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A configuração do debate público

A expressão «debate público» tem como referência intrínseca um grupo de pessoas que reconhece a existência de um problema, que discute e aceita os pressupostos dialógicos e que, mediante a apresentação de propostas e argumentos, procura chegar a um consenso acerca da linha de acção que deve ser seguida. Wright Mills, partindo da contraposição entre «público» e «massa», estabeleceu os critérios através dos quais um público de pessoas se reúne para discutir acerca de assuntos que envolvem uma acção do Público. Num público, tal como podemos entender o termo: (1) o número de pessoas que expressa opiniões é virtualmente igual ao número de pessoas que as recebe; (2) as comunicações públicas estão

253 John B. Thompson, Media and Modernity, A Social Theory of The Media, Cambridge, Polity Press,

1995, p. 16.

254 Túcícides, História da Guerra do Peloponeso, Livro II, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1987,

organizadas para que exista uma possibilidade eficaz e imediata de responder a qualquer opinião expressa em público; (3) a opinião formada por tal discussão pode traduzir-se numa actuação eficaz frente às instituições revestidas de autoridade; (4) tais instituições não penetram no público que goza, portanto, de um maior ou menor grau de autonomia nas suas actuações. Quando estas condições prevalecem, temos um modelo de uma comunidade de públicos, um modelo que se enquadra na teoria democrática clássica. No extremo oposto, na massa, (1) o número de pessoas que expressam opiniões é muito menor que o número de pessoas que as recebem, pois os públicos transformam-se numa colectividade abstracta de indivíduos que recebem impressões mediante a acção dos meios de comunicação. (2) As comunicações predominantes estão de tal forma organizadas que é difícil ou mesmo impossível ao indivíduo responder imediatamente, ou com eficiência. (3) A opinião é controlada pelas autoridades que organizam e fiscalizam os canais de comunicação. (4) A massa não tem autonomia em relação às instituições, pelo contrário, os agentes de tais instituições nela penetram, reduzindo o seu grau de independência na formação da opinião pela discussão. 255

De facto, a dinâmica colectiva de mudança de opinião ou de formação de consenso entende-se, mais facilmente, ao nível do debate interpessoal onde os conceitos de discussão e troca de argumentos se aplicam necessária e directamente. Com efeito, o conflito entre membros de um grupo ajuda a estimular a discussão, sobretudo porque os indivíduos esforçam-se por restabelecer o consenso interno que, entretanto, se perdeu. Mediante processos de comunicação e mudança de opinião, os elementos do grupo reflectem as suas próprias ideias e passam a ter em conta as ideias dos demais. Tais processos de comunicação são necessários para que os grupos sobrevivam. A formação da opinião discursiva, isto é, o alcance de consenso, «ilustra a dependência mútua entre aspectos colectivos e individuais»256

na tomada de decisões do grupo. Com efeito, apenas mediante a troca dialógica de argumentos se torna possível o estabelecimento de uma plataforma de entendimento comum, sendo certo que as diferenças de participação são justificadas pelas diferenças de influência existentes entre os membros do grupo. O mesmo é dizer que a distinção entre «actores» e «espectadores» é importante para compreender a dinâmica da formação e mudança de

255 «In a public, as we may understand the term, (1) virtually as many people express opinions as receive

them. (2) Public communications are so organized that there is a chance immediately and effectively to answer back any opinion expressed in public. Opinion formed by such discussion (3) readily finds an outlet in effective action, even against – if necessary – the prevailing system of authority. And (4) authoritative institutions do not penetrate the public, which is thus more or less autonomous in its operations. When these conditions prevail, we have the working model of a community of publics, and this model fits closely the several assumptions of classic democratic theory. At the opposite extreme, in a mass, (1) far fewer people express opinions then receive them; for the community of publics becomes an abstract collection of individuals who receive impressions from the mass media. (2) The communications that prevail are so organized that it is difficult or impossible for the individual to answer back immediately or with any affect. (3) The realization of opinion in action is controlled by authorities who organize and control the channels of such action. (4) The mass has no autonomy from institutions; on the contrary, agents of authorized institutions penetrate this mass, reducing any autonomy it may have in the formation of opinion by discussion». Cf. C. Wright Mills, The Power Elite, New York, Oxford University Press, 1999, pp. 303-304.

256 Cf. Vincent Price, La opinión pública; Esfera Pública y comunicación, Barcelona, Paidós, 1994, p.

opinião257 num grupo que admite a troca dialógica de argumentos e posições. Por outro lado, os espectadores compõem a audiência dos actores e seguem as suas acções com diferentes graus de interesse. Neste sentido, é interessante a constatação de Blumer quando este chama a atenção para dois pólos na constituição dos públicos. Um extremo mais activo, verdadeiramente «público» no sentido discursivo, e um extremo que se aproxima mais da conduta das «massas».258

Não obstante, a tarefa de explicar o processo de debate público em termos macroscópicos revela-se mais complexa. Neste caso, «os membros do grupo incluem, por exemplo, políticos individuais, comités governamentais, grupos organizados de pressão, membros menos directamente implicados do público activo e, inclusive, membros amplamente dispersos do público atento que seguem o processo com interesse mas que apenas participam de forma directa nas sondagens de opinião».259 O debate público in

absentia requer meios de intercâmbio de ideias e opiniões que seleccionam, organizam e distribuem as considerações que devem ser partilhadas publicamente. Por conseguinte, para além de facilitarem quer a recolha quer o intercâmbio de ideias, os meios de comunicação «são selectivos ao determinar que tipos de mensagens se retransmitem».260 As elites dos meios de comunicação procuram configurar e moldar a opinião, sobretudo porque não são transportadoras passivas de debate, mas antes participantes activos do debate e discussão pública.

Temos visto que os problemas de que se ocupa a «opinião pública» coincidem com os interesses de determinados grupos sociais, ou de distintas instituições que, devido ao lugar privilegiado que ocupam na esfera pública, constroem socialmente os problemas centrais que devem ser debatidos. Ora, existem, geralmente, duas respostas possíveis à questão «como surgem e quem estabelece e dirige os temas da esfera pública»? Por um lado, há quem defenda que debatemos os problemas mais urgentes, problemas que em democracia são os que afectam a maioria dos cidadãos. Por outro, há quem enalteça o poder relativo de determinados grupos sociais para centrar o debate em temas que são do seu interesse.261

Consideramos as duas respostas como satisfatórias, embora se deva defender uma articulação entre as ambas.

Autores como Hilgartner e Bosk262 estabeleceram cinco proposições que ajudam a

compreender as estratégias de promoção dos temas em debate na esfera pública: i) na esfera pública, múltiplos actores competem para promover problemas específicos como temas de debate; ii) promovem tais problemas em determinadas «arenas institucionais» - esferas públicas – que se podem identificar com organizações pertencentes à sociedade civil; iii) tais

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