• Nenhum resultado encontrado

A súmula vinculante deve ser produzida com muito cuidado pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que foi concebida para dirimir uma grave controvérsia, ou seja, foi criada para ser uma solução e não mais um problema interpretativo. Não se ignora que esses enunciados são feitos por meio da linguagem e, com isso, padecem dos mesmos problemas que qualquer texto, isto é, possuem uma carga de ambigüidade e vagueza, necessitando sempre de interpretação pelo aplicador do Direito. Por mais claro que um texto seja, há sempre um trabalho interpretativo a ser realizado, sendo isso uma idéia já há muito aceita.

163 Esse também é o pensamento de Roberto Luis Luchi Demo, que afirma “A súmula, cujos enunciados ou verbetes, em sentido amplo são resumos, uniformizações de jurisprudências dos tribunais, não cria direito, que já está definido pela jurisprudência pacífica, do mesmo modo que não pretende obstar a evolução do direito, nem impedir a reforma da jurisprudência. O objetivo é evitar divergência a respeito de determinado assunto em futuras decisões, porquanto os enunciados são elaborados depois de exame detalhado dos casos apontados, somente se permitindo sua inclusão na súmula com reiteração de julgados e, ainda assim, caso não haja expectativa de serem alteradas em breve tempo as interpretações ali adotadas”. DEMO, p.84.

164 Glauco Salomão Leite assevera: “Portanto, nos casos que servem de base para a construção da jurisprudência geradora de súmula vinculante, verificam-se todas as características fundamentais da função jurisdicional expostas por Cappelletti, não se podendo falar, dessa forma, que as súmulas são produto da atuação legislativa de Supremo Tribunal Federal. Consistem, em verdade, na generalização e obrigatoriedade de uma solução aplicada a uma série de casos semelhantes, resultado, como se disse, de atividade interpretativo-criadora inerente ao exercício da jurisdição constitucional, em cujo contexto o efeito vinculante das súmulas tem uma importante função harmonizadora da exegese jurídico-constitucional, dirimindo uma divergência judicial”. LEITE, 2007, p. 98.

O temor de muitos autores, que chegam a ponto de dizer que a súmula não deve ser interpretada165, senão haveria “interpretação de interpretação”, desencadeando num círculo vicioso, é de que a súmula apresente um texto genérico, permitindo diversas interpretações, o que fatalmente levaria ao seu fracasso, visto que as decisões sobre o assunto não seriam uniformes, prejudicando a segurança jurídica.

A súmula, então, não pode possuir expressões vagas, sendo o enunciado o mais específico possível, a ponto de o intérprete poder identificar perfeitamente a situação regulada para poder aplicar a solução sumulada. Dessa forma, clareza e especificidade são duas características essenciais para qualquer enunciado de súmula, sendo recomendável ainda que eles sejam sucintos, a fim de evitar qualquer problema no que diz respeito à compreensão do seu conteúdo166.

Para trabalhar o tema, utilizaremos dois enunciados de súmula já editados a fim de demonstrar duas situações, uma que consideramos satisfatória e outra que provavelmente trará problemas para o magistrado na sua tarefa de aplicação da súmula.

Primeiramente, quando analisamos a súmula vinculante nº 5 (a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição), percebemos a clareza da sua redação, sem negar que por se tratar de um texto sempre será passível de interpretação e dúvidas poderão surgir, mas a mensagem é bastante direta – não há qualquer inconstitucionalidade no processo administrativo em que não haja defesa técnica feita por advogado.

Diferente é o caso da súmula vinculante nº 11 (Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado), cuja redação possui diversos termos vagos (ex. resistência, fundado receio de fuga, perigo à integridade física) que permitem diversas interpretações, podendo tumultuar ainda mais o

165 Marcus Gil Barbosa Dias, citando o Victor Nunes Leal, afirma que: “Victor Nunes Leal explicou, com maestria a impossibilidade de se interpretar os enunciados das Súmulas. Para ele, sempre que fosse necessário esclarecer algum aspecto do enunciado, era um sinal para o cancelamento do mesmo para que nova regra fosse inscrita de modo a não permitir dubiedades. Afirmava ser a lei o objeto de interpretação, e a súmula o resultado dessa interpretação promovida pelo Supremo Tribunal Federal. Por isso, defendia a clareza e precisão na redação dos enunciados de Súmulas. Criticava a alteração de palavras ou de sentido na interpretação das Súmulas sem o devido cancelamento da numeração e inscrição de um novo texto”. DIAS, 2006, P. 180.

166 MATTOS, Luiz Norton Baptista de. “Súmula” vinculante: análise das principais questões jurídicas no

contexto da reforma do poder judiciário e do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.

problema que deveria resolver. Os precedentes que serviram de paradigma para a edição do enunciado pouco contribuem para o deslinde da matéria, pois eles apenas dizem que as algemas devem ser usadas excepcionalmente a fim de garantir a segurança e impedir reações violentas ou indevidas dos presos sem, contudo, esclarecer o que seria isso. O reincidente pela sua condição representa perigo à integridade alheia? E se essa reincidência ocorrer em crimes hediondos? São essas questões que a súmula deveria responder, mas que permanecem incógnitas, podendo ensejar decisões divergentes sobre casos semelhantes.

Por fim, além dessa especificidade e clareza, o texto da súmula vinculante deve se reportar à ratio decidendi dos casos que lhe serviram de paradigma, tendo em vista que a súmula é a consolidação de uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não podendo se desprender do substrato que lhe originou.