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Emoções dos participantes: Solucionando o problema (Evento 1)

OBJETIVAS EXPERIÊNCIA CONDIÇÕES INTERNAS

5.2 Fases do pensamento reflexivo

Uma proposição comum entre autores clássicos e participantes dos debates atuais é de que o estímulo para a reflexão surge de uma situação de incerteza, confusão, dúvida, na qual as ações habituais não são mais suficientes (DEWEY, 1916, 1922, 1934, 1938, 1959; SCHÖN, 1983; ELKJAER, 2004, 2013, dentre outros). Neste tema, Dewey propõe, ao longo de suas obras, um modelo acerca das fases constituintes do pensamento reflexivo, que tem sido interpretado de maneiras semelhantes, porém não idênticas, por diferentes autores como Miettinen (2000), Rodgers (2002), dentre outros.

Diante disso, advoga-se que os próprios conceitos defendidos por Dewey e pelo paradigma construtivista fundamentam a possibilidade de múltiplas construções provenientes das diferenças internas e contextuais de cada indivíduo. Segundo Rodgers (2002), Dewey nos orientaria a refletir cuidadosamente em sua teoria sobre reflexão e compará-la com o conjunto de novos conhecimentos e experiências criados, e assim, utilizar o raciocínio para aprender. Neste sentido, com base nos textos analisados, considera-se que o arquétipo¹ de Miettinen (2000) ilustra de forma consistente as ideias de Dewey acerca das fases do pensamento reflexivo relatadas no decorrer de sua produção.

Isto posto, defende-se que os achados encontrados na presente pesquisa corroboram com os conceitos de Dewey acerca das fases do pensamento reflexivo. Esta afirmação promove um duplo benefício, pois por um lado confere uma validação empírica à teoria de Dewey. E por outro, confere robustez aos resultados desta pesquisa uma vez que os achados estão amparados por um arcabouço teórico consistente construído por um autor que é referência internacional no assunto e que continua tendo suas teorias retomadas nos debates atuais. Diante disso, no Quadro 7 (5) a seguir, estão sintetizadas as evidências acerca do alinhamento dos achados do presente estudo (exemplificados pelo Evento 1) com o conceito das fases do pensamento reflexivo de Dewey.

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Quadro 7 (5) – Evidências das fases do pensamento reflexivo Fases do Pensamento Reflexivo (Dewey) Evidências V&M (Evento 1)

Trechos de entrevistas correspondentes

Situação de Incerteza: o hábito não funciona Sinais de que havia algo errado

Pedro: "Bom, primeiro assim, a gente foi detectando que tinha alguma coisa errada pelo caixa da empresa, o caixa ficou menos saudável – o recurso financeiro. Também teve as queixas dos clientes. E aí foi quando a gente começou a perceber, esses foram os primeiros inputs: o caixa, queixas dos clientes, e a gente sentiu que alguma coisa tinha ficado mais complicada." Intelectualização e definição do problema Identificação do erro: adoção da modalidade de “apoio à produção”

Pedro: "Nós migramos para a modalidade de apoio à produção. Mas aí foi ruim, a empresa perdeu vitalidade, perdeu tempo, os processos ficaram mais demorados, mais difíceis e a gente perdeu principalmente, uma característica que a gente tinha antes que era velocidade percebida pelo cliente. Então foi um evento que mexeu com a empresa toda, digamos assim, negativamente. A gente foi para uma situação de piora."

Estudo das condições da situação e formulação das hipóteses de trabalho Estudo do assunto e levantamento de alternativas

Thiago: "A gente levantou as formas de conhecer melhor o problema, depois disso, fomos diante das informações traçar os caminhos possíveis: Ah, já que é dessa forma, pode ser assim, assim ou assim! Nesse traçar caminhos possíveis geravam novas dúvidas, aí a gente esclarecia até exaurir supostamente as outras dúvidas."

Raciocínio Reflexão, ponderação e alinhamento sobre a volta à modalidade de “alocação de recursos”

Leonardo: "E aí, quando começou a acontecer isso [Evento 1] a gente começou a refletir e então Pedro trouxe a ideia da gente voltar para a opção anterior, alocação de recursos. E aí a gente viu alguns contras, algumas outras coisas. Aí a gente começou a discutir, ele começou a trazer quais eram os benefícios, começou a envolver as pessoas. Pedro ficou debatendo e ouvindo os pontos de vista sobre essa mudança. E aí, em determinado momento, acho que depois de dois ou três meses, a gente se reuniu com todo mundo, com todos os gerentes e a gente decidiu implantar a mudança."

Teste da hipótese em ação Aplicação da “alocação de recursos” de forma gradual

Thiago: "Depois que traçou os caminhos aí foi para a parte operacional de desenvolvimento do protótipo, que nem era protótipo, tinha que acontecer mesmo, mas era a primeira experiência [implantação da alocação de recursos em uma das cidades] que foi aquela que a gente ficou cem por cento focado nela. Aí teve a primeira experiência, ai quando teve o okay da primeira experiência, aí passamos a multiplicar, padronizar."

Ideia/Conceito Novas formas de conduzir processos / Novas concepções como insumos para tomada de decisão

Leonardo: "Então teve esses dois aprendizados, tanto operacional, de mudança de operar, como também de gestão, para garantir os resultados." Charles: "Então para mim o aprendizado foi muito nesse sentido assim, não necessariamente o que todo mundo faz tá certo e teve essa questão da mudança que foi de enxergar que a gente pode fazer diferente mesmo que todo mundo faça de outro jeito."

Solução do problema e controle da ação Aplicação definitiva da “alocação de recursos” e reequilíbrio da empresa

Pedro: "Mudou tudo e realmente, o efeito que a gente esperava apareceu positivamente em duas áreas importantíssimas: na percepção dos clientes sobre a modalidade, de que a empresa entrega rápido, que é fácil comprar pela Viana & Moura (pois essa é uma coisa que a gente preza muito). E a outra, foi no próprio caixa, nas consequências financeiras para a empresa. As duas têm se mostrado até hoje atendidas, como consequência de acerto."

Assim, observa-se que houve indícios de todas as fases propostas por Dewey nos achados desta pesquisa construídos por meio do Evento 1. Além disso, no tocante à reflexão ser iniciada pelo estímulo de uma situação problemática, os achados da presente pesquisa também estão em consonância com os estudos empíricos recentes de Lucena e Cunha (2014), Ferreira (2014) e Silva (2012). Ainda sobre este ponto, tanto no Evento 1 quanto no Evento 2, a reflexão foi iniciada por uma situação de incerteza que estimulou os gestores a se engajarem no pensamento reflexivo como busca para solução da situação vivenciada.

Posteriormente, iniciou-se a fase de intelectualização e definição do problema. Ou seja, os indícios apontavam para uma situação indefinida e incerta, e após a reflexão ter início, a situação tornou-se um problema definido, que foi o reconhecimento do erro na adoção da modalidade de “apoio à produção”. Esta fase é muito importante pois um problema bem definido contribui enormemente para o encontro de soluções apropriadas e condizentes com o real problema vivenciado.

A fase decorrente a esta foi a de estudo das condições e da situação e formulação de hipóteses de trabalho. Esta fase é totalmente interligada com a seguinte, que é a do raciocínio, onde dentre as hipóteses ou sugestões levantadas, a mais apropriada é escolhida e preparada para ser testada na prática. Neste tema, considera-se que além do alinhamento com as ideias de Dewey (1959), o presente estudo reforçou também os conceitos de Woerkom (2010) e Schön (1983).

Primeiramente, Dewey (1959) destaca que para que o pensamento reflexivo seja utilizado em sua melhor forma, é fundamental que o indivíduo esteja disposto a manter e prolongar um estado de dúvida o tempo suficiente para que nenhuma proposição seja aceita sem que haja as evidências adequadas que fundamentem tal escolha. Woerkom (2010, p.346) aponta que em algumas situações, ao invés do emprego contínuo do pensamento reflexivo, o ato de dar um intervalo ao problema ou “dormir o assunto” se mostrou mais efetivo. Ele destaca que para temas simples, as respostas são melhor encontradas após engajamento na reflexão, mas escolhas complexas devem também ser deixadas um tempo “para os pensamentos inconscientes”.

Dessa forma, defende-se que os achados da presente pesquisa fortalecem essas ideias e as evidências para isso podem ser encontradas no seguinte relato de Juliana:

A gente tem muito desses passos assim, que às vezes Pedro fala: “vamos dormir o assunto”. E ele faz: “vamos refletir”. E aí ele dá o prazo de uma semana mais ou menos, ou alguns dias, e volta a conversar. Aí quando você volta você já tem outra visão do assunto, porque você já buscou algum

conhecimento, já foi buscar, já foi se situar dependendo do problema, e no caso aqui a gente acaba trazendo coisas até melhores mesmo.”

Mediante este relato percebe-se a prática reflexiva de ir em busca de informações, analisá-las e discuti-las, em combinação com um tempo de “dormir o assunto” conforme mencionado por Woerkom (2010). Neste período, ainda que o assunto esteja sendo refletido individualmente, isso não é feito de forma ininterrupta e o problema não é levantado pelos participantes por um tempo no qual os pensamentos conscientes e inconscientes continuam fazendo conexões e conduzindo os indivíduos a caminhos satisfatórios, conforme apontado por Juliana.

Além disso, no Quadro 7 (5), no relato de Leonardo acerca de raciocínio, ele menciona que após o problema haver sido levantado e eles iniciarem a reflexão, a decisão só foi tomada dois ou três meses após este processo ter se originado. Este aspecto também está em consonância com Schön (1983), que aponta que a reflexão na ação pode não ser tão rápida, ela dura enquanto a ação ainda fizer diferença na situação, podendo se alongar por minutos, horas, dias ou até semanas ou meses, dependendo da situação em questão.

Assim, considera-se que as fases de estudo das condições da situação e formulação das hipóteses de trabalho; raciocínio e teste da hipótese em ação envolvem análise reflexiva e estão intimamente interligadas umas com as outras, assim como todas as demais fases se interligam com suas antecedentes e predecessoras. A diferença principal entre a fase de formulação das hipóteses e do raciocínio é que a primeira permite apenas que sugestões sejam feitas com base na observação das condições contextuais e experiências prévias dos gestores, já na fase do raciocínio foram buscados e incluídos novos conhecimentos como forma de validar ou refutar as hipóteses levantadas como forma de propor a solução mais apropriada.

Em alinhamento com Dewey, ao encontrar a solução – que no caso do Evento 1 foi a decisão pela volta à modalidade de “alocação de recursos” – ao invés de aplicarem a mudança em toda a empresa, eles fizeram um plano de aplicação gradual, como forma de teste da hipótese em ação. Esta escolha permitiu verificar a eficácia ou não da proposição construída. Assim, ao ter validações práticas da efetividade da decisão eles obtiveram um duplo benefício: tanto retomaram o controle da situação da empresa, que voltou à estabilidade, como criaram novos conhecimentos, que a partir dessa experiência se tornaram padrão para a empresa a serem replicados em situações posteriores. Esses novos conhecimentos foram os conteúdos aprendidos pelos gestores: novas concepções como insumos para tomada de decisões e novas formas de conduzir processos.

Por fim, em suas obras Como Pensamos (1959) e Democracy and Education (1916), Dewey destaca que as atitudes tomadas pelo indivíduo durante o ato da reflexão podem tanto contribuir quanto bloquear as possibilidades de aprendizagem. Ele reforça que a consciência acerca de atitudes e emoções, e a disciplina para utilizá-las para seu benefício são aspectos fundamentais para um bom pensador. Nesse sentido, na seguinte seção será realizada uma discussão acerca das emoções na aprendizagem.