• Nenhum resultado encontrado

4 O ESTUDO DOS DISPOSITIVOS QUE REGULAMENTAM A SÚMULA

5.3 A FORÇA NORMATIVA DA SÚMULA VINCULANTE NO PROCESSO

5.3.6 Súmula vinculante x Decreto

Os decretos possuem um caráter geral e abstrato e estão num patamar inferior ao das leis, isto é, o fundamento de validade dos decretos são as leis. Assim, a função básica deles é especificar o conteúdo das leis. Celso Antônio Bandeira de Mello define o decreto como

ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução da lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública337.

Nesse cenário, os decretos possuem uma função regulamentadora, ou seja, não é permitido que o decreto inove o ordenamento jurídico com a criação de prescrições não ditadas na lei. Dessa forma, esses instrumentos normativos possuem uma função apenas de especificação, detalhamento, enfim, operacionalização da lei, não podendo criar qualquer obrigação que já não pudesse ser identificados na lei regulamentada338.

O decreto não gera uma inovação, mas também não pode ter a sua força normativa questionada, visto que, com a sua introdução (feita por meio de um ato de promulgação de uma autoridade competente) o ordenamento jurídico passa a ter um novo elemento que delimita a legislação em determinado sentido, devendo tal preceito (quando não estiver em confronto com outras normas superiores do sistema) ser obrigatoriamente seguido. Registre- se, então, que há semelhanças entre os dois diplomas normativos, como o incremento do ordenamento com a criação de um novo sistema jurídico sem, contudo, criar algo que já não poderia ser deduzido da lei. Assim, há uma verdadeira positivação de algumas possibilidades que a lei339apresenta, a fim de operacionalizar a aplicação do Direito.

Apesar disso, há diferenças evidentes entre eles, como o responsável pela edição, num caso só o STF pode realizar, enquanto o decreto é produzido pelo Chefe do Poder Executivo. Além da tipologia normativa diferenciada, tendo em vista que a súmula vinculante é interpretativa, enquanto o decreto é uma norma que chamaremos de complementar. Com essa denominação queremos definir um tipo normativo que busca dar aplicabilidade (executividade) a outra norma, devendo respeitar os limites normativos definidos naquele quadro. Podemos citar como exemplo a Lei 7000/2001 do Espírito Santo que regulamenta o ICMS e em seu artigo 75, §3º, XVII, obriga os contribuintes do imposto a emitir documento fiscal. Em tal diploma normativo, porém, não se especifica o que são documentos fiscais, quais são os requisitos que eles devem possuir, de que forma eles devem ser emitidos, por quanto tempo devem ser guardados e etc. Essa tarefa cabe ao decreto regulamentador (Decreto 1090-R/2002), que traz essas especificações relativas ao assunto, devendo, contudo, limitar-se àquele assunto para o qual foi criado, respeitando a lei que lhe serviu de fundamento de validade. Dessa maneira, não poderia um decreto que regulamenta o ICMS exigir o pagamento de Imposto de Renda. Dito isso, já é hora de analisar o confronto entre súmula vinculante e decreto. Não há dúvidas de que sendo a súmula vinculante posterior ao decreto ela deve prevalecer, já que o Supremo Tribunal Federal, para produzir os enunciados sumulares, realiza uma leitura constitucional

338 Celso Antônio Bandeira de Mello é conclusivo a respeito: “ao regulamento desassiste incluir no sistema positivo qualquer regra geradora de direito ou obrigações novos. Nem favor nem restrição que já não se contenham previamente na lei regulamentada podem ser agregados pelo regulamento. Há inovação proibida sempre que impossível afirmar-se que aquele específico direito, dever, obrigação, limitação ou restrição já estavam estatuídos e identificados na lei regulamentada. Ou reversamente: há inovação proibida quando se possa afirmar que aquele específico direito, dever, obrigação, limitação ou restrição incidentes sobre alguém não estavam já estatuídos e identificados na lei regulamentada. A identificação não necessita ser absoluta, mas deve ser suficiente para que se reconheçam as condições básicas de sua existência em vista de seus pressupostos,

estabelecidos na lei e nas finalidades que ela protege”. ibid. p. 351 .

339 O termo lei pode ser encaixado perfeitamente no caso do decreto, pois esse visa, de fato, à regulamentação de uma lei. Entretanto, no caso da súmula vinculante, que trata de matéria constitucional, não podendo ser estritamente infraconstitucional, deve-se entender tal expressão num sentido mais amplo, englobando também outros tipos normativos, especialmente as normas constitucionais.

que leva em consideração todo o sistema jurídico vigente, inclusive o decreto. É importante lembrar que a súmula vinculante é uma norma de caráter interpretativo e, por isso, está sempre baseada em outra norma do sistema e tendo em vista que ela regula matéria constitucional, pode-se dizer que esses enunciados estão sempre apoiados em alguma norma constitucional, explícita ou não. Sendo assim, quando o STF edita uma súmula vinculante contrária a um decreto, na verdade ele está apenas dando caráter obrigatório a uma jurisprudência pacífica de que aquele decreto não poderia valer, pois contrariava alguma norma superior do sistema, na qual a súmula se baseou. Com a criação da súmula essa incompatibilidade torna-se explícita e o juiz precisa obrigatoriamente desconsiderar o comando do decreto e prestigiar a súmula vinculante em suas decisões.

A solução não é diversa no caso de decreto editado posteriormente à súmula vinculante. Isso ocorre pela seguinte razão: a súmula vinculante é resultado de uma leitura que o STF faz sobre determinado sistema jurídico, definindo qual a melhor interpretação a ser utilizada, definindo, por exemplo, que a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do artigo 14 da Constituição Federal (súmula vinculante 18). Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal diante de um sistema (S1) edita um enunciado que deve obrigatoriamente ser observado e, com isso incrementa o ordenamento jurídico, criando outro sistema (S2). Tal súmula tem como fundamento de validade a Constituição.

O decreto, por sua vez, tendo essa função de garantir operacionalidade à lei, fundamenta a sua validade no diploma legal, não podendo exorbitar esses limites dados pelo legislador. Assim, levando-se em conta que o fundamento de validade do decreto é a lei e o da súmula vinculante é a Constituição e o, conclui-se que esta sempre prevalecerá.