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Por seus próprios caracteres, a conta de participação volta-se para um relacionamento interno, como sociedade ad intra, sem relações jurídicas com terceiros, para quem não existe nem a sociedade nem os sócios participantes.175

Mesmo que celebrada por escrito, não tem ela firma social, nem denominação ou sinal mediante o qual apareça exteriormente. Funciona, desse modo, no anonimato, de forma oculta, e o gerente usa de sua firma individual ou da denominação de sua própria sociedade, quando pessoa jurídica, na realização dos negócios sociais. Daí dizerem alguns autores que,

173 Cf. artigo 108: “A associação momentânea é aquela que tem por objeto cuidar, sem razão social, de uma ou

de várias operações de comércio determinadas”. Cf. artigo 109: “A associação em participação é aquela pela qual uma ou várias pessoas se interessam pelas operações que uma ou várias outras exercem em seu próprio nome”.

174 Cf. MENDONÇA, Jose Xavier Carvalho de, Tratado de direito commercial brasileiro, cit., v. 4, livro II, p.

230-231.

sob certa forma, é uma sociedade anônima176, no que repetem lição da antiga doutrina francesa.177

Aos terceiros não assiste alegar a existência da sociedade, mesmo que conheçam sua existência e formação178. Quem contrata com um dos sócios não é credor nem devedor dos demais; e, em termos de estrita técnica jurídica, não existe ato que torne conhecida de terceiros a sociedade em conta de participação.179

Esse seu característico principal de ser uma sociedade tipicamente intra partes e oculta, para todos os efeitos, com relação a terceiros, tem resistido e persistido através dos séculos.

Essa característica de não aparecer juridicamente aos olhos do público também se faz presente no molde francês (Lei n. 66.532, art. 419), no Código Civil italiano (art. 2.555) e no Código Comercial português (art. 226). Assim também lecionam diversos autores entre nós.180

Autores há que, ao invés de seguir pela regra e ressaltar os pontos positivos e favoráveis dessa modalidade societária, buscam enfatizar os aspectos negativos e as válvulas de sua utilização menos ortodoxa. Enquadram-se aqui aqueles que vêem como primeiro ponto a observar na sociedade em conta de participação o fato de que, por ser uma sociedade secreta, não sendo seu contrato averbado perante a Junta Comercial, independendo, por conseguinte, de maiores formalidades, acaba sendo aquela pela qual optam, na qualidade de sócios ocultos, as pessoas proibidas de comerciar.

Anote-se, contudo, que a sociedade em conta de participação não é uma sociedade clandestina ou de cunho menos nobre, mas integralmente regular, até porque disciplinada como tal pelo ordenamento jurídico. É sociedade, porque assim também é tida pelo Código Civil. Se não tem personalidade jurídica, é porque sua norma regente lhe nega tal atributo,

176 MÉLEGA, Luiz, As sociedades em conta de participação e o imposto sobre a renda, cit., 55.

177 Cf. MENDONÇA, Jose Xavier Carvalho de, Tratado de direito commercial brasileiro, cit., v. 4, livro II, p.

232.

178 Ibidem, p. 227. 179 Ibidem, p. 226.

sem desmerecê-la. Sua característica recôndita, entretanto, advém do perfil traçado pela própria lei. Por isso se vê que ela não é clandestina ou secreta, de modo que os sócios até mesmo podem divulgar sua existência, se não forem impedidos pelo contrato181. E, assim como todos os modelos do figurino societário tem seus pontos favoráveis e contrários, o que se deve dizer da sociedade em conta de participação é que ela não foge a essa regra. E, se verdade é que alguns podem valer-se de seus pontos fracos para burlar a lei, não menos certo é que essa não é sua principal característica, além do que a existência de pontos fracos em sua estrutura não a desmerecem de modo algum.

De modo preciso, aliás, lembra Carvalho de Mendonça que, ao se dizer que a conta de participação tem o caráter de uma sociedade oculta, não se quer, com isso, atribuir-lhe a conotação de “uma sociedade irregular, uma sociedade organizada com manobras fraudulentas, para o fim de enganar ou iludir o público, nem um contrato que precise ser guardado em sigilo, sob pena de degenerar em uma sociedade em nome coletivo, mas significa simplesmente uma sociedade non proscripta, uma sociedade em que o sócio gerente não usa senão o próprio crédito, agindo no próprio nome”.182

E não se pense que o sigilo acerca da identidade dos sócios participantes tenha por alvo proteger a prática de negócios escusos ou facilitar o anonimato de pessoas em débito com o mercado ou com a Justiça. Motivos diversos há, que não os dessa ordem, para que alguém prefira manter-se ao largo de identificação em tais casos. E a Justiça tem mecanismos outros e variados para buscar os praticantes de condutas ilegais e fazê-los responder por seus atos. Além disso, quem está na ilegalidade há de continuar nela por diversos outros mecanismos, como por intermédio de testas-de-ferro, de presta-nomes ou “laranjas”, como se tem veiculado atualmente na mídia. Um forte indicador dessa posição é o fato de que o legislador civil, além de fortalecer em tratamento a sociedade em conta de participação, até mesmo, para não deixar dúvida alguma acerca da inexistência de laivo algum de clandestinidade, ilegalidade ou algo menos nobre, retirou da disposição legal o adjetivo “oculto” e o substituiu por “participante”, ao designar o sócio meramente capitalista nessa espécie de sociedade.

181 Cf. REQUIÃO, Rubens, Curso de direito comercial, 25. ed., 2003, cit., v. 1, p. 422.

182 Cf. MENDONÇA, Jose Xavier Carvalho de, Tratado de direito commercial brasileiro, cit., v. 4, livro II, p.

Assim, resuma-se com a observação de que, quando se fala do caráter interno e oculto da sociedade em conta de participação, não se quer intuir um sentimento de clandestinidade ou ocultação de algum aspecto imoral, ilegal ou irregular. Com isso se quer apenas dizer que ela não aparece juridicamente aos olhos do público.183