• Nenhum resultado encontrado

Apesar de todas as considerações já exaradas, lembra-se que se costuma afirmar, em termos genéricos, que o contrato existente entre o sócio ostensivo e os sócios ocultos não pode ser levado a registro, sob pena de se tornar uma sociedade em nome coletivo, do que resultará a responsabilidade solidária e ilimitada, inclusive para os sócios ocultos190. É tradicional o ensino de que a sociedade em conta de participação, a par de não estar sujeita às formalidades prescritas para a existência das outras sociedades comerciais, tem vedado o seu registro (Carvalho de Mendonça)191, muito embora haja outros autores (Pontes de Miranda entre eles) que o admitem, sem, contudo, desnaturá-la.192

Ora, a partir da elaboração de um contrato escrito de sociedade em conta de participação, dois tipos de registro podem ocorrer. Pode, assim, dar-se um primeiro, no Cartório de Títulos e Documentos, que tem por alvo, pela própria natureza do órgão a que é levado, conferir publicidade ao documento, para sua validade erga omnes e para evitar alegação de desconhecimento por parte de terceiros. E pode haver uma segunda modalidade de registro perante a Junta Comercial, como ocorre normalmente com as demais sociedades que tenham natureza comercial.

Num primeiro momento, lembra-se mais uma vez que é desnecessário o registro do contrato de constituição da sociedade em conta de participação perante o Cartório de Títulos e

189 Cf. MENDONÇA, Jose Xavier Carvalho de, Tratado de direito commercial brasileiro, cit., v. 4, livro II, p.

233.

190 ALMEIDA, Amador Paes de. Sociedade em conta de participação

− II. In: ENCICLOPÉDIA Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1982. v. 70, p. 161-166.

191 Cf. MENDONÇA, Jose Xavier Carvalho de, op. cit., v. 4, livro II, p. 233.

Documentos, porquanto, se o que se tem por escopo é conferir publicidade ao documento, é ela desnecessária pelos seguintes motivos: a) se aqueles perante os quais se busca garantir a ciência do documento são os próprios sócios da sociedade em conta de participação, é relativa a eficácia do registro, já que eles não têm como negar ciência de um documento que assinaram de próprio punho, esteja ele sob registro, ou não; b) se o que se intenta é garantir a validade do documento por via do registro, também inócua será a medida, porquanto, com registro ou não, qualquer dos signatários, uma vez preenchidos os requisitos da lei, poderá promover medida judicial para obter-lhe a validação ou a invalidação por decisão judicial; c) além disso, em qualquer das hipóteses, a medida será de integral inutilidade para com os terceiros, alheios à sociedade, já que, por sua própria natureza, a sociedade em conta de participação simplesmente não existe para eles.

De qualquer modo, porém, observa-se mais uma vez que tal registro não é vedado, e é exatamente nesse sentido que o artigo 993, caput, do Código Civil de 2002, inovando em determinação, já que nada se continha a respeito no Código Comercial revogado, determina que eventual inscrição da sociedade em qualquer registro não lhe confere personalidade jurídica.

Alguns autores, aliás, até mesmo recomendam seu registro no Cartório de Títulos e Documentos, ancorando-se para tanto em razões tributárias, sob o argumento de que um ato dessa natureza constitui prova inequívoca de existência da sociedade, de modo que se evita, assim, eventual desconsideração pela fiscalização tributária das operações contábeis e fiscais distintas, na apuração e tributação dos resultados.193

Por outro lado, é de se anotar que o Código Comercial de 1850, em seu artigo 4º, especificava que “ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia profissão habitual”. Vale dizer: o comerciante regular era aquele que se registrava nos órgãos governamentais respectivos. Na vigência do Código Civil de 2002, esse registro obrigatório da sociedade empresária faz-se no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais (CC, art. 1.150). Eventual ausência de inscrição dos atos constitutivos de uma sociedade transfere sua norma

193 Cf. PORTUGAL, Bernardo Lopes, A sociedade em conta de participação no novo Código Civil e seus

de regência para a sociedade em comum (CC, art. 986), em que todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (CC, art. 990).

No que tange especificamente à sociedade em conta de participação, é certo, por um lado, que sua constituição independe de qualquer formalidade (CC, art. 992), de modo que não está ela obrigada a constituir-se por contrato escrito, nem, muito menos, a registrar seu instrumento de constituição em órgão algum. Por outro lado, eventual registro em qualquer órgão não há de desnaturá-la, nem lhe há de conferir personalidade jurídica (CC, art. 993).

Mesmo com essas premissas, porém, não se pode perder de vista que, apesar de se lhe facultar provar sua existência por todos os meios de direito (CC, art. 992), existe o risco de não se conseguir tal prova, caso em que sua estrutura pode juridicamente resvalar para ser considerada como sociedade em comum, ou seja, a antiga sociedade irregular ou de fato, em que haverá responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios pelas obrigações sociais (CC, art. 990). Por isso vale aqui o conselho anteriormente dado em outras circunstâncias, para que seu instrumento de constituição seja levado ao Cartório de Títulos e Documentos.