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Considerações finais

No documento Anais III Colóquio Festas e Socialidades (páginas 128-132)

O futebol constituiu-se, já nas primeiras três décadas do século XX, como uma paixão lúdica fascinante para os jogadores e espectadores; tratava-se de um esporte com regras claras, simples e que necessitava de pouco equipamento para ser praticado e assistido por contingentes relativamente grandes de pessoas. Dessa forma, o surgimento dessa prática esportiva no Brasil deu-se no último decênio do século XIX e evoluiu rapidamente ao longo do século XX, transcendendo da concepção de esporte da elite, inicialmente, a futebol negócio e espetáculo globalizado nos dias atuais. Ao longo de sua implantação e consolidação em terras brasileiras, o esporte afirmou-se como um dos mais importantes elementos da formação da identidade brasileira.

Com distintas fases, o seu papel alterou-se ao longo do tempo na sociedade brasileira. Iniciou como elemento de uma pequena elite, tornou-se paixão popular integradora, profissão, caminho de afirmação nacional e também um negócio milionário e global dentro do qual o Brasil representa importante papel. Nesse sentido, nas primeiras décadas do século XX, o futebol desenvolveu-se grandemente também no Rio Grande do Sul, o que, em linhas gerais, ocorreu de forma semelhante nos outros estados brasileiros. Nesse período efervescente para o esporte, vários clubes se formaram no estado, especialmente em Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, cidades que iniciaram o movimento de introdução no sentido litoral-interior, ensejando uma multiplicação de equipes esportivas nesse estado brasileiro.

Dentro desse contexto, o surgimento dessa intensa rivalidade experimentada em Novo Hamburgo tem alguns elementos comuns com outras cidades brasileiras onde o futebol se desenvolveu. Nessa cidade a forte rivalidade futebolística esteve aliada a um expressivo surto industrial. Entretanto, ao contrário dos grandes centros industriais brasileiros, onde as agremiações deste esporte, em sua grande maioria, foram fundadas por elementos populares, percebeu-se que houve em Novo Hamburgo uma clara dualidade. De um lado o ECNH, fundado por trabalhadores de uma indústria de calçados e surgido na área central da cidade, de ocupação mais recente e o FBC Esperança, formado a partir de elementos da elite local de Hamburgo Velho, como comerciantes e empresários do setor calçadista, representantes dos imigrantes mais antigos na ocupação local.

Assim como em cidades de maior porte populacional, especialmente as capitais, em Novo Hamburgo desde a primeira década do século XX houve um acentuado desenvolvimento da sua economia e nessa esteira de crescimento urbano, econômico e

populacional, a potencialização da rivalidade dos seus principais clubes de futebol. Nessa localidade o futebol começou a tomar corpo no momento em que a indústria passou a ter maior destaque dentro do cenário econômico do município, desta forma, o futebol teve componentes elitistas e populares, mas marcadamente territorial com os bairros e localidades bem definidos, como de caráter de classes sociais e, um terceiro componente muito forte que foi a questão étnica.

Embora não seja tema desse trabalho, Alessander Kerber, Claudia Schemes e Magna Magalhães (2008), ao estudarem as atividades esportivas na cidade de Novo Hamburgo e, especialmente o caráter mais popular e até mesmo marginalizado, deparou-se com o futebol fundado por negros nessa cidade em meados dos anos 1920. Estes grupos praticavam o futebol em outra área do município, especialmente no bairro Guarani, também conhecido por África, e no bairro Primavera, mais afastado das áreas centrais do município. Além disso, desenvolveram uma liga própria e não foram contemplados na imprensa local, ficando à margem do processo de construção da identidade e do futebol hamburguense.

O crescimento da cidade, sua expansão territorial, a chegada de trabalhadores de outras regiões e composições étnicas, além da proximidade da capital, Porto Alegre, não impediram que a rivalidade entre os principais clubes locais experimentassem um forte decadência no final dos anos 1960, coincidindo com o momento em que se iniciou efetivamente o surto de exportações de calçados e, consequente rearranjo da economia, geografia e sociedade local.

Este processo forjou uma nova fisionomia para a cidade e modificou profunda e rapidamente a sua identidade. Nesse sentido, o futebol deixou de ser parte integrante deste processo, os bairros se modificaram, as elites econômicas se modificavam, alternavam e se refundiam. Novos atores chegavam junto com as novas e modernas fábricas de sapatos e de curtumes. Os bairros e regiões que outrora marcavam as diferenças se aproximavam e as rivalidades locais perdiam espaço aos clubes da capital.

Desta forma, mesmo que tendo enfraquecido a partir do final da década de 1960, a atividade futebolística em Novo Hamburgo, com a tríplice composição referida anteriormente, contribuiu decisivamente para a formação identitária da cidade, inserindo- se como uma atividade do cotidiano, onde o futebol assume uma postura inventiva. Este tipo de atividade, tornado hoje um espetáculo de proporções globais, acabou assumindo

uma importante proporção para a construção identitária, seja de um espaço, no caso de Hamburgo Velho, seja de um território, que se trata de Novo Hamburgo.

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No documento Anais III Colóquio Festas e Socialidades (páginas 128-132)