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O presente trabalho se propôs a identificar a dinâmica de reprodução da ordem social operante na empresa PAB à luz da teoria de Pierre Bourdieu. Dessa maneira, o estudo foi construído a partir da lógica da articulação entre a teoria e a prática, sendo essa abordada através de dois sentidos que se complementaram.

A primeira abordagem manteve o foco nas sobreposições entre a prática relatada pelos empregados e a teoria descrita pelas políticas, normas e procedimentos declarados formalmente pela PAB. A segunda articulação teve seu foco circunscrito pela intersecção entre a prática dos empregados, a teoria das estruturas formais (vertente formal do campo) da PAB, e a teoria de Pierre Bourdieu.

Diante disso, a escolha por uma abordagem qualitativa de análise não foi aleatória, promover uma discussão entre teoria e prática, a partir da percepção coletiva dos agentes da PAB, não seria suficientemente suportado por dados estatísticos e análises quantitativas advindas de um pensamento positivista e cartesiano.

Isto porque o estudo do fenômeno social da PAB advém de uma leitura do universo simbólico, que vai além de uma representatividade das estruturas formais (vertente formal do campo) e racionais, portanto, evidentes na organização.

Discorrer sobre as lutas entre as forças submersas aos artefatos visíveis do campo de estudo foi um exercício de abstração retratado pela leitura realizada no presente trabalho, entre tantas lentes possíveis, que pode ser descortinada através da teoria estruturalista, principalmente no que tange ao papel do agente no campo o qual faz parte, ou seja, compreendendo-o como parte da dinâmica de reprodução social, ainda que preservada a sua capacidade transformadora, ultrapassando o entendimento deste como um ser absolutamente passivo com relação às forças operantes na estrutura, fato que favoreceria uma suposta mudança e inovação social.

Com base na investigação do espaço social da PAB, e a partir da interpretação das informações referentes ao funcionamento do seu campo de forças, da relação entre as diversas estruturas formais (vertente formal do campo) com o modus operandi dos agentes, e das lutas por posições a partir dos tipos de capitais operantes, foi possível concluir que a dinâmica de reprodução social da PAB à luz da teoria de Pierre Bourdieu, está estruturada da seguinte maneira:

Doxa: Os procedimentos não são cumpridos, essa é a visão comum do contexto, é o consenso

dos agentes da PAB, independente de qualquer fator de diferenciação.

Capital cultural: As principais “moedas” na PAB são o domínio do conhecimento técnico e

as informações do processo produtivo. Assim como qualquer outra “moeda”, seu acúmulo e utilização adequada permitem uma ocupação interessante em termos de posicionamento no campo.

Capital social: Muitas decisões são tomadas a partir do estabelecimento das redes de relações

internas, que acontecem por afinidades, por interesses ou por necessidade, assim como acontecem em uma família. Isso significa que as instâncias pessoais dos agentes se misturam

ações com a estrutura formal (vertente formal do campo) da PAB, geralmente por meio do descumprimento de políticas e normas.

Capital simbólico: O agente é reconhecido como “o melhor empregado” a partir do momento

que é percebido pelo seu grupo e/ou pelo seu superior não apenas com sendo mais uma pessoa dentro do quadro de pessoal, mas como uma fonte geradora de possível projeção de imagem positiva da empresa, geralmente a partir da solicitação de sua participação em algum projeto técnico específico e desafiador.

Poder simbólico: Esse poder está ligado à natureza do cargo, ou seja, se este está diretamente

associado à operação fabril. Os ocupantes dos cargos ligados à operação exercem o poder sobre os que fazem parte das atividades de apoio e suporte. Espera-se que os que ocupam posições formais de autoridade, sejam necessariamente originários de um desempenho técnico superior aos demais.

Violência simbólica: Aparece em três situações, na primeira a coerção ocorre por meio das

relações estabelecidas, ou seja, pela utilização da rede social que faz o agente pertencer a uma família, preferencialmente, de predominância de capital cultural. Na segunda a coerção acontece por meio da capacidade de elaboração e planejamento das atividades e não de execução, demonstrado, por exemplo, através da interferência constante dos gestores nas atividades de suas equipes e também na falta de escuta de suas demandas. A terceira apresentação dessa violência é através de favorecimentos realizados a partir de conluios entre subordinados e chefias, que levam ao reconhecimento por um bom trabalho e pela não punição ao descumprimento de procedimentos.

Illusio: É percebida através dos rituais de reconhecimento nos quais as figuras formais de

autoridade possuem uma participação fundamental, identificando publicamente quem são os agentes diferenciados. Os colegas também contribuem para essa circunstância no momento em que reconhecem os agentes diferenciados como tal. O reconhecimento favorece o agente com prestígio e status, o que o faz buscar cada vez mais o interesse em fazer parte do jogo estabelecido.

Nomos:

1. As verdades absolutas são as referentes ao conhecimento técnico da operação fabril, e quem as possui tem liberdade para exercer uma autoridade informal sobre os que não tem.

2. O foco principal é a produção, todos os outros processos estão em segundo plano.

3. As atividades são realizadas de maneira correta quanto estão alinhadas tecnicamente com o que é determinado pela operação fabril.

4. Os desafios devem ser destinados para aqueles que possuem condições técnicas de exercê- lo.

5. Respeito às pessoas

6. Todos devem buscar informações e alternativas na resolução dos problemas, independentemente dos procedimentos existentes.

7. Os problemas são tratados de maneira superficial, sem aprofundamentos e dessa forma se tornam recorrentes.

8. Foco em simplificação de custos, fazer mais com menos.

9. Há a permissão de certos comportamentos, não há uma postura enérgica frente ao descumprimento dos procedimentos.

Estratégias:

Uma das mais utilizadas na PAB é a de manutenção e conservação da posição atualmente ocupada no campo por meio da valorização do próprio trabalho em detrimento de atividades consideradas pessoalmente como secundárias, normalmente entendendo secundária como as de apoio e suporte à operação.

A estratégia de acúmulo de capital seja ele cultural ou social também é praticada com freqüência pelos agentes.

Posições ocupadas pelos agentes:

Empregados novos: buscam espaço para demonstrar sua capacidade de realização e se diferenciar por meio da ocupação de novas posições como as dos antigos empregados.

Empregados antigos: buscam a manutenção do espaço conquistado ao longo dos anos.

Empregados que atuam diretamente na operação: tentam se sobrepor aos demais como autoridade informal.

Empregados que não atuam diretamente na operação: buscam autonomia e reconhecimento como forma de valorizar o trabalho de apoio/suporte à operação, de forma a ter uma nova posição no campo, diferenciada da atual.

lógica racional e cartesiana no qual o foco é quantitativo e não qualitativo, portanto não favorecendo o trabalho em equipe e tornando a decisão muitas vezes unilateral.

Ethos: os agentes sentem-se valorizados a partir do momento que se sentem

reconhecidamente parte da “grande família” da PAB.

Hexis: o agir dos agentes está desvinculado das políticas, normas, regras e procedimentos

formais da PAB, tendo como principal premissa a superação dos desafios como forma de manutenção da imagem da organização.

As constatações citadas permitem compreender os mecanismos de reprodução social não como elementos soltos dentro de uma estrutura, mas como um jogo estabelecido possuidor de regras internas, jogadores com estratégias, e posicionamentos determinados a partir das relações estabelecidas, e é essa estrutura que neste caso favorece a PAB a persistir ao longo dos anos.

Essas constatações não visam a “busca por culpados”, ou seja, o propósito da identificação da dinâmica não pressupôs verificar quem a provoca, mesmo porque isso iria contra a própria teoria que respalda o trabalho. Ao se desvelar a estrutura que subjaz ao que pode ser visto a “olho nu”, entende-se que não é possível identificar um único responsável pela manutenção do status quo, há relações inconscientes que se constituem em prol do jogo estabelecido por todos, independentemente dos cargos ocupados, tempo de empresa e área em que atuam, justamente por estarmos tratando de uma estrutura estruturada e estruturante.

Essa condição dá sentido ao título desta dissertação, ao nomear a situação que circunscreve a condição de todos os agentes: “fantoches de si mesmos”, não por ordenação divina, mas pelos condicionantes de uma ordem social criada e mantida provavelmente em decorrência do sucesso alcançado pelo negócio PAB. Essa realidade não está fadada ao eterno, espera-se que a partir do momento em que um grupo de agentes tenha contato com o conhecimento descrito nesta pesquisa, seja possível que de forma consciente, possam optar por caminhos que estejam alinhados com a proposição declarada de valores, diminuindo a incoerência identificada entre o discurso (teoria) e a prática organizacional.

Essa incoerência é o que mais se destacou nos resultados obtidos, e é possível que esteja baseada no desejo de se construir uma organização que distribua de maneira igualitária os seus valores e não apenas no discurso na prática, ou seja, que os valores relacionados ao chamado “lado humano da organização”, sejam tão efetivos quanto os que dizem respeito à

produção, e assim possibilitar a construção de um ambiente de trabalho com uma dinâmica interna que estimule uma convivência mais equilibrada entre os agentes desse campo.

Mesmo porque, sob a perspectiva de um ambiente que valorize os indivíduos e os possibilite um espaço de realização criativa, de autonomia e participação efetiva, a interpretação das informações coletadas e suas respectivas análises demonstram que esses aspectos são destinados a um grupo seleto de profissionais, restringindo consideravelmente a criação de uma gestão participativa extensiva a todos os funcionários, de forma igualitária.

A importância de se pensar em uma mudança e ou inovação a partir de uma nova ordem social na PAB está ligada a outros aspectos que vão além do ambiente de trabalho, ou seja, considerando a perspectiva financeira, é importante perceber que, até o momento, a PAB faz parte de um mercado que possui um cenário econômico e político que permanece em crise e que continua sofrendo com suas oscilações, significando, portanto que a dinâmica interna de reprodução da ordem social operante provavelmente propiciou bons resultados até o momento, mas não se sabe ao certo se continuará a surtir os mesmos resultados. A PAB não é um organismo isolado, sua sobrevivência provém também de sua participação em um campo muito maior e talvez mais complexo do que o seu próprio.

Um outro ponto a ser considerado é com relação ao que tange as questões ambientais, ou seja, esse fator não foi evidenciado nos resultados obtidos como uma prática efetiva, apesar de ter sido identificado como um valor declarado (Obsessão por Meio Ambiente), podendo-se concluir que apesar da PAB estar localizada na Região Oriental da Amazônia, talvez esse fato – na prática - ainda não possua uma importância significativa ou destacada para o seu negócio.

Para Bourdieu, é possível se realizar uma transformação das relações, a partir do descolamento entre habitus e o campo, no qual o habitus é incapaz de gerar práticas conformes ao meio, e de acordo com Bourdieu (1997), essa é a grande fonte impulsionadora de mudança e inovação social, desta forma poderíamos sugerir que o paradoxo citado acima retrata justamente esse descolamento e, dessa forma, é possível a construção de um espaço frutífero para que mudanças aconteçam.

O questionamento que fica a partir das conclusões comentadas é que se ao tornar o que é inconsciente em consciente, os envolvidos escolheriam por continuar dessa forma?

Assim, é possível que os resultados dessa dissertação contribuam para o favorecimento de tal mudança ou inovação e, como tal, para a construção de um ambiente

que possam ser provedores de novos limites de atuação e decisão e, principalmente, que possam ser reconhecidos por isso, independentemente do nível hierárquico que possuem, ou da natureza do cargo que ocupem.