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Com o descobrimento em 1500, foram aplicadas em nosso país, também no campo do direito comercial, as Ordenações Afonsinas, nascidas em 1446, sob o reinado de Dom Afonso V, e então vigentes em Portugal. Com notável influência romana e do direito estatutário italiano, essas Ordenações também apresentavam alguns princípios do Corpus

Juris Civilis de Justiniano (século VI), além das Decretais do Papa Gregório IX (1148-1241). Vigeram até 1514, quando substituídas pelas Ordenações Manuelinas, elaboradas por

determinação do rei Dom Manuel, ainda sob forte influência do direito romano e portadoras de normas de caráter rígido.

Em 1569, durante o reinado de Dom Sebastião em Portugal, fez-se nova compilação de leis, com efêmera duração, já que preterida em face da adesão de Portugal ao Concílio de Trento. Com a morte de Dom Sebastião, ascendeu ao trono português Filipe II, rei da Espanha, o qual, em 1598, foi substituído por seu filho, Filipe III. Visando ao retorno da influência romana na legislação portuguesa e, por conseqüência, no Brasil, entraram em vigor, em 1603, as Ordenações Filipinas, mandadas organizar ainda no reinado de Filipe II. No campo do Direito, como em outros, devolviam tais regras a força quase absoluta que a Coroa vinha perdendo para a Igreja, especialmente durante o reinado de Dom Sebastião.

Em termos de análise valorativa, oportuna é a observação de João Eunápio Borges, para quem, na época anterior a 1640 – abrangendo, assim, todo o reinado de Filipe II – não havia propriamente legislação comercial em Portugal e, por conseqüência, no Brasil, e se desconhecia na totalidade o que vigorava no plano internacional sobre o assunto, em brutal alijamento das regras praticadas na navegação oriental.18

Vale ressaltar, em seqüência, que, em 1756, foi editado em Portugal um alvará que disciplinava as falências, o qual, em face do domínio da Coroa portuguesa, também foi aplicado no Brasil durante o período colonial.

Desse modo, do período que vai do Descobrimento até a chegada de Dom João VI, em 1808, as relações jurídicas no Brasil, também as de cunho comercial, regulavam-se pela legislação portuguesa. Ao longo de todo esse tempo, o acervo legislativo aplicado em Portugal descia das embarcações lusas que aqui aportavam, e sua obediência era exigida dos nativos e daqueles que com estes contratavam19: do Descobrimento até 1514, as Ordenações Afonsinas; depois, até 1569, as Ordenações Manuelinas; em seguida, as Ordenações Filipinas. E, assim, durante os mais de três séculos, até a chegada de Dom João VI, não há, por aqui, registros significativos de diplomas comerciais que possam despertar interesse para a ciência do Direito, e muito menos do direito comercial.

18 BORGES, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, cit., p. 35. 19 Cf. GARCIA, Ayrton Sanches, Noções históricas de direito comercial, cit., p. 19.

Com a chegada da família real ao Brasil e a conseqüente abertura dos portos brasileiros ao comércio das nações amigas, tudo em 1808, adveio enorme expansão comercial e industrial em nossos limites, já que o comércio externo, em última análise, até então, constituía reserva da Coroa. Além de atender às necessidades reais, a abertura dos portos satisfez as pressões da Inglaterra que, em troca de proteção contra Napoleão, exigiu a entrada de seus produtos com taxa inferior à portuguesa. Paralelamente a esse crescimento e aprimoramento do comércio interno e externo, surgiu a necessidade de uma legislação respectiva. Além de outras manifestações menores, expressou-se nessa época, pela primeira vez, o interesse em criar um código comercial brasileiro, com a construção de um diploma que regulasse as relações mercantis aqui realizadas. Designado o Visconde de Cairu para proceder aos estudos preliminares, a empreitada, todavia, não logrou êxito, em razão do movimento político que desaguou na proclamação da Independência.

Proclamada a Independência em 1822, convocou-se uma Assembléia Constituinte e Legislativa no ano seguinte, e sobreveio a Constituição de 1824, que previu um Código Civil e um Código Penal, mas não se referiu a um Código Comercial, o que faz pensar que, ao menos até então, não era premente a necessidade de legislação específica. Além disso, mandou a Constituição aplicar no Império as leis portuguesas, incluindo a Lei da Boa Razão, a qual, em matéria comercial, adotava as leis das nações cristãs iluminadas e polidas. Exatamente por isso, pelo singular fato da penetração do direito estrangeiro no corpo do direito lusitano e, por extensão, no direito brasileiro, o Código Comercial francês, de 1807, e, num plano secundário, o Código Comercial da Espanha (1829) e o de Portugal (1833) passaram a constituir a verdadeira legislação mercantil nacional.

Em 14 de março de 1832 – estando o Brasil no período transitório da Regência, entre a abdicação de Dom Pedro I e a maioridade de Dom Pedro II – foi nomeada comissão para estudar a criação de um código comercial, a qual remeteu o projeto à Câmara em 1834. Após tramitação de cerca de dezesseis anos, o documento se transformou na Lei n. 556, sancionada em 25 de junho de 1850, como o Código Comercial brasileiro, documento esse detentor de valor científico capaz de causar inveja a muitas nações adiantadas. Esse Código tem como fontes o Código francês de 1807, o espanhol de 1829 e o português de 1833.

Promulgado o Código, editou-se o conseqüente Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, com vigência a partir do início do ano seguinte. A perfeição técnico- legislativa desse diploma regulamentador foi alvo de elogios de muitos juristas, como Joaquim Nabuco, Carvalho de Mendonça e Rubens Requião.20

Para sintetizar um juízo de valor a seu respeito, pode-se repetir a apreciação da própria comissão mista do Congresso, que assim se manifestou sobre ele: “O Código do Comércio do Brasil nada tem a invejar à legislação da França, da Inglaterra, de Portugal e da Espanha: apresenta em um todo sistemático o que há de melhor nesses códigos, modificadas as suas doutrinas segundo as opiniões dos escritores mais entendidos nessas matérias, e adaptadas às circunstâncias do Brasil”.21

Em termos específicos de conteúdo, o Código Comercial de 1850, afastando-se do modelo francês, não enumerou os atos de comércio, no propósito claro de filiar-se à corrente subjetivista do direito mercantil, buscando ser um código da profissão mercantil. Todavia, logo após a promulgação do referido código, sobreveio o Regulamento 737, o qual, em seu artigo 19, arrolou os atos de comércio e dentre eles incluiu: “as empresas: 1) de fábricas, 2) de comissões, 3) de depósitos, 4) de expedição, 5) de consignação e transportes de mercadorias, e 6) de espetáculos públicos”.

Além disso, como é a lei da vida – também da vida do direito – vencidos os primeiros anos, o Código começou a sofrer alterações, como a modificação da parte que trata da qualificação do comerciante (Decreto n. 1.597/1855) e da facultatividade de emprego do juízo arbitral, antes obrigatório (Lei n. 1.350/1866). Em 1875, autorizou-se o governo a “suprimir os Tribunais e Conservatorias do Comércio, e a organizar Juntas e Inspetorias comerciais” (Decreto n. 2.662, de 09.10.1875). No ano seguinte, firmou-se a competência dos juízes de direito para conhecer das causas comerciais, suprimindo-se, assim, a jurisdição comercial (Decreto n. 6.385, de 30.11.1876). Vale dizer: as causas comerciais passaram a ser conhecidas pelos mesmos juízes e tribunais de causas civis, embora mantida a dualidade

20 GARCIA, Ayrton Sanches, Noções históricas de direito comercial, cit., p. 22. 21 Ibidem, p. 19.

processual22. Advieram, ao depois, as regras para o estabelecimento de empresas de armazéns gerais (Decreto n. 1.102/1903) e outras para a circulação de cheques (Lei n. 2.591/1912).

Essas e outras normas foram dando nova fisionomia ao Código, que se foi adaptando, modificando e atualizando gradativamente. Cada vez mais, todavia, prosperavam idéias favoráveis à elaboração de um novo diploma, sem esquecer até mesmo as idéias de alguns de que o Código de 1850 já nascera velho. Com isso, após longas discussões e longo período de tramitação, adveio o Código Civil de 2002, que veio para unificar o direito das obrigações.