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O escândalo Face Oculta no contexto político português: Sobre a TVI e sobre o Jornal Nacional de Sexta

A Televisão Independente (TVI) iniciou a sua actividade televisiva a 20 de Fevereiro de 1993, posicionando-se, originariamente, como o «quarto canal» generalista da grelha televisiva nacional. Afirmando-se como a segunda estação de televisão privada a surgir em Portugal, poucos meses depois da SIC, a TVI tinha inicialmente uma estrutura accionista detida por investidores portugueses e estrangeiros de onde se destacam a Rádio Renascença, a Sonae e outras empresas de comunicação social estrangeiras, tais como a Antena 3 Televisión, a SBS Broadcasting, a Yorkshire Television ou a Compagnie Luxembourgeoise de Télédiffusion. Nos primeiros quatro anos de emissão, as audiências da TVI nunca alcançaram os níveis esperados, o que conduziu a que a empresa atingisse um passivo de cerca de 8 milhões de euros. Em 1997, e devido à delicada situação financeira que o canal atravessava, o grupo Media Capital, presidido por Miguel Paes do Amaral, entra no capital social da estação televisiva com uma posição de 30 por cento. Contudo, é no ano de 1998 que ocorrem algumas transformações estruturais que resultaram no crescimento e no aumento do impacto da estação televisiva. Nesse ano, a Sonae, detida por Belmiro de Azevedo, a par da companhia venezuelana Cisneros e da Lusomundo, passa a deter a gestão do canal. É então que José Eduardo Moniz assume o cargo de director-geral da TVI, precisamente no ano em que a empresa de Miguel Paes do Amaral compra as posições da Sonae, da Cisneros e da Lusomundo, e passa a deter uma posição de mais de 90 por cento da estação televisiva. Precisamente sob a direcção de José Eduardo Moniz, verificou-se uma aposta na informação, na produção de ficção nacional e nos «reality shows», como forma de aumentar as audiências, sobretudo em termos de share.

Entre 1999 e 2007, a TVI cresceu exponencialmente em termos de estrutura de mercado no sector da televisão, facto que coincide com a entrada do maior grupo de comunicação social espanhol, o Grupo Prisa417, na estrutura accionista da Media Capital. Sob a

direcção de José Eduardo Moniz, a TVI passou a ocupar uma posição cimeira, quer em termos de «prime-time», quer em termos de share em «all day». De facto, os dados recolhidos pelo Observatório da Comunicação (Obercom), revelam que «a posição competitiva da TVI melhorou exponencialmente no “prime-time” e, mais recentemente, também no “share

417 Em 2005, a Prisa entra na estrutura accionista da Media Capital ao adquirir a Vertix SGPS que

representava cerca de 33 por cento do capital social do grupo. Em 2007, e dois meses após a nomeação de Manuel Polanco para director-geral da Prisa, o grupo espanhol lança uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a totalidade das acções do capital social da Media Capital, passando a deter, em Agosto, 99,9442 por cento do capital da TVI. De referir que o grupo de comunicação social espanhol detém posições no mercado dos media de 22 países, ocupando posições importantes na Europa, no mercado Sul-americano e nos Estados Unidos da América, razão pela qual a rede Prisa chega a mais de 50 milhões de usuários. Em Espanha, a Prisa detém o diário El País, a rádio Cadena SER e o canal de televisão

global”».418 Uma observação essencial diz respeito ao facto de a TVI ter transformado o cenário competitivo quando passou de 23, 2 por cento de «share» em «prime-time» em 2000 para cerca de 40 por centro em 2001, obtendo a liderança no horário nobre entre 2001 e 2010. Segundo o relatório da Obercom, na janela temporal analisada verifica-se um crescimento sustentado da TVI quer em termos de quotas de mercado em «prime-time», quer em termos de quotas de mercado globais.419 Especificamente no que se refere ao período

compreendido entre 2008 e 2009, altura em que o Jornal Nacional de Sexta foi o principal bloco informativo da TVI, a estação televisiva de Queluz obteve 30,5 por cento de share de audiência em 2008 e 28,7 por cento de share médio de audiência em 2009, conforme os dados da Marktest Audimetria/Media Monitor:

Fig.2 – Share de audiências do Jornal Nacional de Sexta em 2008 e 2009.

Deste modo, e no que à informação diz respeito, o Jornal Nacional de Sexta, apresentado pela jornalista Manuela Moura Guedes entre Maio de 2008 e Agosto de 2009, foi frequentemente líder de audiências, registando um «share» que oscila entre os 29,6 por cento e os 35,1 por cento. Mormente entre Março e Julho de 2009, o Jornal Nacional de Sexta, que vinha obtendo um «share» crescente desde Fevereiro, liderou de forma constante as audiências no contexto da informação televisiva em «prime-time». De referir que entre Fevereiro e Maio de 2009 se verificou um crescimento progressivo do «share», facto que coincide «com a emissão de um maior volume de peças jornalísticas sobre o caso Freeport».420 O quadro seguinte é elucidativo acerca dessa evolução:

418 Veja-se as Dinâmicas concorrenciais no mercado televisivo português entre 1999 e 2006, relatório

elaborado pelo Observatório da Comunicação, p. 12.

419 Cf. Dinâmicas concorrenciais no mercado televisivo português entre 1999 e 2006, Obercom, pp. 4-7. 420 Veja-se o relatório final da «Comissão eventual de Inquérito Parlamentar relativa à Relação do Estado

Fig.3 – Evolução do share de audiência do Jornal Nacional de Sexta, durante a cobertura do escândalo Freeport

Observando os dados da Marktest, publicados no Diário de Notícias de 5 de Setembro de 2009, é possível constatar que o Jornal Nacional de Sexta atingiu o máximo de audiência em Maio do mesmo ano, data que curiosamente coincide com a polémica pública que envolveu a estação de televisão e José Sócrates. Saliente-se que José Sócrates proferiu, no âmbito público, declarações críticas acerca da informação produzida pela TVI, referindo-se, em entrevista à RTP, ao Jornal Nacional de Sexta como um «espaço noticioso que tem como único objectivo o ataque pessoal feito de ódio e de perseguição pessoal».421 De facto, José

Sócrates, no XVI Congresso do PS realizado a 27 de Fevereiro de 2009, já havia deixado alguns recados para aqueles que «fazem política da calúnia, da difamação e dos ataques pessoais». Entre outras apreciações, o dirigente político afirmou que, em democracia, «quem escolhe é o povo» e não um «qualquer director de jornal», uma qualquer televisão, ou um qualquer «cobarde que se entretém a escrever cartas anónimas». Numa tentativa de clarificar as declarações evasivas de José Sócrates, Alberto Arons de Carvalho, ex-secretário de Estado da Comunicação Social do PS, afirmou que as declarações de Sócrates visavam, sobretudo, a TVI: «Eu disse que a televisão era a TVI, embora tenha sublinhado que há duas TVI: uma durante a semana e outra às sextas-feiras. A TVI à sexta-feira não é pluralista, é contra o Governo e a favor da oposição e é, sobretudo, contra o primeiro-ministro». A reacção da TVI às palavras de José Sócrates não se fez esperar, pelo que José Eduardo Moniz viria a realçar o eventual «desconforto» de Sócrates em relação à investigação jornalística da TVI sobre o caso

421 «Vocês não vêem o telejornal da TVI à Sexta-Feira? Acham que aquilo é um telejornal? Aquilo não é

um telejornal, aquilo é uma caça ao homem, aquilo é um telejornal travestido. Aquilo é um espaço noticioso que tem como único objectivo o ataque pessoal feito de ódio e de perseguição pessoal». Declarações de José Sócrates em entrevista à RTP, conduzida por Judite de Sousa e José Aberto Carvalho no dia 21 de Abril de 2009.

Freeport. Eis as declarações do director-geral da TVI proferidas no Jornal Nacional de 22 de Abril de 2009:

Decidi vir hoje ao Jornal Nacional na sequência das afirmações feitas ontem (21 de Abril) pelo Primeiro-ministro sobre a informação da TVI na entrevista que deu à RTP. (…) É, pois, serenamente que aqui deixo claro que não sou cobarde, nem me escondo atrás de qualquer moita ou arbusto a montar emboscadas para ir à caça ao homem, movido por ódio pessoal ou persecutório, utilizando para o efeito um dito «telejornal travestido». Nem eu nem ninguém nesta casa recorre a tais métodos que talvez sejam frequentes em política mas que são inadmissíveis em jornalismo. É evidente que as afirmações de José Sócrates traduzem enorme desconforto perante o jornalismo de investigação que os melhores jornalistas desta casa têm desenvolvido a propósito do caso Freeport.

Deste modo, parece existir uma relação de causalidade entre a polémica pública, que envolveu trocas de acusações entre a estação televisiva TVI e José Sócrates, e o aumento do «share» de audiência do Jornal Nacional de Sexta que, como vimos, atingiu o seu máximo em Maio de 2009. A própria Manuela Moura Guedes, na audição da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), relatou que as intervenções públicas de José Sócrates sobre a TVI corresponderam a «uma estratégia» que conferiu, à própria Moura Guedes, «uma projecção muito grande». Certo é que a relação de José Sócrates com alguns órgãos de comunicação social se agudizou e ganhou novos contornos a partir do momento em que o primeiro-ministro revelou algum mal-estar face ao estilo do Jornal Nacional de Sexta, e, sobretudo, face ao conteúdo informativo do dito espaço noticioso.

A narrativa do escândalo: das transgressões iniciais às

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