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CAPÍTULO I: AMAZÔNIA ORIENTAL BRASILEIRA E A MINERAÇÃO

2.2 O estruturalismo de Claude Lévi Strauss

Claude Lévi-Strauss, antropólogo, professor e filósofo francês é considerado um dos maiores pensadores das ciências sociais e do campo científico mundial. Foi fundador da Antropologia Estruturalista, em meados da década de 1950 e tido como um dos principais intelectuais do século XX.

Lévi-Strauss nasceu em 190812 em uma família culturalmente bem desenvolvida e que valorizava a arte, tanto que em vários momentos de sua obra referenciou ou fez uso de relações com o universo musical que mais tarde influenciara sua leitura estrutural dos mitos.

Durante o período de 1927 a 1932 estudou filosofia na Sorbonne, onde teve a aproximação teórica com os mestres da sociologia francesa, como Comte e Durkheim,

12 Os dados biográficos de Lévi-Strauss que estão descrito no referido capítulo foram embasados nos artigos de Acílio da Silva Rocha publicados na Revista Portuguesa de Filosofia.

autores sobre os quais mais tarde realizou algumas críticas, assim como Marcel Mauss, sendo este reconhecidamente um de seus mestres prediletos.

Chega a inscrever-se e a iniciar o curso em Direito, porém ao se desiludir retorna seus esforços para a filosofia. Essa época foi marcada pela emergência das teorias psicanalíticas, sobretudo a leitura de Freud, e pelo seu interesse pela geologia. O contato com Freud o projeta para o entendimento do além do visível, ou seja, se dá conta da existência de uma categoria mais fundamental, a do significante, que seria a mais alta maneira de ser do racional.

Assim, a psicanálise fez com que o conceito de inconsciente ocupasse um espaço privilegiado na obra de Lévi-Strauss, porém não totalmente alinhado à noção de pulsão e do desejo, mas sim alinhado com o pensamento kantiano de inconsciente que impõe o homem às leis estruturais ao pensamento, a linguagem, ao indivíduo e à sociedade.

A aproximação com a geologia o apresentou ao tipo de estruturalismo que buscava, no qual o estudo dos fenômenos lingüísticos só é completo quando observados tais fenômenos dentro do sistema e na sua evolução histórica, que é a história do próprio sistema. Teve como complementação ainda a influência da obra de Marx a qual reforçou que a leitura do real se efetiva a um nível que não é a do consciente.

Foi através da leitura da obra Primitive Sociology de Robert H. Lowie que começou a se interessar pela etnologia. A partir daí aceitou o convite da Universidade de São Paulo para ser responsável pela cadeira de sociologia. Em suas férias teve contato com as populações indígenas brasileiras que relata na obra “Tristes Trópicos” em 1955, e se torna um dos intelectuais franceses mais conhecidos nos círculos acadêmicos.

Em meados de 1959 foi nomeado para a cadeira de Antropologia Social do Collège

de France e também publicou a obra Antropologia Estrutural. Foi nesse momento que

organizou uma série de discussões, contrapontos entre as visões existencialistas e estruturalistas. Posteriormente, esses debates vieram a inspirar outros autores como Pierre Bourdieu.

Sua trajetória como pesquisador e etnólogo o permitiu enxergar não apenas novas teorias antropológicas, mas também a favorecer novas maneiras de se fazer conhecer a realidade humana. Foi a sua vivência em etnologia que o permitiu confrontar a teoria com a

prática e promover uma aproximação com ganhos reais nas discussões e fundamentações dos estudos dos fenômenos sociais.

Para Escobar (1967) na medida em que o trabalho do sociólogo se limita comumente à constituição de tipos de sociedade, o etnólogo, por sua vez, procurou avançar no seu processo de investigação para atingir as “estruturas”, pois trabalhando no nível dos fatos, e só se destacando deles, lentamente, na medida em que se vão constituindo as normas e símbolos correlatos, a análise estrutural não se tranca em leis rígidas, permanecendo pelo contrário aberta a muitas possibilidades e ordenamentos.

Dessa forma, a diversidade e a complexidade do material de que o etnólogo dispõe servem-lhe para procurar certas propriedades gerais, válidas em qualquer circunstância, com as quais ele pode inserir o mesmo nas diferenças, e isto sem pressupor uma humanidade eterna, assim como condições exteriores imutáveis.

Assim, citando Thiry-Cherques (2008), sua base científica se propõe a desenvolver uma teoria do logicamente possível, construída a partir do real concreto e não algo amarrado aos preceitos estabelecidos pela ciência, favorecendo que o que advém da pesquisa de campo não seja algo especulativo, mas sim uma possibilidade de unir, ou melhor, convergir à teoria e a prática real.

Para Rocha (1976) o estruturalismo de Lévi-Strauss conclui que o estruturalismo faz uso ou caminha com as ciências humanas da mesma forma que a lingüística utilizou das leis científicas na determinação dos processos inconscientes, ou seja, o autor procurou “remontar à arquitetura do espírito, isto é, as próprias estruturas do espírito do homem” (ROCHA, 1976, p.180).

No estruturalismo lévi-straussiano o foco é revelar a significação, não insistindo sobre o “porque”, ele relega o vivido para atingir o objetivo, não nega o vivido, mas faz da atividade intencional e dos seus efeitos o objeto das suas análises. Considera o conhecimento histórico como complementar à análise estrutural, mas em nível de informação empírica apenas.

Como etnólogo, mergulhou nas culturas e passou a entendê-las como uma estrutura universal e natural do espírito constituída por caracteres lógicos que não se explicam pela consciência que dos que a vivenciam. A lógica universal é subjacente a quaisquer combinações ou relações.

Rocha (1976) afirma que a peculiaridade das ciências sociais caracteriza-se pela dimensão dicotômica do seu objeto: coisa e representação. Para o positivismo, a representação dependia das coisas, já no entendimento lévi-straussiano não há anterioridade das coisas sobre as representações. Isso porque, para ele, o fato social é simbolizado, significando, portanto que o pensamento simbólico não vem após a existência da sociedade, mas é o surgimento do pensamento simbólico que torna a vida social necessária.

Assim, o social não é real se não estiver integrado em sistema: o simbólico e o sistema estão ligados, entre si, no social, sendo o fundamento do simbólico a estrutura inconsciente do espírito, articulando assim, inconsciente, simbólico e social.

De acordo com Thiry-Cherques (2008), Lévi-Strauss recebeu influências da obra de Marcel Mauss, a principal delas é justamente a noção de que “a vida social é um mundo de relações simbólicas”.

A respeito do conceito de inconsciente do espírito diz Lévi-Strauss (1975, p.234):

O subconsciente, reservatório de recordações e de imagens, colecionadas ao longo de cada vida, se torna um simples aspecto da memória, ao contrário, o inconsciente está sempre vazio, ou mais exatamente, ele é tão estranho às imagens quanto o estômago aos alimentos que o atravessam, órgão de uma função específica, ele se limita a impor leis estruturais.

O inconsciente representa a causa ausente dos efeitos de estrutura. Para Azzan (2008) o inconsciente lévi-straussiano é uma categoria formal e se constitui, como se fosse uma espécie de modus operandi, num modo de operação lógica e formal dos conteúdos que se lhe apresentam, e que ele tem por tarefa exatamente ordenar e significar.

Esse modus operandi é constituído por elementos universais na atividade do espírito humano entendidos como parte irredutíveis e suspensas em relação ao tempo que perpassariam todo o modo de pensar dos seres humanos.

O pensamento lévi-straussiano localiza o problema como o desvelamento dos conteúdos latentes, das propriedades mais profundas. A questão é antropológica, o estruturalista considera o campo de análise como o lógico, o sistema formal, ou seja, a via de penetração à manifestação da lógica das significações por uma operação de decodificação, por isso o estruturalismo é chamado de uma “filosofia sem sujeito”, uma vez que este estaria submisso totalmente às ordenações e desmandos do inconsciente (ROCHA,

Para Lévi-Strauss (1973), a estrutura revela-se pelos modelos, ou seja, a simplificação estrutural faz-se por meio destes que são uma simplificação e formalização dos dados. Os modelos são também esquemas das relações invariantes que torna a estrutura observável, deixando de ser latente e oculta na realidade. Porém, não se trata de um formalismo, de simplesmente opor o concreto ao abstrato justamente porque a estrutura é o próprio conteúdo apreendido em uma organização lógica, concebido a partir do real.

A distinção entre inteligível e sensível ou entre concebido e vivido se reporta à separação entre, por um lado dos artefatos teóricos e intelectuais e, por outro, o mundo empírico que em tese a estrutura deve reportar. Isso tudo é a distinção entre estrutura e realidade, o princípio fundamental é a noção de que estrutura social não se refere à realidade empírica, mas aos modelos construídos em conformidade com esta (ROCHA, 1975).

Para Escobar (1967) quando Lévi-Strauss discorre sobre estrutura social, isso nada tem a ver com realidade empírica e sim com modelos que surgem da observação das relações sociais. Esses modelos têm a função de formalizar o real e de revelar a estrutura.

Para Rocha (apud LÉVI-STRAUSS, 1975) os modelos possam corresponder às estruturas que traduzem devem satisfazer a quatro condições:

1. Quando existe uma ligação entre os elementos que favorece a alteração no todo a partir da modificação de parte dele;

2. Os modelos se agregam por semelhança, ou seja, os modelos que pertencem a um grupo de transformações corresponderão a um modelo da mesma família e que consequentemente constituirão um grupo de modelos;

3. Os grupos de modelos possuem um padrão determinado de reação, permitindo certa previsão de comportamento dos seus elementos;

4. O modelo construído permite que seu funcionamento possa dar conta de todos os fatos observados.

A partir das considerações acima, é possível demonstrar que apesar de uma estrutura não ser um sistema, sua representação por meio do modelo possui um caráter sistemático no momento do reconhecimento da existência da interconexão relacional, no qual sua conglomeração se origina por semelhanças ou familiaridades e estas determinam as reações do próprio modelo a partir dos fatos observados.

De acordo com Thiry-Cherques (2006, p.141) a proposta de Lévi-Strauss, baseia-se:

1. Em considerar não o fenômeno consciente e as relações que mantém entre si os elementos diretamente observáveis, mas a voltar-se para a estrutura inconsciente – que sustenta e ordena estes elementos e estas relações;

2. Em estudar não mais os elementos, mas, ao contrário, privilegiar a descrição e a análise das relações entre os elementos;

3. Em se concentrar na ordenação destas relações como sistemas inteligíveis, não como invenções do espírito nem como simples abstrações, mas como relações, que ainda que baseadas no empírico sejam também racionais, isto é, são passíveis de serem representadas por esquemas lógico-matemáticos;

4. Em se restringir aos sistemas efetivos, isto é, aos sistemas de relações simultâneas em um tempo dado (os sistemas sincrônicos), e abandonar toda a idéia de origem e formação histórica dessas estruturas (a diacronia);

5. Em identificar as leis gerais destes sistemas, seja por indução seja por dedução lógica.

O autor acima citado proporciona uma simplificação objetiva da proposta de Lévi- Strauss, de modo a torná-la tão inteligível quanto possível. Vem complementar a perspectiva de elaboração de modelos à luz das quatro condições.

Piaget apud Lévi-Strauss (1974) afirma que se a atividade inconsciente do espírito baseada na imposição de formas a um conteúdo e também se essas se reproduzem ao longo do tempo para todos os espíritos, antigos e modernos, primitivos e civilizados, é necessário e suficiente atingir a estrutura inconsciente, subjacente a cada instituição e a cada costume, para dessa forma replicar esse princípio de explicação para outras instituições e outros costumes, possibilitando, inclusive o prolongamento das análises.

O estruturalismo de Lévi-Strauss funciona por oposições binárias, não propriamente no sentido de aferir conflitos ou contradições, mas visa estabelecer oposições que perfazem um equilíbrio no sistema e que, portanto, não requerem necessariamente uma superação por oposição, mas sim são suscetíveis de gerar a sua própria transformação (ROCHA, 1986).

Desta forma, é bastante complexo dimensionar a importância da contribuição do construto teórico de Lévi-Strauss para o campo das ciências sociais, mas no âmbito do presente trabalho nos interessa realizar uma aproximação aos elementos essenciais de sua teoria para embasar a metodologia de pesquisa e facilitar o entendimento dos conceitos a partir de uma visão global do estruturalismo.

Não existiu até então um aprofundamento conceitual com relação aos campos principais de estudo de Lévi-Strauss, ou seja, o sistema de parentesco e o mito. Este último

será discutido brevemente mais adiante, quando o processo metodológico de pesquisa estruturalista for abordado.

Tendo discorrido sobre a trajetória de Lévi-Strauss e seus principais conceitos estruturalistas, e, portanto construído um arcabouço teórico consistente como forma de se ter referência para os contrapontos estabelecidos por Pierre Bourdieu, podemos seguir para o próximo capítulo, que tratará da trajetória e obra do autor de prima importância para a produção científica em questão.