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193 Cf Jürgen Habermas, op.cit., p 172.

194 Idem, p. 190.

iguais são satisfeitas por produtos standard.196 Às necessidades de distracção e de diversão de um grupo de consumidores com um nível de instrução relativamente baixo197, a estratégia de

vendas responde com a homogeneização dos produtos culturais.

Com efeito, à medida que se mercantiliza quer a forma quer o conteúdo da cultura, estabelece-se uma relação inversamente proporcional entre a comercialização dos produtos culturais e o seu grau de complexidade.198 A «experiência regressiva», e não acumulativa,

oferecida pela lógica da produção, é o resultado da comercialização de produtos culturais baseada no fácil acesso psicológico e económico a uma cultura de produção de sentidos. A indústria cultural é imposta pelo peso de uma sociedade irracional mediante um processo de racionalização199 destinado a aparentar uma heterogeneidade que, na realidade, é

meramente fictícia. A lógica dos produtos culturais «atrofia a imaginação e a espontaneidade do consumidor cultural»200, ao mesmo tempo que a rapidez de apropriação proíbe a

actividade mental do espectador. «Os produtos da indústria cultural podem ser consumidos rapidamente, inclusive num estado de distracção».201 O mesmo é dizer que o ideal iluminista

de liberdade e racionalidade do Público que pensa em voz alta dá lugar à uniformização e submissão das «massas». A técnica da indústria cultural iguala a técnica da produção em série, num processo que exclui a novidade e que trata da mesma forma o todo e as partes: «a máquina roda sur place».202 Contudo, será sempre conveniente que o objecto da indústria

cultural se contente com o que lhe é oferecido, escapando à sensação de que é possível oferecer resistência a este «gigantesco mecanismo económico»203. Como, sobre este ponto,

explicam Adorno e Horkheimer:

O princípio impõe apresentar ao consumidor todas as necessidades como se estas pudessem ser satisfeitas pela indústria cultural, mas também organizar essas necessidades para que o consumidor não se esqueça nunca que é sempre um eterno consumidor, um objecto da indústria cultural.204

De resto, a destruição do público leitor mediante o aparecimento do «público- massa»205, isto é, a transformação do espaço público, outrora constituído por um Público que

se reunia para discutir sobre assuntos comuns, numa esfera de consumidores de cultura e de produtos standard, conduz, inevitavelmente, à antítese existente entre público e massa. Com efeito, o conceito de massa resulta de uma forma de sociabilidade surgida de fenómenos como a industrialização e a urbanização características do período oitocentista. Em Da

196 Cf. T. W. Adorno e M. Horkheimer, Dialéctica del Iluminismo, Buenos Aires, Editorial Sudamericana,

1987, p. 147.

197 Cf. Jürgen Habermas, op.cit., p. 194. 198 Idem, pp. 194-195.

199 Cf. T. W. Adorno e M. Horkheimer, op.cit., p. 151. 200 Idem, p. 153.

201 Idem, p. 154. 202 Idem, p. 162. 203 Idem, p. 154. 204 Idem, p. 171.

Democracia na América, Alexis de Tocqueville descreve como os homens se começam a centrar na «procura de prazeres materiais» com os quais saciam as suas vidas, «possuindo desígnios fixos que não se cansam de perseguir».206 Também Gustave Le Bon, em Psicologia

das Multidões (1895), considera que a multidão é guiada quase exclusivamente pelo inconsciente, sendo que «os seus actos estão muito mais sujeitos à acção da espinal medula do que à do cérebro».207 De facto, a lógica económica da indústria cultural fez com que o

raciocínio do público leitor que se reunia para debater acerca de notícias sobre public affairs, social problems, economic matters, education, health, «cedesse tendencialmente ao intercâmbio de gostos e inclinações dos consumidores»208, sendo que até a própria «análise do

gosto» se converte em consumo.

Com a dissolução da publicidade burguesa no caminho que transformou o público leitor em público consumidor de cultura, dissolve-se, igualmente, a antiga distinção entre publicidade política e publicidade literária. A «cultura» divulgada pelos meios de comunicação de massa torna-se «suficientemente elástica» para integrar informação, raciocínio e formas literárias que outrora tinham um carácter específico.209 Se no modelo da

publicidade burguesa as pessoas reunidas em qualidade de público mediavam as necessidades da sociedade com os interesses do Estado, com o surgimento da «esfera social» o processo de exercício do poder tem lugar de forma directa e sem mediação entre organizações privadas, partidos políticos e administração pública. Por conseguinte, «só esporadicamente o público é admitido neste ciclo do poder, e somente para fins aclamativos».210 Por outro lado, os

«autónomos meios de comunicação de massa» funcionam como veículos para que tais associações surgidas do âmbito privado consigam legitimidade. A publicidade que, originariamente, garantia a conexão entre raciocínio público, fundamentação legislativa e visão crítica sobre o exercício do poder é, a partir de agora, desenvolvida de cima para baixo proporcionando o domínio da «opinião não pública». Deste modo, «a publicidade política é substituída pela publicidade manipuladora».211

A interpenetração entre Estado e Sociedade levou a que o Parlamento perdesse algumas das suas funções mediadoras, tarefa que fica agora a cargo dos partidos políticos e outras organizações. Assim, como os interesses privados necessitam de «configuração política», a publicidade parlamentar afasta-se do seu compromisso original:

A publicidade carrega agora com a tarefa de ter de compensar interesses, tarefa que se afasta das formas clássicas de acordo e compromisso parlamentar; a essa tarefa compensatória nota-se-lhe a sua procedência (a esfera de mercado). A compensação de interesses tem de ser literalmente «negociada», conseguida, cada vez que se solicite, mediante pressões e contra pressões, baseada meramente no equilíbrio de uma

206 Cf. Alexis de Tocqueville, op.cit., p. 651.

207 Gustave Le Bon, Psicologia das Multidões, S.L, Delraux, 1980, pp. 36-37. 208 Cf. Jürgen Habermas, op.cit., p. 199.

209 Cf. Jürgen Habermas, op.cit., p. 203. 210 Idem, p. 204.

constelação de poder que se desenvolve entre o aparelho do Estado e os grupos de interesses.212

Com efeito, os partidos políticos, enquanto associações privadas, passam a ter como objectivo a transformação de interesses privados num interesse público comum, isto é, a transformação de interesses particulares num interesse geral pública e politicamente representativo. Tais organizações de carácter privado que, segundo Habermas, estão em condições de manipular a opinião pública sem se deixarem controlar por ela, estão mais interessadas em fortalecer o prestígio da sua posição do que, propriamente, em gerar temas de discussão pública. Assim, os partidos políticos passam a funcionar como elementos medidores entre os interesses das organizações privadas que «irrompem» na publicidade. Ao mesmo tempo que os «partidos de notáveis» se convertem em «partidos de massas», o Parlamento transforma-se numa esfera de elementos vinculados pelo mandato a um partido específico que procura, mediante aclamação pública, influir no comportamento eleitoral da população. Neste ponto, os meios de comunicação de massa servem de suporte publicitário onde os dirigentes políticos «fabricam» algo parecido com «publicidade». Por conseguinte, as opiniões do Público sobre assuntos de carácter público já não se formam dialógica e racionalmente. Formam-se, antes, mediante símbolos oferecidos por uma publicidade fabricada cuja mecânica escapa aos indivíduos.213

Breve incursão sobre o conceito de opinião pública

Apesar do tratamento científico acerca de fenómenos colectivos de opinião corresponder ao aparecimento da sociedade de massas214, o uso do conceito «opinião

pública», como aspecto pertencente aos governos democráticos, tem uma história que remonta à República Romana. Com efeito, nos célebres discursos In Catilinam, Cícero assevera que seria muito grave o Senado não seguir a opinião do povo romano contra Lúcio Sérgio Catilina.215 Por outro lado, em pleno Renascimento é visível como Maquiavel indica ao

212 Idem, p. 225.

213 Cf. Jürgen Habermas, op.cit., p. 247.

214 Cf. Luis Gonzalez Seara, Opinion Pública y Comunicación de Masas, Barcelona, Ediciones Ariel, 1968,

p. 14.

215«Até quando enfim, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de

nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Paladino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração, a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas? Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes factos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte do conselho de Estado, aponta-nos e marca-

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