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O artigo 325 do Código Comercial de 1850, ao definir a sociedade em conta de participação, atribuía-lhe o caráter de uma associação momentânea, e o aspecto que mais é lembrado, a esse respeito, é o que vê nela uma sociedade acidental ou momentânea, porque com freqüência se constitui para determinadas operações mercantis, geralmente para exploração de artigos de ocasião, como carnaval, Páscoa, festas juninas e Natal.

Da leitura do artigo 325 do Código Comercial de 1850, alguns juristas brasileiros, à semelhança do ocorrido em outros países em face de textos legislativos semelhantes, extraíam a exegese restrita de que a sociedade em conta de participação é uma sociedade momentânea, transitória, acidental, visando a uma só ou apenas a determinadas operações, não podendo, por isso, ter caráter permanente, nem objetivar um ramo de negócio.

Mesmo na vigência plena do Código Comercial, todavia, o entendimento majoritário era que a sociedade em conta de participação pode ter caráter permanente e visar a todo um ramo de negócios. Nesse entendimento, lecionava Carvalho de Mendonça que o legislador definiu a sociedade em conta de participação tendo em vista os casos mais freqüentes, o que não exclui outras hipóteses em que a sociedade deva ter caráter permanente como qualquer

outra. “Se o Código, no artigo 325, se referiu à sociedade em conta de participação tendo por objeto uma ou mais operações de comércio determinadas, se a denominou sociedade acidental ou momentânea, teve em vista os casos mais freqüentes. O conceito de limitar a participação ao exercício de operações determinadas cria uma entidade fictícia, convencional, que se acha em absoluta oposição às exigências do tráfico e à natureza do fenômeno econômico, ao qual deve ser dada consistência jurídica... A sociedade em conta de participação pode ser momentânea ou continuada, pode ter por objeto não só uma ou mais operações comerciais certas, determinadas, cujo objeto exista no momento da convenção, como a exploração de determinado ramo de comércio. É essencial somente que fique concentrada nas relações internas.”166

Waldemar Ferreira também não destoava desse entendimento: “No mais das vezes, é momentânea, ou acidental, a fim de se celebrar tal ou qual negócio. Mas pode ser duradoura, por tanto tempo quanto reclame o alcance do seu objetivo”.167

João Eunápio Borges também partilhava do parecer de que a sociedade em conta de participação é transitória, eventual e até fortuita. Não via impedimento algum, contudo, a que se destinasse a uma exploração permanente.168

Vale dizer: mesmo na vigência do Código Comercial de 1850, a designação adotada pelo artigo 325 – sociedade acidental, momentânea e anônima – caíra em completo desuso, por imprópria, uma vez que tais sociedades poderiam ter uma existência duradoura, aplicando-se mesmo a um ramo inteiro de comércio ou da indústria, como, aliás, era o ensino de Charles Lyon-Caen e Louis Renault a respeito dessa modalidade societária: “Sem dúvida, em geral, as sociedades têm por objeto uma ou diversas operações determinadas e, por conseqüência, não duram senão por pouco tempo. Mas isso não é essencial: é possível que uma sociedade seja em participação, ainda que se aplique a um ramo inteiro da indústria. O

166 MENDONÇA, Jose Xavier Carvalho de, Tratado de direito commercial brasileiro, cit., v. 4, livro II, n. 1.424,

p. 217.

167 Cf. FERREIRA, Waldemar, Tratado de direito comercial, cit., v. 3, n. 585, p. 532. 168 BORGES, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, cit., p. 325.

que caracteriza as sociedades em conta de participação é que são sociedades ocultas no sentido de que, não sendo reveladas a terceiros, não existem em relação a eles”.169

Para Bento de Faria, “sem dúvida, as sociedades em conta de participação são, em regra, constituídas para uma ou algumas operações isoladas e bem determinadas, sendo curta a sua duração. Mas isso não é condição essencial, indispensável, para distingui-las e caracterizá-las, pois é possível haver sociedade em conta de participação, embora o seu objeto seja a exploração de um ramo de comércio ou de uma indústria. O que as define é o fato de serem ocultas, no sentido de não terem existência relativamente a terceiros.”170

Fundado na doutrina dos autores franceses, Cunha Gonçalves admitia que a sociedade em conta de participação podia ter por objeto não só uma ou mais operações isoladas, “mas até o comércio todo inteiro”. E continuava: “Com efeito, não se percebe qual a razão por que um comerciante não poderá associar outrem, permanentemente, a todo o seu comércio, quando, por motivos particulares, não lhe convenha dar conhecimento de tal sociedade ao público. Porventura, as diversas sociedades comerciais distinguem-se entre si pela quantidade ou qualidade das operações que cada uma executa? Ou, pelo contrário, é a respectiva forma e outros caracteres o que as distingue? É de crer que, historicamente, a conta de participação tenha surgido para operações singulares, previstas, com objeto já existente, como quer Pardessus; mas isto não é razão suficiente para que somente a tais operações seja a participação restringida.”171

Em verdade, porque muito aplicada em uma ou algumas negociações específicas, essa espécie de sociedade foi chamada de momentânea, até porque desaparecia assim que desaparecesse o negócio para o qual nascera. Embora freqüentemente formada para uma ou para determinadas operações específicas, todavia, nada impede que ela venha a existir em caráter permanente.172

169 Charles Lyon-Caen; Louis Renault, Manuel de droit commercial, apud BABO, J. Sandoval. A sociedade em

conta de participação. Seus característicos. Quebra de um dos sócios. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 60, p. 153-154, jan./jun. 1933.

170 FARIA, Bento de. Código Commercial brasileiro: annotado de accordo com a doutrina, legislação e a

jurisprudência, nacional e a estrangeira. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos Santos, 1920-. v. 1, p. 415.

171 GONÇALVES, Cunha Luiz da. Da conta em participação. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1923. n. 29, p.

135.

Em realidade, não restringem a conta de participação a uma só operação nem a limitam a uma duração efêmera no tempo o Código português de 1833, nem o italiano de 1883, nem o alemão, nem o espanhol. A lei belga de 1873, por seu lado, distinguia perfeitamente duas espécies de sociedades: a momentânea e a em conta de participação.173

Em nossos dias e, de modo específico, na vigência do Código Civil de 2002, nada impede que ela tenha duração determinada ou indeterminada, até porque a redação do artigo 325 do Código Comercial de 1850, que falava em “sociedade em conta de participação acidental, momentânea” e que gerou longa discussão na doutrina acerca de seu prazo de duração, foi alterada pelos dispositivos que trataram da matéria, em que se percebe haverem sido excluídos os vocábulos “acidental e momentânea”, de modo a pôr um fim à referida polêmica.

Assim, nos dias atuais, em nosso sistema legal, a sociedade em conta de participação pode ser momentânea ou continuada, pode ter por objeto não só uma ou mais operações comerciais certas e determinadas, mas até mesmo “a exploração de determinado ramo de comércio”, apenas sendo essencial “que fique concentrada nas relações internas”.174