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No período de prevalência subjetiva, via-se o direito de empresa apenas a serviço dos comerciantes. Para esse sistema subjetivo, o comerciante ocupava o primeiro lugar, e o direito comercial era “essencialmente o direito do comerciante ou da profissão mercantil, e só acidentalmente o direito do ato de comércio”.111

Já no período objetivo, o sistema deslocou a base do direito empresarial da pessoa do comerciante para os atos de comércio, em proceder que “tem sido acoimado de infeliz, de vez que até hoje não conseguiram os comercialistas definir satisfatoriamente o que sejam eles”112. Nessa teoria objetiva, o ato de comércio passa a ocupar a posição anteriormente destinada aos empresários.

Essa modificação do foco central do direito empresarial – da figura do comerciante para os atos de comércio – foi teoria que orientou o Código Napoleônico e o nosso Código Comercial de 1850. Em sua origem, essa alteração de norte tem a justificativa de que, após a Revolução Francesa, não toleraria o povo daquele país um ramo do direito com a função primordial de tutelar diretamente os privilégios de uma classe.

Pela nova orientação, a competência dos tribunais de comércio não mais era ditada pela qualidade das partes, mas pela natureza do fato que desse origem ao litígio. Nesse sistema objetivo, os códigos, num rol fechado, listavam os atos que haveriam de submeter-se à jurisdição comercial, sendo os próprios comerciantes definidos por referência a tais atos de comércio. Bem por isso, para o Código de Comércio francês, são “comerciantes aqueles que exercem atos de comércio e disso fazem sua profissão habitual”.

111 Cf. BORGES, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, cit., p. 96. 112 Cf. REQUIÃO, Rubens, Curso de direito comercial, 21. ed., 1993, cit., v. l., p. 12.

No que concerne, de modo específico, ao ordenamento pátrio, o direito empresarial do Código Civil de 2002 fez emergir uma teoria subjetiva moderna, que busca considerar tal ramo como o direito dos empresários e das empresas.113

Em síntese, uma análise estrutural mais ampla do que historicamente se deu com essa seção do direito revela um verdadeiro movimento de pêndulo, que, da extremidade de consideração subjetiva da figura do comerciante num primeiro momento, dirigiu-se à extremidade objetiva dos atos de comércio numa segunda fase. Por fim, embora retornando ao subjetivismo e buscando novamente ter por foco a figura do empresário, é indiscutível que, nesse retorno, não se despiu de preocupação para com o objeto de sua atuação e, assim, procura harmonizar sua proteção tanto à figura do empresário como à dos atos de comércio.

8.2 Observação inicial

Em termos de sua ubiquação formal no Código Civil, o direito de empresa abrange, de modo específico, os artigos 966 a 1.195. Espalham-se, todavia, por outros lugares do mesmo Código, diversas disposições sobre o assunto, como, para exemplificar, os artigos 45, 48, 49, 50, 51, 83, III, 89, 90, 91, 927, parágrafo único, 931, 932, III, 933, 2.031, 2.033, 2.035 e 2.045. Essas disposições ora repetem regras do ordenamento anterior, ora inovam em tratamento alguns aspectos da questão, ora, ainda, vêm sistematizar a legislação.

Quanto ao propósito de seu conteúdo, segundo o próprio coordenador da comissão que elaborou o anteprojeto, um dos objetivos postos para a elaboração do direito de empresa foi reestruturar as instituições empresariais regidas por leis superadas pelo desenvolvimento econômico-social, as quais pudessem estar servindo de cobertura a odiosos privilégios.114

113 Cf. GONTIJO, Vinícius José Marques, O empresário no Código Civil brasileiro, cit., p. 77. 114 Cf. REALE, Miguel, Visão geral do novo Código Civil, cit., p. 18.

8.3 Terminologia do Código

O Código Civil de 2002 não adotou terminologia uniforme para referir-se a cada um dos perfis da empresa. Esta, em seu perfil subjetivo, é o empresário individual, pessoa natural, ou a sociedade empresária, pessoa jurídica que exerce atividade econômica organizada própria do empresário.

Para identificar a pessoa natural que exerce a atividade empresarial, o Código empregou três expressões distintas: a) empresário (arts. 226, 967, 968, caput, e § 1º, dentre outros); b) empresário individual (art. 931); c) empresa (arts. 1.178 e 1.188).

Para referir-se à pessoa jurídica que exerce atividade empresarial, utilizou também três expressões: a) sociedade empresária (arts. 983, 984, 1.142, 1.144, dentre outros); b) sociedade (arts. 226, 1.187, parágrafo único, III, e 1.195); c) empresa (arts. 931, 1.178, 1.187, II, 1.188 e 1.504). Veja-se, porém, que, ao dizer empresa, o Código às vezes se refere o empresário individual, às vezes à sociedade empresária.

Para referir-se à atividade empresária, utiliza: a) empresa (arts. 974, 1.085, 1.142, 1.155, 1.172 e 1.184); b) atividade (arts. 966, 967, 972, 973, 975, 1.168, dentre outros); c) atividade negocial (art. 628).

Para identificar os estabelecimentos secundários, fala em sucursais, filiais e agências (arts. 969, 1.000, 1.136, § 2º, II, e 1.172), sem, contudo, informar qual a distinção entre tais vocábulos, motivo por que permanece válido o ensino de Waldemar Ferreira a respeito deles: “Nem doutrinária, nem legislativamente, existe diferença conceitual que os estreme”.115

8.4 Conceito de empresário

Anote-se, de início, que, mesmo antes do Código Civil de 2002, a mais abalizada doutrina moderna já demonstrava a superação do conceito de comerciante pelo de empresário.116

115 FERREIRA, Waldemar Martins. Instituições de direito comercial. São Paulo: Freitas Bastos, 1944. v. p. 36. 116 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito comercial, cit., 6. ed., 2002, cit., v. 1, p. 3 e seguintes.

Por sua vez, bebendo na fonte da pioneira legislação italiana117, o artigo 966 do Código Civil de 2002 assim conceitua: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

Como deflui da lei, é a natureza da atividade que qualifica o empresário, e não, inversamente, a qualificação do sujeito que determina a atividade. E se nota, nessa relação da atividade exercida a qualificar o sujeito, a persistência de um elemento objetivo como critério de subsunção do executor da atividade à disciplina especial ditada para a matéria.

Tullio Ascarelli, por seu lado, ao se deter sobre a análise da figura do empresário, chama a atenção para o fato de que a doutrina jurídica tradicional, muito embora rica e refinada na elaboração dos conceitos de ato e de negócio jurídico, tem negligenciado a elaboração do conceito de atividade, motivo por que preconiza um estudo mais aprofundado das categorias jurídicas do direito tradicional a ela aplicáveis.118

Para os fins da conceituação legal, ademais, não se esqueça de que o conceito de atividade se vincula à probabilidade de ganho, e é com tais pressupostos que se há de raciocinar para a avaliação dos fenômenos respectivos, numa época caracterizada por uma economia tipificada pela produção industrial de massa.

Quanto à possibilidade de atuação, explicite-se que podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos. Nesse aspecto, vale lembrar que a idade na qual se atinge a capacidade civil foi reduzida pelo Código Civil de 2002 de vinte e um anos para dezoito. Além disso, o menor com idade entre dezesseis e dezoito anos poderá ser empresário, se emancipado.

117 O artigo 2.082 do Código Civil italiano tem o seguinte teor: “É empresário quem exerce profissionalmente

uma atividade econômica organizada, dirigida à produção ou à troca de bens ou serviços”.

118 ASCARELLI, Tullio. O empresário. Tradução de Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil,

Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, Malheiros, v. 109, p. 183-189, jan./mar. 1998. Extraído de: