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A dinâmica subjetiva dos valores: o perceber, julgar e valorizar do habitus

CAPÍTULO I: AMAZÔNIA ORIENTAL BRASILEIRA E A MINERAÇÃO

2.3 O estruturalismo de Pierre Bourdieu

2.3.3 O habitus e seus constituintes

2.3.3.1 A dinâmica subjetiva dos valores: o perceber, julgar e valorizar do habitus

Para Hessen (2001), o sentido da vida humana reside, precisamente, na realização dos valores, ou melhor, na concepção que temos destes. Aquele que nega todos os valores, nada mais vendo neles do que ilusão, não poderá deixar de falhar na vida. Em contraposição, todo aquele que conhecer os verdadeiros valores e, acima de todos, os do bem, e que possuir uma clara consciência valorativa, não só realizará o sentido da vida em geral, como saberá ainda achar sempre a melhor decisão a tomar em todas as suas situações concretas.

Realizando o exercício de compreender a teoria de Hessen à luz do conceito de

habitus, poder-se-ia dizer que os valores do bem provavelmente seria os introjetados a

partir da reprodução social realizada no campo, assim ele continuaria a pertencer a sua classe ou mesmo a preservar sua posição ocupada a partir da prática dos valores que historicamente vêm sendo praticados e assim possuir algum tipo de sentido na vida.

O conceito de “valor” para o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007, p.1176) é:

Em geral, o que deve ser objeto de preferência ou de escolha. Desde a Antiguidade essa palavra foi usada para indicar a utilidade ou o preço dos bens materiais e a dignidade ou o mérito das pessoas. Contudo, esse uso não tem significado filosófico porque não deu origem a problemas filosóficos. O uso filosófico do termo só começa quando seu significado é generalizado para indicar qualquer objeto de preferência ou de escolha, o que acontece pela primeira vez com os estóicos, que introduziram o termo no domínio da ética e

bem em sentido subjetivo, podendo assim considerar os bens e suas relações hierárquicas como objetos de preferência ou de escolha.

Se considerarmos que os valores determinam as escolhas e preferências, consequentemente, os comportamentos dos agentes, podemos afirmar que permeiam a realidade e operacionalidade do habitus de um espaço social determinado. E da mesma forma, portanto, é possível entender, visualizar e tornar claro o habitus a partir do desvelamento dos valores.

Isso porque nem tudo o que é visível e aparente é o real, nesse caso o real significaria o simbólico, ou seja a representação, a imagem concebida pelo agente a partir das relações que constrói no campo e consequentemente suas escolhas e comportamentos, dessa maneira os valores que podem ser entendidos justamente como tais representações do modo de perceber o mundo social por parte dos agentes.

De acordo com Hessen (2001) a representatividade citada acima pode ser esclarecida a partir não exatamente da definição que se dá a valor, mas sim a partir de seu conteúdo, que pode significar:

a) a vivência de um valor que permanece no domínio da consciência;

b) a qualidade de valor de uma coisa que permanece no domínio do naturalismo, em que o valor é apenas uma qualidade real de certos objetos;

c) a própria idéia de valor em si mesma e esta não tarda em coisificar os valores, como já aconteceu com Platão.

Morente (1930) trata do aspecto ligado ao segundo item citado, a linha do naturalismo, no qual todas as coisas possuem um acento peculiar que as faz serem melhores ou piores, boas ou más, belas ou feias, santas ou profanas, ou seja, não há coisa alguma diante da qual não adotemos uma posição positiva ou negativa, uma posição de preferência, visto do lado do objeto, não há coisa alguma que não tenha um valor, umas serão boas, outras más, umas úteis, outras prejudiciais, porém nenhuma absolutamente indiferente.

De acordo com a abordagem de Bourdieu, essa classificação de valor que se define entre os opostos (positivo ou negativo) pressupõe um julgamento, e como tal, um modo específico de pensamento que envolve inclusive a moral cotidiana, os sentimentos, os desejos e que conclui se algo é bom ou ruim. Esse tipo específico de lógica de análise pode

ser entendida como os componentes do habitus, ou seja, o ethos, e o eidos já explicados no capítulo anterior.

Nesse momento, é cabível o reconhecimento mais uma vez da transmissão de tal padrão de pensamento através do habitus que determina o resultado final que seria a definição do valor.

Essa afirmação é confirmada por Morente (1930) que esclarece que o critério de valor não consiste no agrado ou desagrado que nos produzam as coisas, mas em algo completamente distinto; isso porque uma coisa pode produzir-nos agrado e não obstante ser para nós considerada como má. Dessa forma, valor não é um ente, mas é sempre algo que adere à coisa e, consequentemente, é o que chamamos vulgarmente uma qualidade, ou seja, o valor é uma qualidade de coisas, irreais, alheias à quantidade, ao tempo, ao número, ao espaço e são absolutas.

Como qualidade, os valores não podem ser demonstrados, mas a única coisa que se pode fazer é mostrá-los; porém Hessen (2001) trata esse “mostrá-los”, afirmando que na realidade os valores passam a existir sob a forma de qualidades e assim são trazidos e sustentados pelos seus objetos, dessa forma se mostrando através destes.

É pertinente também entender valor sob o aspecto da vivência do mesmo, como algo que satisfaz uma necessidade, ou seja, tudo aquilo que for apropriado à satisfação, isso porque tal coisa tem valor, pois o objeto necessário tem o dito valor. (Hessen, 2001). Esse enfoque é muito utilizado por teóricos da psicologia que remetem à idéia de valor com relação à hierarquização de determinadas necessidades sejam elas sociais, de representatividade, de segurança, ou seja, os conceitos desenvolvidos por Maslow20 (1954).

Essa questão do valor, ao ser entendida como um aspecto da vivência por meio da satisfação de uma necessidade, poderia estar conectada com o conceito de “capital simbólico” de Bourdieu que trata justamente do agente se tornar, “ser” através de seu reconhecimento. Tal reconhecimento pode vir através de diversas situações que gerariam satisfação aos agentes, logo compreender as necessidades advindas dos agentes, também é um caminho que leva ao mapeamento dos valores que constituem o habitus.

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No decorrer desses parágrafos foi possível demonstrar alguns conceitos e, por conseguinte limites interiores e exteriores no que tange o conceito de valor, ou seja, alguns enfocam as questões subjetivas como se o valor dependesse do julgamento ou escolhas internas das pessoas, enquanto que outros enfocam o mundo circundante e seus condicionantes, assim enfatizando a forma como os valores se apresentam nos contextos.

Dessa forma, é possível verificar que assim como os valores estão presentes no

habitus também fazem parte da dinâmica do campo, já que ambos, habitus-campo, co-

existem mutuamente.

Para Vieira e Cardoso (2003), os valores pessoais tratam daqueles que foram adquiridos ao longo da vida através da educação, seja ela formal ou informal e redunda na maneira pela qual o mundo é percebido. Reforçam que os valores pessoais formarão a base da ação comportamental para que as pessoas busquem realizar seus anseios e aspirações na construção da vida. Assim, entender as ações é procurar entender os valores pessoais externalizados através da construção desse mundo.

Essa questão da individualidade dos valores se relaciona com o conceito de habitus individual no qual ele traduz as histórias pregressas do agente, e coletivo de Bourdieu (1994). Como já explicitado no capítulo anterior, é ao mesmo tempo um princípio de socialização e de individuação.

Esses autores também afirmam que esses valores são verdadeiros a partir do momento que são percebidos por um terceiro, por meio dos seus atos, de outro modo não passam de intenções, o que vai ao encontro tanto do conceito de capital simbólico de Bourdieu (1996), na medida em que, da mesma forma que o reconhecimento é um ato gerado por um terceiro o de habitus também é o que determina a forma de agir, pensar, julgar e sentir do agente.

Essa abordagem com relação à percepção de terceiros pode ir ao encontro das idéias de Hessen (2001) no que diz respeito à forma como os valores se mostram, ou seja, o autor esclareceu anteriormente que os valores passam a existir a partir dos objetos e assim podemos analisar que, ao se mostrar os executantes da ação, estes passam a ter valor aos olhos de quem os observa e este valor, por conseqüência, torna-se uma qualidade do executante.

Assim, alguém poderia se tornar honesto aos olhos dos terceiros a partir do momento que enxergaram por meio de ações e fatos que isso é uma qualidade que o executante possui e que eles valorizam. Aprofundando um pouco mais, talvez fosse possível unir essa situação com a afirmação dos autores com relação à forma como os valores pessoais surgem, ou seja, a partir da relação com os valores das outras pessoas, que são de alguma forma importante ou não do ponto de vista de quem observa.

Brentano (apud Hessen, 2001) complementa essa concepção por meio do ato de amar e odiar, do gostar e não gostar, o qual possibilita que os valores se tornam perceptíveis, além disso, é só numa característica formal de amor, equivalente à evidência no domínio do juízo, que nós os apreendemos; ou seja, só chamamos boa a uma coisa quando o amor que a toma por objeto é um amor correto e justo.

A partir das diversas abordagens citadas é possível verificar que a questão dos valores pessoais está diretamente ligada à questão do mundo interno das pessoas, ou seja, pode ser considerado como um processo intrínseco, apesar de terem interferência da realidade no qual estão inseridos, mas a definição do que é ou não valor torna-se exclusividade das escolhas subjetivas das pessoas, a partir de seus sentimentos, emoções e julgamento, dessa forma constituindo o habitus e se tornando uma boa maneira de desvendá-lo.

É importante salientar que ao falar de subjetivismo, cabe a reflexão que este advém do contato com as estruturas formais (vertente formal do campo) de reprodução social, que segundo Bourdieu são as escolas, as igrejas, ou seja, as instituições formadoras de opiniões, logo esse subjetivismo nada mais seria do que o mundo objetivo interiorizado que é exteriorizado a partir das escolhas dos agentes. Logo, o desvendar do habitus por meio da leitura dos valores dos agentes, pressupõe também a leitura das estruturas formais (vertente formal do campo) referentes ao espaço social que compreende tais agentes.

Esse processo de desvelamento deve ser entendido como a realização de uma pesquisa que comportasse um método conivente ao conteúdo teórico anteriormente discorrido, ou seja, o método estruturalista de pesquisa e é sobre este que tratará a continuidade deste capítulo.

principalmente a partir dos conceitos desenvolvidos por Lévi-Strauss na busca do real entendimento da práxis.

CAPÍTULO III - O MÉTODO ESTRUTURALISTA DE PESQUISA: a teoria e a práxis da investigação

O presente capítulo é constituído por três itens que ser propõe a transpor a teoria para a prática, o primeiro que trata sobre a teoria do método estruturalista de pesquisa, o segundo especificamente da prática de pesquisa realizada, e o terceiro discorre sobre as limitações do método.