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Súmula, derivada da expressão latina summula, significa basicamente o resumo de alguma coisa. No âmbito jurídico pode ser definida como enunciados jurisprudenciais147 que refletem entendimentos já sedimentados nos tribunais, editados por meio de enumeração seqüencial para o convencimento do magistrado148.

Dessa forma, as súmulas foram criadas com a função de exprimir a jurisprudência pacífica de determinado tribunal a fim de compelir os órgãos inferiores do Poder Judiciário a decidir da mesma forma, uniformizando o tratamento do assunto e garantindo segurança jurídica. Por meio desse expediente buscou-se ainda um método de trabalho que aliviasse um pouco o magistrado da sua tarefa argumentativa, tendo em vista que, nos casos em que as circunstâncias fático-jurídicas fossem basicamente as mesmas daquelas em que a jurisprudência do tribunal já é pacífica sobre uma solução, não seria necessário repetir os fundamentos do julgamento, aprofundando um debate já superado, bastando a citação da súmula, que já teria ínsita toda a argumentação presente nos julgados que lhe deram origem149. Dessa forma, o tribunal, a partir de reiteradas decisões no mesmo sentido, formula uma tese (jurisprudência) a ser aplicada sempre que aquela situação ocorrer. Essa tese é resumida num enunciado, conhecido como súmula, representando, assim, uma verdadeira ponte entre decisões proferidas numa dimensão concreta que são materializadas num enunciado de caráter abstrato. Nesse cenário, para interpretar a súmula de maneira correta é imprescindível a

147 Roberto Luis Luchi Demo observa que “a Súmula do Tribunal é única e formada por enunciados e verbetes, por isso é tecnicamente incorreto usar o vocábulo “súmula” seguido de número, ex: súmula n. 1. O correto é falar “verbete/enunciado n. 1 da Súmula”. Entretanto, a praxe tem consagrado aquele uso da palavra “súmula” seguida do número do respectivo enunciado”. DEMO, p.84. Assim, o termo ficou consagrado no meio jurídico como sinônimo do próprio enunciado (falando-se em súmulas do tribunal). Analisando-se com cautela, tal utilização não é totalmente incorreta, visto que a produção de cada um desses enunciados é o resumo de um conjunto de decisões do Tribunal.

148 TEIXEIRA, Odelmir Bilhalva. Súmula vinculante: perigo ou solução. Campinas: Russell Editores, 2008, p.71.

149 Art. 102. A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal

Federal (...)§ 4º A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido.

investigação dos julgados que lhe deram origem150, pois, de outra forma, o enunciado será analisado de forma descontextualizada, não representando a jurisprudência do tribunal e, consequentemente, não cumprirá a função para o qual foi criado.

Antes de avançar no estudo da matéria vale à pena falar sobre os conceitos de ratio decidendi e obiter dictum. O primeiro significa basicamente a razão ou tese jurídica dada pelo tribunal para justificar a decisão do caso concreto151. Já as dictum152 são todas aquelas considerações

jurídicas elaboradas pelo Tribunal que não estejam relacionadas com a resolução do caso, sendo pronunciamentos que se afastam do princípio justificador da decisão153.

Essa diferenciação é muito relevante, pois o juiz ao analisar os casos que originaram uma súmula, a rigor, deverá levar em conta apenas a ratio decidendi dessas decisões.

Edilson Pereira Nobre Junior resume bem essas ideias quando afirma:

É de ter-se em mente que aquela não se encerra na brevidade de seu enunciado. Ao contrário, resulta de interpretações desenvolvidas no julgamento de casos concretos e, sem a pesquisa destes, não se pode aquilatar o instante histórico e as condições de fato e de direito que ensejam a adoção do precedente. Indispensável, assim, que o aplicador do direito – e, consequentemente, da Súmula também – encontre a ratio

decidendi que informou a elaboração do ponto de vista sumulado. Somente assim

será possível averiguar se uma determinada Súmula é ou não aplicável a um caso concreto. A ratio decidendi, que logo se advirta, limita-se a aspectos de direito, não atingindo matéria fática, não está representada por toda a motivação da decisão,

150 Nesse sentido, Glauco Salomão Leite: “O enunciado da súmula apenas sintetiza a essência do entendimento consolidado jurisprudencialmente pelo Supremo Tribunal Federal sobre determinada matéria. Ele não deve se desprender do substrato jurisprudencial de onde emana”. LEITE, 2007, p. 100.

151 A doutrina do stare decisis não é uníssona acerca do conceito de ratio decidendi, havendo diversas teorias sobre o assunto, entre as quais podemos citar a de Wambaugh, Oliphant e Goodhart. Para mais informações sobre o assunto: SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. 1. ed. Curitiba Juruá, 2006.

152 Embora a maior parte da doutrina utilize os termos dictum e obiter dictum como sinônimos, Marcelo Alves Dias Souza os diferencia, afirmando que “Quanto à precisão terminológica, diz-se que dictum é uma proposição de Direito, constante do julgamento do precedente, que, apesar de não ser ratio decidendi, tem considerável relação com a matéria do caso julgado e maior poder de persuasão. Em comparação, obite dictum é uma proposição de Direito, constante do julgamento, com ligação muito tênue com a matéria do caso e pouquíssimo persuasiva”. ibid. p. 140.

153 Celso de Albuquerque Silva fornece um exemplo bastante didático sobre o assunto: “Por exemplo, ao analisar um pedido de hábeas corpus colimando obter a nulidade do decreto de prisão cautelar do paciente ao fundamento de excesso de prazo na instrução, o Tribunal indefere a ordem por verificar que o atraso na instrução ocorreu por requerimento da defesa. Essa fundamentação é suficiente para decidir a lide (Súmula 64 do STJ: “Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução provocado pela defesa). Entretanto, gratuitamente e sem maiores investigações, a corte anota que, não tivessem existido tais requerimentos, a solução seria diversa e a ordem seria concedida com a declaração de nulidade da prisão cautelar. Essa proposição, de que havendo excesso de prazo sem que a defesa tivesse concorrido para tal implicaria em nulidade do decreto de prisão cautelar, é meramente dictum não possuindo força vinculante em relação às demais cortes”. SILVA, Celso de Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 185-186.

desta se apartando o que não é determinante para a resolução do caso concreto, constituindo afirmações secundárias (obter dicta)154.

Após essa breve análise do conceito de súmula, é preciso agora investigar o que se entende por efeito vinculante. Gilmar Mendes tratou do assunto, afirmando que no efeito vinculante, diferentemente do que ocorre no caso da eficácia erga omnes, além do dispositivo, também os fundamentos ou motivos determinantes possuem força vinculante155. Do mesmo modo, Rodolfo Camargo Mancuso afirma que o efeito vinculativo “abrange os motivos determinantes, pressupostos pelo enunciado, à semelhança da ratio decidendi dos binding precedents, na experiência anglo-saxã156”.

Nesse cenário, a súmula vinculante é uma súmula potencializada com o efeito vinculante, ou seja, de observância obrigatória pelos órgãos do Poder Judiciário (exceto pelo STF, conforme se discutirá no capítulo seguinte) e pela administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Assim, após a Emenda Constitucional 45, o ordenamento jurídico brasileiro passou a conter dois tipos diferentes de súmulas: a persuasiva e vinculante. A primeira, que pode ser editada por qualquer tribunal, continua a servir como instrumento de divulgação da jurisprudência do tribunal, sendo utilizada para o convencimento do magistrado. Embora conte com grande poder de violência simbólica157, não possui qualquer obrigatoriedade, estando os juízes livres contrariá-la, decidindo de acordo com o seu livre convencimento motivado. Mesmo as reformas que introduziram os artigos 38 da Lei 8038/90; 518 e 557 do CPC158, embora tenham

154 NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Súmula vinculante: o desafio da sua implementação. São Paulo: MP Ed. 2008, p. 52.

155 Segundo Gilmar Mendes e Ives Gandra da Silva Martins: “Trata-se de instituto jurídico desenvolvido no Direito processual alemão, que tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes (tragende Gründe)”. MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei 9.868, de 10-

11-1999. 3ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 596.

156 MANCUSO, 2007, p. 362.

157 Lenio Streck, falando da violência simbólica, esclarece que “Conforme Bourdieu e Passeron trata-se do poder capaz de impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da própria força. O sentido desse poder não deve criar ilusões, pois não se trata de coação, pois pelo poder de violência simbólica o emissor não co-age, isto é, não se substitui ao outro. Quem age é o receptor. Poder aqui é controle. Para que haja controle é necessário que o receptor conserve suas possibilidades de ação, mas aja conforme o sentido, ou seja, o esquema de ação do emissor. Por isso, ao controlar, o emissor não elimina as alternativas de ação do receptor, mas as neutraliza. Controlar é, assim, conclui Ferraz Jr., neutralizar, fazer com que, embora conservadas como possíveis, certas alternativas não sejam relevantes e não devem ser levadas em consideração”. STRECK, 1998, p. 226.

158 Todos esses artigos trazem obstáculos para o andamento de recursos que contrariarem jurisprudência ou súmula do STF e STJ. Ainda assim, não há dúvidas de que o juiz continuará decidindo sem qualquer vinculação à súmula, sendo que apenas no recurso é que esse efeito normativo poderá aflorar.

garantido substancial força normativa a esses enunciados, não alteraram essa realidade, uma vez que os magistrados permanecem podendo decidir contrariamente à súmula.

Já a súmula vinculante só poderá ser editada pelo Supremo Tribunal Federal, respeitando alguns requisitos e a regulamentação dada pelo art. 103-A da Constituição e pela Lei 11417/2006.

Portanto, a súmula vinculante não extinguiu as súmulas persuasivas, podendo os dois tipos de construções jurídicas conviver sem que se enxergue qualquer tipo de incompatibilidade. A própria Emenda Constitucional 45, em seu artigo 8º, estabeleceu que as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial. Sobre o dispositivo observa- se que embora não se tenha reproduzido os requisitos do artigo 103-A da Constituição, mesmo assim, para que haja essa conversão, tais requisitos sempre devem estar presentes159. Apesar dessa possibilidade, o que se observa é que desde a Emenda Constitucional 45 o STF não editou uma súmula persuasiva sequer, sendo todas vinculantes160.