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Por conhecer o bom senso e a dedicação conjugal da minha mulher, sabia que era impossível convencê-la com palavras ou

No documento Cáriton: Quéreas e Calírroe Autor(es): (páginas 165-169)

Cáriton

III. 1. Apresentaram-se a Estatira, a esposa do monarca, as mulheres dos Persas de maior distinção e uma delas disse:

7. Por conhecer o bom senso e a dedicação conjugal da minha mulher, sabia que era impossível convencê-la com palavras ou

absolver, melhor fora não o teres convocado. Até agora todos temiam, por saberem que qualquer ultraje seria punido, se fosse a tribunal. Daqui para o futuro será o desprezo pela lei, se quem for julgado na tua presença não receber castigo.

O que tenho a dizer é claro e breve. Sou o marido de Calírroe aqui presente e mesmo o pai de um filho seu. Já a não desposei donzela, porque tinha tido um primeiro marido, de nome Qué-reas, há muito falecido, cujo túmulo fica até na nossa cidade. 6.

Mitridates esteve em Mileto e viu a minha mulher, devido ao cumprimento da hospitalidade. Após o que não agiu nem como amigo, nem como homem de senso e de equilíbrio, como devem ser, segundo o teu desejo, aqueles que encarregas do governo das cidades. Bem pelo contrário, mostrou-se insolente e violento.

7. Por conhecer o bom senso e a dedicação conjugal da minha

assim: “Quéreas está vivo”. Que Mitridates prove o que diz e será absolvido. Mas pensa bem, senhor, que descaramento o de um adúltero, que até sobre um morto inventa mentiras!”

11. Com tais palavras Dionísio inflamou o auditório e conquistou, de imediato, os votos. Irritado, o rei lançou sobre Mitridates um olhar duro e sombrio. VII. 1. Mas este, sem se intimidar, começou:

“Peço-te, senhor, que possuis o sentido da justiça e da com-preensão humana, não me condenes antes de ouvires as razões das duas partes. Que um grego, que cometeu a maldade de for-jar contra mim acusações falsas, se não torne, a teus olhos, mais convincente do que a própria verdade. 2. Percebo que a beleza desta mulher só vem aumentar as suspeitas de que sou vítima.

Todos julgam natural que alguém pretenda seduzir Calírroe.

No que me diz respeito, sempre levei uma vida séria e é esta a primeira acusação que se levanta contra mim. Se se desse o caso de eu ter cometido um ultraje ou um atentado ao pudor, estaria a abusar da confiança que te levou a encarregar-me de tantas cidades. 3. Quem seria assim tão louco, que preferisse perder semelhantes vantagens por um só prazer, pior ainda, por um prazer condenável? E mesmo se tivesse um delito a pesar-me na consciência, poderia até fazer cancelar o processo. Porque Dionísio não pôs a demanda por uma mulher com quem esteja legalmente casado, mas por alguém que estava à venda e que ele comprou. Ora a lei do adultério não se aplica a escravos. 4. Ele que te leia primeiro o registo de libertação e só depois te fale de casamento.

Tens o descaramento de chamar tua mulher a uma pessoa que Téron, o salteador, te vendeu por um talento e que ele pró-prio arrebatou do túmulo? Pode até vir com o argumento: “Mas foi uma mulher livre que eu comprei”. Nesse caso és um trafi-cante de escravos e não um marido. Pois é diante do pretenso

marido que agora vou apresentar a minha defesa. 5. Entenda-se por compra casamento e por preço dote. Que a siracusana passe hoje por milésia. Fica certo deste facto, senhor, eu não lesei Dionísio nem como marido nem como patrão. Antes de mais, não é de um adultério consumado, mas meramente hipotético, que ele me acusa e, como não tem factos para relatar, limita-se a ler cartas sem valor. 6. Mas as sanções legais visam só atos.

Apresentas a carta, mas eu posso contrapor: “Não fui eu que a escrevi, essa não é a minha letra. É Quéreas quem procura Calírroe. Que responda ele então num processo de adultério”.

“Sim”, poderá ele objetar, “só que Quéreas está morto e foste tu que, servindo-te do nome de um defunto, procuraste seduzir a minha mulher”. 7. Desafias-me, Dionísio, para uma questão de onde não tens nada a ganhar. Apelo mesmo ao teu testemunho.

Sou teu amigo e hóspede. Retira a acusação. Só terás vantagens em fazê-lo. Pede ao rei que suspenda o processo. Retrata-te da acusação que me fazes: “Mitridates não praticou nenhuma irregularidade. Foi sem fundamento que o acusei”. Se persis-tires, vais-te arrepender. Vai ser-te desfavorável o resultado da votação. Perdes Calírroe, já te aviso. O rei há de verificar que o adúltero não sou eu, mas tu”.

8. Depois de pronunciar estas palavras, calou-se. Todos os olhares se voltaram para Dionísio na ânsia de saber, face à alter-nativa que lhe era colocada, se ele retirava a acusação ou persis-tia nela. Qual o sentido das insinuações feitas por Mitridates, não o conheciam, mas acreditavam que era claro para Dionísio.

Este, por seu lado, não entendia bem a intenção, por nunca pela cabeça lhe passar que Quéreas pudesse estar vivo. 9. Por fim, declarou: “Podes dizer o que quiseres, que não é com sofismas nem com ameaças convincentes que me enganas. Dionísio não será apanhado em falsas delações”. 10. Pegando-lhe logo na palavra, Mitridates ergueu a voz e, como inspirado, proclamou:

“Deuses soberanos, dos céus e dos infernos, vinde em socorro de um homem honesto, que vezes sem conta vos dirigiu as devidas preces e vos homenageou com sacrifícios opulentos. Concedei--me a recompensa da piedade que sempre pratiquei perante as falsas acusações que me são dirigidas. Dispensai-me Quéreas, nem que seja só para o processo. Aparece, ó espírito benfazejo!

É a tua Calírroe que te chama. Põe-te entre nós dois, eu e Dio-nísio, e diz ao rei qual de nós é o adúltero”.

VIII. 1. Ainda tais palavras não eram ditas (tudo tinha sido previamente preparado), Quéreas em pessoa apareceu. Ao vê-lo, Calírroe gritou: “Quéreas, estás vivo?” e fez menção de correr para ele. Mas Dionísio reteve-a, interpondo-se para evitar que caíssem nos braços um do outro. 2. Quem poderia descrever com rigor o aspeto daquele tribunal? Que poeta trouxe alguma vez a cena uma história tão extravagante como aquela? Era como se se estivesse numa representação teatral, em que mil sentimentos diversos se desencadeassem ao mesmo tempo: lágrimas, alegria, espanto, piedade, desconfiança, súplicas. 3. Felicitavam Quére-as, alegravam-se por Mitridates, angustiavam-se com Dionísio;

em relação a Calírroe, era perplexidade o que sentiam. Ela era a imagem da perturbação, imóvel, sem dizer palavra, somente cravando em Quéreas uns olhos que voavam para ele. Parece--me bem que até o soberano quereria estar na pele de Quéreas naquele momento. 4. A guerra é fatal e iminente quando há rivalidades de amor. Mas neste caso, a visão do troféu em carne e osso abrasava mais ainda a emulação entre eles, a ponto que, não fosse o respeito imposto pela presença do rei, teriam acaba-do à pancada. 5. Ficaram-se, portanto, pelas palavras e Quéreas avançou: “O primeiro marido dela sou eu”. E logo Dionísio:

“Mas eu sou-lhe mais fiel”. “Essa agora! Será que eu pedi o divórcio da minha mulher?!” “Mas sepultaste-a!” “Mostra-me o documento da dissolução do casamento». «Basta que olhes para

o túmulo». «Foi o pai dela que ma deu por esposa». «E a mim foi ela própria». «Tu não mereces a filha de Hermócrates». «E ainda menos tu, que foste prisioneiro de Mitridates». «Exijo Calírroe».

«E eu guardo-a para mim». «Estás-te a arrogar direitos sobre a mulher alheia». «E tu mataste a tua». «Adúltero!» «Assassino!»

6. E nestes termos iam-se disputando, para gáudio de quantos

No documento Cáriton: Quéreas e Calírroe Autor(es): (páginas 165-169)

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