudo sistemático da pesca da baleia no Brasil, essa atividade foi desenvolvida primeiramente em Portugal, na região do Algarve, mas não houve muitos investimentos já que, na época, as atenções do Reino estavam voltadas para as especiarias do Oriente e para o bacalhau da terra.

Ao longo do século XVI, embora ainda muito rudimentar, a extração do óleo da baleia se juntou ao pau-brasil e ao início da produção de açúcar para caracterizar os produtos mais importantes da então ainda precária ocupação da nova colônia portuguesa. Aproveitando-se do fato de as ba- leias encalharem próximas às praias, principalmente nos meses de maio a julho – período em que procuravam as águas quentes do Brasil para procriar –, os moradores do litoral retiravam a camada de gordura e pelo

cozimento se apurava a gordura até chegar ao óleo.13 O óleo da baleia era

10 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Ed. Nacio-

nal, 1971. p. 57.

11 SALVADOR, Vicente do, Frei. História do Brasil (1550-1627). São Paulo: Itatiaia, 1982. p. 92. 12 A prática da pesca da baleia no mar de Biscaia teve início em finais do século XII, quando houve a

necessidade de irem para alto-mar porque as baleias já se mantinham afastadas da costa. A Baía ou Golfo da Biscaia (também conhecido como Golfo da Gasconha) está localizada no Oceano Atlân- tico, entre a costa norte da Espanha e a costa sudoeste da França (<http://pt.wikipedia.org>). Ver também FAZENDA, José Vieira. Iluminação a azeite de peixe: das Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 88, v. 142, 1920.

empregado para diversos fins: iluminação, impermeabilização de navios e barcos, confecção de argamassa usada em construções. Era também usado na alimentação, o chamado “azeite de peixe”, que no Brasil, era vendido a alto preço, embora tivesse qualidade inferior ao de oliva. Segundo Frei Vicente, o azeite de oliva precisava ser misturado a outros produtos para deixá-lo amargo, afastando assim o desejo dos escravos pelo seu gosto doce.14

Por volta de 1602, a convite do governador-geral Diogo Botelho,15 o

capitão Pero de Urecha16 e um grupo de biscainhos introduziram a técnica

baleeira no Recôncavo Baiano. Foram assim os colonos da Bahia introdu- zidos na pesca do animal, que substituiu o aproveitamento das baleias

encalhadas nas praias por uma atividade pesqueira especializada.17 A pes-

ca era realizada entre junho e setembro, ao longo do litoral, neste mesmo local se apurava o óleo e eram extraídas as barbatanas.

Os primeiros estabelecimentos da indústria baleeira no Recôncavo Baiano, no início do século XVII, foram erguidos na ilha de Itaparica, na entrada da barra, em frente à cidade de Salvador, na chamada na Ponta da Cruz, em cujas proximidades os animais eram arpoados. O azeite pro- duzido abastecia a Bahia, outras capitanias e também era enviado anual-

mente a Biscaia, em navios lotados do carregamento.18 Após implemen-

tada a técnica pesqueira pelos biscainhos, já nas primeiras décadas do Seiscentos, os baleeiros do Recôncavo Baiano estavam ativos nessa ativi- dade. Importante notar que diferentemente dos biscainhos que pescavam em alto mar, os barcos pesqueiros do Brasil colonial não se afastavam do litoral.

Os cetáceos procuravam as costas litorâneas de águas mansas para procriação e amamentação dos baleotes. Os núcleos ficavam sempre nas enseadas, abrigados do vento e da agitação do mar, em praias mansas, de 14 ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 117. 15 Diogo Botelho foi nomeado governador-geral do Brasil em fevereiro de 1601, e exerceu o cargo

de 1603 a 1607. Para favorecer a economia da capitania, o governador foi o grande responsável pela introdução da pesca da baleia e pelo aumento dos negócios relativos ao açúcar e à extração de pau-brasil (LAVAL, François Pyrard de. Viagem de Francisco Pyrard de Laval contendo a notícia de sua navegação às Índias orientais, ilhas de Maldiva, Maluco, e ao Brasil, e os diferentes casos, que lhe aconteceram na mesma viagem nos dez anos que andou nestes países: (1601 a 1611) com a descrição exata dos costumes, leis, usos, polícia, e governo: do trato e comércio, que neles há: dos animais, árvores, frutas, e outras singularidades, que ali se encontram: vertida do francês em português, sobre a edição de 1679. Nova Goa: Imprensa Nacional, 1858. p. 124).

16 Também chamado Pedro de Orecha, forma encontrada nos livros de Frei Vicente do Salvador (SAL-

VADOR, Vicente do, Frei. História do Brasil (1550-1627). São Paulo: Itatiaia, 1982) e Pyrard de Laval (LAVAL, François Pyrard de. Viagem de Francisco Pyrard de Laval contendo a notícia de sua navegação às Índias orientais, ilhas de Maldiva, Maluco, e ao Brasil, e os diferentes casos, que lhe acon- teceram na mesma viagem nos dez anos que andou nestes países: (1601 a 1611) com a descrição exata dos costumes, leis, usos, polícia, e governo: do trato e comércio, que neles há: dos animais, árvores, frutas, e outras singularidades, que ali se encontram: vertida do francês em português, sobre a edição de 1679. Nova Goa: Imprensa Nacional, 1858).

17 ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo: Melhoramentos: EdUSP, 1969. p. 19 18 Ibidem, p. 34-37.

suave inclinação, revestidas de areia fina, favoráveis ao estabelecimento

humano e à abordagem dos barcos de pesca.19 Depois de arpoadas as ba-

leias eram puxadas para a praia, em locais denominados “armação”, pois ali se “armavam” os equipamentos necessários à retirada das partes que seriam utilizadas. Da Bahia, as armações de pesca de baleia expandiram- -se para o Sul e, em menos de século e meio, eram 12 no vasto litoral entre Cabo Frio e Santa Catarina. A região das “pescarias do Sul” subdividia-se em áreas menores – hoje correspondendo aos litorais fluminense, pau-

lista e catarinense – e estava centralizada no Rio de Janeiro.20 Um dado

relevante apontado pelo historiador Fabio Pesavento refere-se ao fato de

que em 1622 houve a fundação da fábrica da Ilha das Baleias,na Baía da

Guanabara,21 demonstrando que ainda na primeira metade do Seiscentos

os investimentos na produção de derivados da baleia já estavam sendo feitos na capitania do Rio de Janeiro. A importância econômica da ativi- dade baleeira, bem como a construção das chamadas “fábricas” que ace- leravam esse comércio, só ocorreram no final do século XVII, sendo que a mais alta lucratividade só foi verificada no século XVIII.