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Em rápidas pinceladas, podem-se traçar os seguintes aspectos comparativos entre o Código Comercial de 1850 e o Código Civil de 2002, no que tange ao tratamento da sociedade em conta de participação:

218 Cf. MARTINS, Fran, Curso de direito comercial, 30. ed., 2005, cit., p. 225. 219 Ibidem, mesma página.

I) Quatro eram os artigos que regulavam a matéria no Código Comercial de 1850 (325/328), enquanto seis são os dispositivos lançados no Código Civil de 2002 sobre o assunto (991/996).

II) A primeira parte do artigo 325, que definia a sociedade em conta de participação, embora continue válida em termos conceituais, foi abandonada pelo direito positivo, bem possivelmente em razão do fato de que a moderna ciência do Direito entende que as definições não devem figurar nos diplomas legais, mas devem ser deixadas a cargo da doutrina.

III) A segunda parte do mesmo artigo 325 – que faz prescindir de formalidades a constituição da sociedade em conta de participação e fixa a possibilidade de prová-la por todos os meios de direito – foi basicamente repetida pelo artigo 992.

IV) O artigo 326 se transformou no artigo 991, com redação mais especificada e minuciosa, evidenciando maior aprimoramento de técnica.

V) O artigo 327 tratava da responsabilidade do sócio gerente pelos fundos sociais e pelas obrigações que assumisse perante um terceiro que não soubesse da existência da sociedade em conta de participação, além de ressalvar os direitos dos sócios prejudicados por sua atuação. O Código Civil de 2002 não traz dispositivo que repita especificamente essa regra, mas o artigo 994 fala da contribuição dos sócios para a formação do capital social, em especialização válida em relação a eles apenas; o artigo 991 traz a regra da responsabilidade do sócio gerente perante terceiro, e seu parágrafo único menciona a obrigação do sócio ostensivo para com os sócios participantes. A ausência de dispositivo específico no novo sistema para retratar o antigo artigo 327 talvez se deva ao fato de que os aspectos nele mencionados se fragmentem em outras disposições, como é o caso do antigo artigo 326, hoje artigo 991.

VI) O artigo 328 falava da quebra do sócio gerente, oportunidade em que era lícito ao terceiro receber seu crédito de todo o patrimônio, incluindo o acervo trazido pelos sócios ocultos, se não provassem que o terceiro tinha conhecimento, antes da quebra, da existência da sociedade em conta de participação. Pelo sistema atual, a situação foi mais esclarecida pelo artigo 994, que menciona a constituição de um “patrimônio especial, objeto da conta de participação” (caput), e complementa que “a especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios” (§ 1º). Em

seqüência, sempre em tratamento mais cristalino que o anterior, assevera o novo sistema que “a falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário” (§ 2º).

Além de melhor técnica de redação, aconselhada pela moderna ciência do Direito, o novo sistema inovou em aspectos significativos, em verdadeira demonstração de apreço por essa modalidade societária, que procurou resgatar de uma zona fronteiriça entre a legalidade e suposta clandestinidade, antes passível de um primeiro juízo de mera tolerância, e agora trazida para melhor ubiquação, postada, em termos bem claros, entre as sociedades não personificadas do novel ordenamento:

I) Por força do artigo 993, caput, especificou-se que o contrato social produz efeito somente entre os sócios e acrescentou-se que eventual inscrição do instrumento de constituição da sociedade em qualquer registro não lhe confere personalidade jurídica.

II) Explicitou-se que, a par do direito de poder fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não poderá tomar parte nas negociações do sócio ostensivo com terceiros, “sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier” (art. 993, parágrafo único).

III) Clareou-se a idéia de que a contribuição dos sócios constitui “patrimônio especial” (art. 994), mas se observou, na seqüência, que “a especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios” (§ 1º).

IV) Especificou-se, quanto às atividades da conta de participação, os efeitos da falência do sócio ostensivo (art. 994, § 2º) e do sócio participante (art. 994, § 3º). V) Em demonstração de apreço por essa modalidade societária, inovou-se com a determinação de que, salvo estipulação em contrário, “o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais” (art. 995).

VI) Determinou-se, além disso, a aplicação subsidiária à conta de participação, naquilo que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples, a qual foi imaginada pelo legislador como o tipo para servir subsidiariamente a todas as demais formas de organização societária (art. 996, caput). Incluem-se nesse rol de

determinações aplicáveis, por exemplo, os casos de cessão parcial ou total de quotas, as questões referentes às deliberações sociais, ou mesmo as hipóteses de resolução da sociedade com relação a um dos sócios.

VII) Por fim, quanto ao término das relações sociais, determinou-se que, “havendo mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão prestadas e julgadas no mesmo processo” (art. 996, parágrafo único).

Feitas essas ponderações, não parece assistir razão a alguns autores, quando lecionam que pouco se diferenciam os termos de tratamento do Código Civil de 2002 em relação ao tratamento conferido à sociedade em conta de participação pelo Código Comercial de 1850221.

Se verdade é que a referida espécie societária continua com a mesma natureza jurídica e com as mesmas pilastras conceituais e disposições básicas, não menos verdade é que o legislador de 2002 inovou significativamente, em verdadeira demonstração do intento de conferir à conta de participação um lugar definido e claro, como meio de consecução dos intentos próprios dessa espécie societária, sem receio de eventual apodo de clandestinidade ou suspeição, nem mesmo de eventual rótulo de sociedade de segunda classe, tudo como se pode verificar das seguintes observações: a) quatro eram os artigos que tratavam da matéria, e agora são seis, observada a circunstância de que, por aconselhamento da moderna técnica de redação de leis, excluiu-se a definição do que seja uma sociedade em conta de participação; b) o novo sistema resgatou a sociedade em conta de participação de uma zona fronteiriça entre a legalidade e a clandestinidade, a qual antes era passível de um juízo de mera tolerância, e agora é trazida para melhor ubiquação, postada entre as sociedades não personificadas do novel ordenamento, conclusão essa que mais se avulta por diversos indícios, dentre os quais o perceptível intento de abandonar a terminologia do anonimato, abandonando a antiga expressão outros sócios (arts. 326 e 328) para adotar, atualmente, sócio participante (arts. 991, 993 e 994); c) houve a especificação dos efeitos do registro do contrato social, para que não remanesça dúvida alguma sobre os reflexos de eventual ocorrência de um tal fato; d) erigiu-se em disposição legal o reflexo do fato de um sócio participante eventualmente vir a participar de negócios sociais com terceiros; e) tratou-se da natureza das contribuições sociais

221 PICCHI, Flavio Augusto. A sociedade em conta de participação e os contratos de investimento coletivo:

paralelismo e assimetria. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 43, n. 134. p. 193-194, abr./jun. 2004.

e se falou na extensão de seus reflexos; f) elucidou-se a situação de eventual quebra do sócio ostensivo e do sócio participante; g) colmatou-se toda e qualquer lacuna de exegese, ao se conferir à sociedade em conta de participação uma legislação subsidiária aplicável, representada pelas regras normalmente aplicáveis à sociedade simples.