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CAPÍTULO IV: RESULTADOS OBTIDOS NO CAMPO: retornando ao

4.4 Gênese e estrutura do habitus da PAB

4.4.3 O agir: sobre a Hexis

Valores praticados Valores declarados

Os procedimentos não são cumpridos Obsessão por Segurança & Meio

Ambiente: a integridade das pessoas e

nossas atitudes e ações.

Diante de uma dificuldade tem que usar o convencimento, investir tempo

em conversas individuais, com

justificativas e bons argumentos. Tem que ir costurando

Foco em Resultado: as ações de todos

devem assegurar que os objetivos e metas da empresa sejam atingidos.

É uma prática representar e

resguardar a imagem da empresa, fazer o que é melhor pra ela.

Fascinação por Conquistas: ir além

dos resultados alcançados, buscando

incessantemente a superação de

desafios.

Buscar informações e alternativas na resolução dos problemas.

Não foi identificada uma declaração

correspondente.

Os procedimentos não são seguidos por uma questão cultural da empresa.

Não foi identificada uma declaração

correspondente.

Os problemas são tratados de

maneira superficial, não há um aprofundamento nas questões. Os

problemas são recorrentes. As

decisões são rápidas e sob cobrança.

Não foi identificada uma declaração

correspondente.

Atendimento as necessidades da

empresa, mesmo que para tal tenha que se fazer algo que desagrade pessoalmente..

Não foi identificada uma declaração

correspondente.

Foco em simplificação de custos,

fazer mais com menos.

Não foi identificada uma declaração

correspondente.

Dentro dos conceitos constituintes do habitus, a hexis seria a que mais poderia representar o agir, sendo esse também compreendido como sendo o resultado do sentir com o

pensar. Segundo Setton (2002), as ações, comportamentos, escolhas ou aspirações individuais

não derivam de cálculos ou planejamentos, são antes produtos da relação entre um habitus e as pressões e estímulos de uma conjuntura. Como tal, entre o comportamento e o efeito no jogo do campo, há a estratégia, ou seja, as articulações, os manejos em busca de novas posições.

Em uma primeira instância de análise, pode-se de maneira geral afirmar que a base de comportamento, por conseguinte, o que permeia o falar, o andar, o gesticular e o olhar dos agentes dentro da PAB estão baseados na independência com relação aos procedimentos possivelmente inspirada na criatividade e geração de alternativas na resolução das dificuldades e problemas como forma de se superar os desafios e as barreiras e assim zelar pela imagem da organização.

Em um segundo nível de análise, partindo para um confronto com a estrutura declarada, pode-se interpretar que há um conflito com relação ao valor que trata da obsessão por segurança do trabalho e meio ambiente, uma vez que a ação padrão, de acordo com o que descreve o valor praticado, determina justamente o seu oposto, isto é, para que se possa alcançar uma ação obsessiva é necessário o rigoroso cumprimento dos procedimentos, normas e regras descritas sobre o assunto, porém se a prática dita justamente a autonomia e liberdade de ação independente da existência formal de manuais que dizem o “como deve ser feito”, há uma incoerência entre a prática e o discurso adotado formalmente pela PAB.

Já em relação aos demais valores declarados, poder-se-ia afirmar que eles estão alinhados e como tal, mais uma vez a estrutura está estruturando os agentes. O habitus individual já pode ser representado como coletivo e como tendo absorvido a percepção desejada do que é imposto no jogo. Tal alinhamento é demonstrado através da reprodução pela determinação pelas conquistas, superação dos desafios e o foco no alcance dos resultados.

Para Bourdieu, a maior parte das ações dos agentes é produto de um encontro entre um

habitus e um campo, logo, as estratégias surgem como ações práticas inspiradas pelos

estímulos de uma determinada situação histórica, elas são inconscientes, pois tendem a se ajustar como um sentido prático às necessidades impostas por uma situação, um jogo.

Assim, analisando em linhas gerais as afirmações manifestadas, pode-se dizer que o não cumprimento dos procedimentos pode ser identificado como uma estratégia de conservação do capital cultural, uma vez que o que é valorizado não é necessariamente o seguimento das normas e padrões – como dito anteriormente, mas sim, a maneira como os agentes articulam por meio do capital social, utilizando-se de seu capital cultural.

Outra ação que compartilha desse mesmo tipo de estratégia, ou seja, da conservação da forma de capital cultural, é a utilização do convencimento, com investimento de tempo, argumentos e justificativas para o alcance de resultados. Além disso, também é possível

O fato dos problemas serem tratados de maneira superficial também reforça a predominância da estratégia já comentada, pois a partir do momento que o processo está totalmente estabilizado é possível que a “moeda de troca” mais valorizada não seja mais a questão do capital cultural entendido como conhecimento técnico da operação e sim outros fatores como a criatividade e inovação.

A estratégia de ação que se mostrou complementar à de conservação foi a de sucessão entendida como a possibilidade de ingresso nas camadas dominantes a partir da busca de informações e criação de alternativas na resolução dos problemas.

O enfoque de análise dos resultados da pesquisa até o momento buscou confrontar a estrutura praticada com a declarada para, posteriormente, percebê-la à luz do referencial teórico proposto. Além disso, será apresentada a seguir uma outra leitura que contribui e complementa a análise aqui desenvolvida.

A estrutura declarada possui apenas dois valores que podem ser entendidos como fortemente ligados à questão técnica (foco em resultado e fascinação por conquistas) e assim, apresentando um volume maior de valores que poderiam ser ditos como comportamentais (obsessão por segurança e meio ambiente; relações confiáveis, coerentes e transparentes com as pessoas; respeito, bem-estar e desenvolvimento das pessoas; relacionamento sustentável com acionistas, clientes, fornecedores, sindicatos, órgãos públicos e comunidades; e trabalho em equipe e decisões compartilhadas).

Já na estrutura praticada existe a predominância dos valores ligados às questões técnicas, relacionadas com o tipo, quantidade e qualidade do conhecimento adquirido no tocante à operação. Os valores de cunho comportamental, relacionado às pessoas aparecem, mas com uma freqüência bem inferior, o que poderia significar que as práticas institucionais não valorizam tanto as pessoas como um diferencial competitivo, mas sim como um fator de produção.

Outro ponto relevante é que não há uma hierarquia formalizada dos valores declarados da PAB, já com relação à matriz de valores praticados pelos empregados, há uma significativa escala de valores.

De maneira geral, esse “descolamento” entre o discurso representado por meio dos valores formais e a prática mapeada e traduzida pela matriz manifestada pelos empregados da empresa nos possibilita a entrada no nível de reflexão não apenas do campo, mas do seu profundo inter-relacionamento com o habitus.

Apesar da exploração e elaboração conceitual realizada a partir das conexões trabalhadas entre a pesquisa de campo realizada na PAB e o referencial teórico abordado, há

evidentemente aspectos desta realidade social e da teoria de Bourdieu que não puderam ser tratados, devido aos limites de minha própria abordagem e leitura dessa realidade a qual pertenço, de certa forma. Os temas foram trabalhados separadamente, para efeito de análise, respeitando-se situacionalmente a necessidade de interconectividade entre eles, que é inerente aos próprios conceitos e que compõe a dinâmica de reprodução social da PAB.

Dessa forma, para Wacquant (2003) o habitus não é um mecanismo auto-suficiente para a geração da ação, mas ele opera como uma mola que necessita de um gatilho externo e não pode, portanto, ser considerado isoladamente do mundo social particular, ou campo, no interior do qual evolui. Logo, essa análise perpassou por uma tripla elucidação, não apenas da gênese estrutural do habitus e do campo, mas também da dinâmica interna ou do que chamou Bourdieu (2000) de “confrontação dialética”.