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OBJETIVO: VALIDADE, INTERPRETAÇÃO E EFICÁCIA DE NORMAS

4 O ESTUDO DOS DISPOSITIVOS QUE REGULAMENTAM A SÚMULA

4.7 OBJETIVO: VALIDADE, INTERPRETAÇÃO E EFICÁCIA DE NORMAS

Primeiramente, vale dizer que ao estabelecer como objetivo da súmula vinculante o tratamento da validade, interpretação e eficácia de normas, utilizou termos sobre os quais a Teoria do Direito não possui um consenso, o que pode ser perigoso, visto que de acordo como se encare as expressões, conclusões completamente diferentes podem ser produzidas.

214 NOBRE JUNIOR, 2008, p. 62.

215 André Ramos Tavares alerta que tal processo não pode ser administrativo, senão bastaria ao município deflagrar internamente um processo e tal requisito já estaria cumprido, o que retiraria qualquer utilidade de tal exigência (TAVARES, 2007, p. 63).

216 Segundo Glauco Salomão Leite, esse processo deve estar em andamento no Supremo Tribunal Federal: “Apesar de o dispositivo legal não deixar claro se esse processo deve estar em curso no próprio Supremo Tribunal Federal, entende-se que deve ser essa a interpretação a ser seguida, já que é aquele órgão judicial, e não outro, o único habilitado a criar súmula com efeito vinculante. Logo, apenas estando o processo em trâmite no próprio Supremo Tribunal Federal é que os municípios-partes poderão requerer-lhe a criação de súmula vinculante” (LEITE, 2007, p. 141). Em sentido contrário, Arthur Mendes Lobo defende que “a melhor exegese da norma é no sentido de autorizar o pedido incidental do Município que atue como parte em qualquer processo e não, necessariamente, em processos que tramitem no Supremo Tribunal Federal (recurso, medida cautelar, suspensão de segurança, ações de competência originária etc). Isso porque, onde a lei não restringiu, não cabe ao intérprete fazê-lo (LOBO, 2007, p. 88).

Enfrentando inicialmente a questão da norma jurídica, podemos retomar o conceito do capítulo 1 e dizer que as normas jurídicas são as partes que formam o sistema jurídico, ou seja, elas se confundiriam com o próprio enunciado, diferenciando-se por meio da sua tipologia e função desempenhada no ordenamento jurídico.

Quanto à validade, ela é basicamente o exame da compatibilidade entre a norma inferior com as normas superiores do ordenamento jurídico. Assim, quando analisamos a validade de uma lei, na verdade, estamos tratando da pertinência entre essa lei e a Constituição217, que é a norma válida de maior hierarquia em nosso ordenamento jurídico. A súmula vinculante, então, enquanto norma interpretativa visa, por meio de um enunciado vinculante produzido pelo Supremo Tribunal Federal, acabar com a controvérsia existente acerca da validade de determinada norma jurídica, indicando a tese jurídica a ser adotada pelo julgador. Por exemplo, no caso da súmula vinculante número 25 ao dizer que “é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, está, na verdade, explicitando a posição que deve ser adotada na análise da validade da prisão do depositário infiel.

As palavras de Karl Larenz são elucidativas ao afirmar que “interpretar um texto quer dizer, portanto, decidir-se por uma entre muitas possíveis interpretações, com base em considerações que fazem aparecer tal interpretação como a correta218”. Dessa forma, em se tratando de súmula vinculante, controvérsia de interpretação é o “desacordo sobre o melhor significado de determinado dispositivo de acordo com os ditames constitucionais219”. Isso significa basicamente que o Supremo Tribunal Federal fixará, por meio de um enunciado de súmula vinculante, como determinada norma deve ser interpretada pela autoridade submetida ao seu comando. A súmula vinculante número 23 (a justiça do trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada) visa espancar qualquer dúvida acerca da interpretação a ser dada sobre a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.

217 Nesse sentido, Edílson Pereira Nobre Júnior: “Ora, ao referir-se, como objetivo da Súmula, a validade de normas determinadas, o constituinte quer dizer encontrar-se inserida nesta província a discussão sobre se determinado ato normativo, lei ou regulamento é ou não compatível, formal ou materialmente, com a Constituição”. NOBRE JUNIOR, 2008, p. 41.

218 LARENZ, 2005, p. 281.

219 LAMY, Marcelo; CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Reflexões sobre as súmulas vinculantes in TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Reforma do Judiciário. São Paulo: Método, 2005, p. 309.

Por fim, existe também a controvérsia acerca da eficácia da norma. Esse é um conceito que deveria ter sido evitado pelo constituinte, tendo em vista a variedade de entendimentos existentes sobre o assunto. No presente trabalho, eficácia está ligada à aplicação prática de uma norma hipoteticamente prevista. Assim, quando a sociedade obedece a um comando normativo, podemos dizer que existe eficácia social e quando é o magistrado quem o aplica em suas decisões, então, estamos falando de eficácia jurídica.

No caso da súmula vinculante, não há dúvidas de que elas não possuem a função, nem a pretensão, de influenciar a eficácia social (para isso basta observar quem está submetido à autoridade das súmulas vinculantes). Com isso, teoricamente, ela deveria estar voltada basicamente para a eficácia jurídica da norma. Entretanto, observando o modo como o termo foi usado no texto normativo, nota-se uma aproximação muito maior entre a súmula vinculante e a vigência da norma (que está ligada à obrigatoriedade da norma), do que propriamente com a eficácia220, ao menos na forma como a expressão vem sendo utilizada na presente dissertação221.

Portanto, embora o constituinte tenha utilizado o termo eficácia, na verdade, a súmula vinculante tem como objetivo dispor sobre a vigência de determinada norma, definindo, principalmente, os seus efeitos espaciais e temporais. Como exemplo, podemos citar a súmula vinculante número 26 (para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico), informando desde quando deve incidir inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 8.072/1990.

220 Uma rápida análise nos enunciados produzidos comprova isso. O artigo 103-A, §1º, por exemplo, fala em controvérsia atual sobre a eficácia de determinada norma, acarretando grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos; o artigo 4º da Lei 11417/2006 é ainda mais claro quando diz que a súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público. A eficácia imediata ou protraída parece muito mais ligada à vigência (obrigatoriedade) da norma do que propriamente à sua aplicação prática pelos órgãos sob a sua autoridade.

221 Como já foi discutido amplamente no capítulo 1, não há consenso sobre um conceito de eficácia. Autores como Edílson Pereira Nobre Júnior entendem que “competirá ao Pretório Excelso afirmar qual o alcance dos efeitos duma determinada no tempo e no espaço” (NOBRE JUNIOR, 2008, p. 42), alinhando-se com a compreensão de eficácia defendida pelo constituinte. Nesse sentido, também LAMY; CONCI (2005, p. 309).