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2 Fundamentação teórico empírica

2.2 Aprendizagem pela experiência

2.2.2 Concepções de reflexão acerca de experiências

Na área da aprendizagem, o termo reflexão abarca diferentes significados (REIS, 2011; JORDI, 2011). De acordo com as concepções inerentes à aprendizagem de adultos, a reflexão é predominantemente entendida como o processo analítico e racional por meio do qual os indivíduos extraem conhecimento de suas experiências (JORDI, 2011). Westbrook e Teixeira (2010), apontam que a reflexão liberta os indivíduos de ações simplesmente impulsivas e rotineiras, transformando-as em ações inteligentes. Ainda, Le Cornu (2009) destaca uma outra forma de reflexão, à qual denomina de apreciativa, que ao invés de modificar os conhecimentos existentes, aprofunda-se nos construtos estabelecidos percebendo novas nuances de tais saberes.

Ademais, a reflexão é utilizada amplamente como uma ferramenta pedagógica em processos e atividades de aprendizagem, seja no âmbito formal, informal, individual ou organizacional (JORDI, 2011). Outro ponto acerca da reflexão no âmbito organizacional é que Silva e Silva (2011) apontam que os gestores percebem a reflexão como parte de sua vida, pois eles refletem diariamente, especialmente devido ao cargo que ocupam, que os conduzem a ampliar suas habilidades reflexivas.

Independente da orientação paradigmática que alguém possa ter, dois processos básicos devem ser reconhecidos acerca da prática da reflexão. Tais processos são denominados de reflexão durante a ação e reflexão sobre a ação. A reflexão durante a ação remodela a ação enquanto ela está sendo realizada. Por outro lado, a reflexão sobre a ação contempla o pensamento acerca de uma situação após ela ter acontecido (SCHÖN, 1983; MERRIAM; CAFFARELLA; BAUMGARTNER, 2007).

A seguir, apresenta-se uma compilação das concepções de Dewey a fim de se explicitar o conceito de reflexão utilizado ao longo deste estudo. Primeiramente, Dewey (1916) aponta que a reflexão (ou pensamento reflexivo) é o esforço intencional de descobrir conexões específicas entre algo que se faz e as consequências resultantes, de forma que os dois se tornem contínuos. Em segundo lugar, a concepção de Dewey (1916, 1938, 1959) sobre reflexão está relacionada ao processo de tornar-se conhecedor, de ter experiências. Dessa maneira, o cenário para a construção de novas experiências e consequentemente novos conhecimentos cria-se quando esgotam-se as possibilidades de repetição de ações habituais. Ou seja, quando os hábitos aplicados e conhecidos não são suficientes para sanar as questões que emergem. Além disso, o pensamento reflexivo de Dewey tem sido intimamente relacionado à aprendizagem pela

experiência. Tal ligação se deve ao fato dele firmar uma estrutura a qual promove a análise de ideias com foco em um objetivo.

Dewey (1916, 1938, 1959) organizou o pensamento reflexivo em algumas fases. Contudo, o próprio autor aponta alguns aspectos de formas levemente diferentes nas referidas obras. Por exemplo, em “Como pensamos” (1959) ele descreve primeiramente duas, e em seguida cinco fases. Em Democracy and Education (1916) ele relata cinco fases com algumas diferenças sutis, pois emprega as palavras sugestões e ideias como distintas, e em seguida, como análogas. Ainda, em Logic: The theory of inquiry (1938) ele caracteriza seis fases. Apesar do exposto, considera-se que haja uma clareza na compreensão das ideias centrais do autor acerca das fases do pensamento reflexivo, as quais serão apontadas a seguir.

Dewey (1916, 1938, 1959) destaca que a necessidade de resolução de uma dúvida é o aspecto basilar e direcionador de todo o processo reflexivo. Ou seja, a reflexão ocorre quando a situação é incerta, indeterminada, duvidosa ou problemática, sendo essas as condições que estimulam a reflexão. O processo reflexivo também é acionado por meio dos sentidos, por exemplo, pela sensação de que algo está errado. Diante disso, a primeira fase é considerada como um estado de dúvida, hesitação, perplexidade, dificuldade mental que origina o ato de pensar.

A segunda fase é considerada como a definição do problema. A situação ora indeterminada se transforma em situação problemática ao ser sujeita à reflexão. A percepção de que a situação demanda reflexão é o primeiro passo reflexivo (DEWEY, 1938). De acordo com a interpretação de Rodgers (2002), nesta fase, a primeira reação emocional junto com os fatos visíveis da experiência se tornam objeto de pensamento. Existe um processo de intelectualização do que primeiramente é visto como algo emocional. E, pode haver uma grande sensação de alívio nesta fase, pois o processo de gerar significado já começou. Ainda, segundo Dewey (1938), a maneira que o problema é instituído indica quais sugestões são válidas e quais são descartáveis para sua solução.

Nesse sentido, a fase seguinte é considerada como a observação de condições ambientais e concepção de sugestões para a solução do problema (DEWEY, 1938). O referido autor também destaca esta fase como uma pesquisa cuidadosa, um exame, inspeção, exploração, análise, de tudo que é possível de observar, com vistas a esclarecer o problema existente. Com base nessa pesquisa, é possível propor sugestões relevantes, construídas pelas observações (DEWEY, 1938). Contudo, os dados disponíveis não são suficientes para conceber uma solução final, apenas podendo contribuir com sugestões. Assim, a terceira fase é caracterizada por uma

atitude de investigação para encontrar algo que solucione a dúvida e esclareça a perplexidade (DEWEY, 1959).

A quarta fase reflexiva proposta por Dewey (1938) é o raciocínio. Ele consiste na percepção das conexões existentes entre os significados construídos na situação problemática e outros significados já existentes, e por meio disso, concebe-se uma proposição de solução. A quinta fase é quando as ideias, sugestões ou proposições são testadas. Um experimento pode indicar quais mudanças são requeridas nas hipóteses concebidas para que elas sejam aplicáveis (DEWEY, 1938). Ou seja, ao selecionar uma das hipóteses e utilizá-la como plano de ação que é aplicado na prática, intenciona-se uma antecipação dos resultados. Contudo, reconhece-se que o teste da hipótese não garante completamente a eficácia da decisão, uma vez que nem todos os aspectos podem ser previstos em uma situação (DEWEY, 1916).

Em sua obra Logic: The theory of inquiry, Dewey (1938) descreve uma sexta fase, a qual denomina de senso comum ou investigação científica, que é considerado como o resultado do processo reflexivo. Nesse momento, é esperado que um novo construto venha à existência. Ou seja, se a reflexão for direcionada adequadamente, o resultado esperado é uma situação resolvida e que possui unidade. Segundo Dewey (1959), o sentimento inicial de incerteza deve desaparecer antes de poder-se dizer que o problema está resolvido.

Ademais, segundo Dewey (1916), as fases de formulação de sugestões e raciocínio distinguem as experiências reflexivas das experiências de tentativa e erro. Ou seja, a reflexão inclui todos esses passos; o senso de um problema, a observação de condições, a formulação racional de conclusões sugestivas e o teste experimental. Ainda, Dewey (1938) destaca que a reflexão é a transformação controlada e direcionada de uma situação indeterminada em uma que é determinada. Além disso, ela converte os elementos desconexos da situação original em um todo uniforme.

Dewey em “Como pensamos” (1959) sintetiza os principais aspectos das fases do pensamento reflexivo em dois pontos basilares. O primeiro deles é uma circunstância de dúvida, vacilação, dilema, perplexidade, dificuldade mental, que ocasionam o pensar. Nesse momento, o sujeito deve buscar obter uma compreensão ampla do contexto. Quando tal compreensão não é viável, inicia-se a investigação que se desenvolve por meio de ações e pensamentos reflexivos e ocasiona-se uma experiência de aprendizagem. Assim, tal investigação é considerada o segundo ponto basilar, ou seja, uma atitude de pesquisa, de busca, a fim de constatar um conteúdo que dissolva a inquietação e esclareça a situação.

Contudo, segundo Dewey (1959), o acontecimento das fases não é imutável e fixo, porém dinâmico, possibilitando assim, novas ideias e pontos de vista. Elas não seguem

necessariamente uma à outra em ordem estabelecida. E, o alcance da última etapa pode não promover o alcance da solução. Entretanto, novos níveis de observação e análise serão atingidos. Tal avanço decorre dos resultados obtidos, os quais constituirão o repertório de experiências ou o mapa interpretativo do sujeito. Assim, por meio do estudo das obras de Dewey, Miettinen (2000, p. 65) elaborou a seguinte ilustração – Figura 1 (2) – a qual intenciona sintetizar e esclarecer a compreensão do autor acerca das fases da ação e do pensamento reflexivo proposta por Dewey.

Figura 1 (2) - Modelo de ação e pensamento reflexivo de Dewey Fonte: Miettinen (2000, p.65)

O arquétipo apresentado na Figura 1 (2) propõe cinco fases distintas, porém interconectadas, as quais demonstram o desenvolvimento da aprendizagem por meio do pensamento reflexivo, pela perspectiva de Dewey. De acordo com Miettinen (2000), a análise do modelo inicia-se no momento em que um indivíduo depara-se com uma situação de incerteza, tendo como resultados finais do processo reflexivo a concepção de novas ideias ou conceitos e a solução do problema e controle da ação.

Além de Miettinen (2000), Rodgers (2002) também realizou um estudo no intuito de compreender as fases do pensamento reflexivo propostas por Dewey. Nesse sentido, a referida autora realiza uma interpretação na qual divide as fases do pensamento reflexivo de Dewey em seis pontos, usando suas palavras, no intuito de torna-las mais claras ao leitor. Assim, as fases descritas por Rodgers (2002) são as seguintes: 1) uma experiência 2) interpretação espontânea da experiência 3) definição do problema que emerge da experiência 4) geração de explicações possíveis para o problema 5) ramificação das explicações em hipóteses maduras 6) experimento ou teste das hipóteses selecionadas. Rodgers (2002) também realiza uma proposição de resumo

Ideia, conceito

Solução do problema e controle da ação

Teste da hipótese em ação Situação de incerteza: o hábito não funciona

Raciocínio Intelectualização e definição

do problema

Estudo das condições da situação e formulação da hipótese de trabalho

das seis fases de Dewey em quatro fases construídas pela autora. Assim, a primeira seria a presença em uma experiência. A segunda seria denominada de descrição da experiência. A terceira fase seria a análise da experiência. E a última, seria a ação inteligente ou experimentação.

Ademais, Dewey (1959) destaca qual seria o estado de perfeição na reflexão e alguns de seus benefícios. Ele relata que o estado almejado de pensamento é aquele no qual o indivíduo está vulnerável a se alongar na dúvida, provendo o tempo necessário para uma investigação perfeita. A perfeição na investigação seria descrita como aquela na qual nenhuma observação é acatada sem que haja a devida comprovação. Além disso, um benefício do pensamento reflexivo é que ele tem a propriedade de conferir direção para ações, pois ele proporciona certa previsão e habilita o planejamento alinhado com os objetivos desejados. Viabiliza a capacitação para o ato deliberado e com intenção concentrada nos alvos futuros ou na aquisição de domínio sobre o que não se tem.

Vale salientar também, aspectos da aplicação do pensamento reflexivo no ambiente de trabalho. Tal pensamento viabiliza um cenário para o aprendizado individual e coletivo com vistas a gerar consciência sobre os fundamentos dos pequenos e grandes problemas organizacionais. Além disso, promove um contexto para a investigação de tais assuntos. Ademais, a investigação favorece a análise e solução de problemas viabilizando novas formas de atuação individual e organizacional. Assim, modificações adotadas também podem advir de conhecimentos e habilidades do grupo de profissionais envolvidos. E, por sua vez, tais modificações servirão de orientação para experiências subsequentes (ELKJAER, 2003). Contudo, a responsabilidade pela aprendizagem é inata ao aprendiz. Ele é quem aprende, assim, outro indivíduo pode atuar como orientador ou facilitador, mas a energia e interesse devem advir dos que aprendem (DEWEY, 1959).

Por fim, experiência e reflexão são processos que não podem ser limitados pela mente, corpo, conhecimento, emoção, pensamento ou ação, pois eles são constituídos por todas essas partes (ELKJAER, 2004). Assim, após apresentação de conceitos de experiência e reflexão, serão descritos a seguir, aspectos acerca das emoções no processo de aprendizagem.