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Violação à independência do magistrado

3.6 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À SÚMULA VINCULANTE

3.6.3 Violação à independência do magistrado

Outra crítica comum feita à súmula vinculante é que ela afrontaria a independência do juiz, que não teria mais liberdade para julgar, já que seria obrigado a adotar a solução sumulada175. Dessa maneira, isso geraria uma “robotização” dos magistrados, que seriam verdadeiros “homologadores” de decisões previamente estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal, que, nesse cenário, teria um poder hipertrofiado.

Com isso, a base do pensamento é que o Brasil adota o modelo da civil law e, por isso, o juiz está vinculado apenas à lei, sendo que qualquer outra limitação à independência magistrado, como a súmula vinculante, é contrária ao nosso sistema jurídico, representando um risco à atividade judicial176. Ademais, o juiz, por estar mais próximo ao caso concreto, deveria ter a liberdade para aplicar a interpretação mais compatível com os princípios constitucionais, sem

174 MATTOS, 2010, p. 101.

175 Nesse sentido, Luís Flavio Borges D’Urso: “A Súmula retira do juiz a sua capacidade de entendimento e a

sua livre convicção, ou seja, a sua independência para julgar. Torna-se o juiz um mero cumpridor de normas baixadas pelo grau superior, comprometendo-se, dessa forma, ao inibir a livre apreciação dos fatos e do direito, a criação e o desenvolvimento da jurisprudência. Tornando-se mero burocrata, exercendo papel de subalterno que reproduz decisões de instâncias superiores, o juiz, contra sua vontade, acaba prestando um desserviço à causa dos direitos fundamentais e da cidadania”. D’URSO, Luiz Flávio Borges. Súmula vinculante é retrocesso. Disponível em: http://www.oabsp.org.br/palavra_ presidente/2004/75/. Acesso em 18 de março de 2010.

ter tolhida a sua capacidade de raciocino para obedecer cegamente a enunciados vinculantes do STF177.

Apesar dessas críticas feitas à súmula vinculante, tais argumentos podem ser refutados. Primeiramente, não há a alegada hipertrofia do Supremo Tribunal Federal, que, com o advento da Constituição de 1988, realmente passou a exercer certo protagonismo no cenário jurídico brasileiro, sem que isso represente qualquer violação à ordem constitucional imposta (pelo contrário, ele foi eleito pela própria Constituição como seu guardião) ou à separação dos poderes, que, como dito acima, não deve ser mais encarada nos moldes clássicos descritos por Montesquieu, mas adaptada aos novos tempos.

Quanto à afirmação de o Brasil seria adepto da civil law e estaria importando impropriamente soluções da common law, deve-se ponderar já não existe mais essa exclusividade do modelo romano-germânico em nosso ordenamento, podendo-se falar, inclusive, na adoção de um modelo misto. Conforme verificamos no processo histórico da súmula vinculante, tal modificação não ocorreu de forma automática, sendo fruto de um longo processo de absorção de institutos da common law, culminando com a criação da súmula vinculante. Assim, o

176 Lênio Streck é incisivo a esse respeito: “Necessário registrar ainda, que, vingando a tese, surgirá no Brasil um

perigoso ecletismo: no sistema da common law o juiz necessita fundamentar e justificar a decisão (14). Já no sistema da civil law, basta que a decisão esteja de acordo com a lei. Assim, acaso vencedora a tese vinculatório- sumular, bastará que a decisão judicial esteja de acordo com um verbete sumular para ser válida... Ora, nessa perspectiva, haverá no sistema jurídico brasileiro o poder discricionário da common law sem a proporcional necessidade de justificação. Enfim, o poder sendo exercido sem freios e contrapesos, tudo porque as Súmulas Vinculantes transformam-se, na prática, de normas individuais - válidas para cada caso - em normas gerais de validade erga omnes (...)Não tenho medo de afirmar que trocar a democracia e a independência dos juízes pelo desafogo dos processos - tese que começa perigosamente a ser aceita até mesmo pelos que são contrários à vinculação sumular - me parece um preço exageradamente alto a ser pago por todos nós. Ou seja, discutir a efetividade da justiça é colocar também em xeque, necessariamente, a qualidade das decisões e a legitimidade destas. A construção das condições de possibilidade de uma democratização da justiça e em especial do Poder Judiciário não podem sucumbir ao sedutor canto de sereia do establishment jurídico-dogmático e dos setores governistas, que, antes de mais nada, apostam no efeito vinculante como um projeto de poder, que está agregado - e somente assim pode ser entendido - às demais reformas constitucionais que tramitam no Congresso Nacional”. STRECK, Lenio Luiz. Efeito vinculante: desmi(s)tificações necessárias acerca dos projetos de

reforma do Judiciário. Disponível em http://www.femargs.com.br/revista01_streck. html. Acesso em 11 de fevereiro de 2011.

177 Sobre o assunto, Luis Flávio Gomes: “A súmula vinculante viola a independência jurídica do juiz, isto é, sua independência interna (dentro da e frente à própria instituição a que pertence). Ninguém pode impor ao juiz qualquer orientação sobre qual deve ser a interpretação mais correta. Aliás, é muito comum que um texto legal, pela sua literalidade confusa, permita mais de uma interpretação. De todas, deve prevalecer a que mais se coaduna com os princípios constitucionais (sobretudo o da razoabilidade). Mas o juiz sempre tem a liberdade de escolha, dentre todas as interpretações possíveis. O instituto da súmula vinculante pertence à velha (e ultrapassada) metodologia do Direito, que era visto como um sistema jurídico coeso, compacto e seguro. Esse modelo de Direito (e de metodologia), típico de Estados autoritários, não levava em conta duas coisas: (a) a pluralidade de pensamento dentro do Estado de Direito; (b) a justiça do caso concreto. Preocupava mais a beleza do palácio do Direito (sua lógica interna), que a justiça do caso concreto”. GOMES, Luis Flávio. Súmula

vinculante. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=390. Acesso em 25 de julho de 2010.

Direito brasileiro evoluiu e, com isso, o papel da jurisprudência também ganhou um novo significado.

Ademais, não há qualquer perda de liberdade do magistrado para interpretar o caso concreto. O juiz, ao deparar com um caso concreto, terá plenos poderes para analisar a aplicabilidade ou não da súmula vinculante para resolução da situação, não havendo qualquer mutilação da sua capacidade hermenêutica. Entretanto, uma vez identificada a compatibilidade com uma súmula vinculante válida, não parece haver razões para não aplicar o enunciado, tendo em vista que fatalmente a decisão do Supremo Tribunal Federal prevalecerá em caso de recurso178.

Por fim, a falta de limites do juiz de primeiro grau não é uma necessidade, representando, pelo contrário, um risco muito grande de se criar uma loteria judiciária. O magistrado não é soberano nas suas decisões, tendo como limite a norma jurídica, seja a expressa pela lei, seja pela súmula. Dessa forma, a súmula vinculante é apenas mais uma norma, com suas características próprias, que o juiz deve respeitar.

Mônica Sifuentes comenta o assunto:

A independência e liberdade do juiz, por isso, não é e não pode ser absoluta: a decisão deve-se pautar em critérios racionais e deve ajustar-se aos princípios legais e constitucionais (...) Ora, o juiz não é um microcosmo, uma nômade fechada em si mesma. Não é um rei no domínio do caso concreto. A idéia de que o juiz só se vincula à lei e à sua consciência esconde, na realidade, um preceito autoritário. A vida não feita da experiência de um só. Se o direito é corretamente considerado como um sistema, não se pode arrogar o juiz em elaborador do direito que ele individualmente quiser179.