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a festa como perspectiva nos relatos sobre a aventura e o contato dos portugueses com a

No documento Anais III Colóquio Festas e Socialidades (páginas 98-111)

costa brasileira no Século XVI64

Marcos da Costa Martins

Este texto é dedicado aos testemunhos escritos do século XVI a respeito das grandes navegações portuguesas. Procuro pelo elemento festivo destes relatos e o modo pelo qual colocam a festa como lugar da tradução entre desconhecidos. Assinala-se aqui a potência de invenção embutida tanto no tecer da história quanto na sua posterior relembrança65.

Invoca-se o legível nos documentos citados a seguir, não na sua pureza, nem no seu resgate como fato, mas como coisa singular vivida e que adquiriu pela pátina do tempo sua própria verdade e legitimidade; que não renuncia, mas antes aceita e incentiva a ficção, que nela foi instilada como recurso de preservação do maravilhamento primeiro da experiência do nunca antes imaginado, na medida em que o relato foi se distanciando temporal e sensivelmente do evento que lhe deu origem66.

Assim, a fabricação do modo de recordar as ações passava, inevitavelmente, pelo extraordinário, por aquilo que rompe o ciclo comum das vidas (a contingência), atribuindo outra função à palavra, que daí em diante elevava a ação do homem à condição de história perene (Barboza Filho, 2000: 25). O curso autocriativo da Ibéria, conforme posto por este autor, insinua este processo marcado pela aventura e por acontecimentos extraordinários, consciente da turbulência. Movida pela vitória contra os infiéis e pelo domínio do mar, esta região pulsava de promessa, abria horizontes e reencontrava o maravilhoso, expandindo a própria physis e assim, inventava outras possibilidades de exaltação da palavra diante do inesperado67.

64 Trabalho apresentado na ST 02.

Doutorando em sociologia, UFMG; pesquisador do Centro de Estudos da Religião Pierre Sanchis,

UFMG.

65 Para a descrição pormenorizada dos passos na formação grega do conceito clássico de história,

consultar: Barboza Filho, 2000.

66 Origem da magia, segundo Benjamin (1996), que faz nascer a nomeação, centelha que instiga a

percepção diante do que não tem correlato e exige um nome diante do espanto que causa.

Elementos polissêmicos e dramáticos são ressaltados por todos os autores que se dispensaram com a festa. Desde a efervescência durkheimiana, passando pelo sacrifício e pela dádiva em Hubert e Mauss até o carnaval medieval de Bakthin e o dom do nada em Duvignaud, todos, de uma maneira ou de outra, admitiram que o momento festivo guarda um ponto inacessível em seu núcleo no momento em que a festa faz do sujeito algo maior que ele mesmo e o conecta com o sui generis da vida social (daí a disseminação de ficção nos relatos)68. Duvignaud, o principal herdeiro na atualidade desta tradição epistêmica que

fez da festa um meio original para pensar a sociedade, remete-se aos campos de disseminação investidos de estabilidade os quais a festa materializa em sítios rituais e locais sagrados cujos significados voláteis expressam sucessivamente a permanência do objeto que aguça a percepção. Este autor é o guia dessa apresentação ao descrever a festa como o manto que preenche as lacunas de compreensão nas relações coletivas. Mostra assim que a festa pode ser pensada como significante privilegiado no que diz respeito ao ato de conferir distinção, atiçando a percepção mais do que criando significados. A festa irradia e toca aquele que atravessa seu campo (Duvignaud, 1977: 84, 88). Ninguém que se encontra numa festa escapa à participação e no seio desse êxtase coletivo podemos observar a dimensão violenta que a manifestação ritualizada e imprevisível comporta. Os relatos das grandes navegações são semeados dessa violência da incompreensão tanto de maneira tangencial como, em alguns casos, de forma crua e direta.

Vamos nos concentrar no período imediatamente anterior à chegada dos portugueses nas terras a leste do oceano Atlântico, abaixo do Equador e opostas ao Golfo da Guiné, conforme os relatos de João de Barros, Pero Vaz de Caminha e a Relação do Português Anônimo e a referência aos Arquivos da Primeira Visitação do Santo Ofício conforme citados por Ronaldo Vainfas em seus trabalhos sobre as Santidades.

João de Barros, à época, historiador oficial de Portugal chegou a receber a doação das capitanias do Pará e do Ceará no Brasil e para esta terra se dirigiu com sua armada, financiada pelo advento bancário da modernidade e que acabou perdendo-se no mar das Antilhas. Esta testemunha da época, naquilo que viveu e na forma em que assentou por escrito, nunca alcançou pôr os pés em tais posses virtuais e passou a vida toda pagando os juros por este dispêndio.

Conta-nos, esse quase-Ulisses português, em 1552, que como gratificação da mercê de ter sido honrado pela providência divina com a glória de abrir as portas para um outro

mundo suscetível de conversão e de redenção pelo Cristo, Dom Manuel mandou divulgar Em todas as cidades e vilas do Reino os feitos notáveis de Vasco da Gama e que estes deveriam ser solenizados com procissões e festas espirituais em seu louvor (João de Barros, 2000: 416). O autor nos relata que o clima geral de festa engolia e processava, no interior do júbilo nacional, as lamentações daqueles que perderam os seus entes neste tão grande feito; como signo inverso da vida, estas mesmas lamúrias aumentavam, ainda mais, o crédito do louvor. A morte, sombra deste mar incógnito, assolava os marinheiros por meio de novas doenças de tão variados climas por que passaram, diferença dos

mantimentos que comiam e principalmente pelo medo do nunca visto que acometeu esses

marinheiros. Por outro lado, esse contato com a morte fazia os marinheiros retornarem investidos de uma aura sagrada; os que superaram os riscos do além, temperavam a aventura, que adquiria um aspecto fantástico diante das cargas de pimenta, de cravo e de canela, de pérolas e de pedrarias que iluminavam a coroa portuguesa de maneira que “nem se achava escritura de gregos, romanos, ou de alguma outra nação, que contasse tamanho feito” (João de Barros, 2000: 417,418). A festa dá lustro e relevo ao herói, ao rei, aos agentes, a cada um dos participantes; ela produz os rastros materiais e efêmeros daquilo que Barboza Filho descreve como a reposição do modelo heroico clássico de palavras e de ações, pela modernidade das armas e das letras.

“Navegaram 3000 e tantas léguas, contenderam com três ou quatro reis tão diferentes em lei, costumes e linguagem, sempre com vitória de todas as indústrias e enganos de guerra que fizeram”. Permeando a festa da recepção, está a imagem sangrenta da guerra no (des)encontro inesperado de outras culturas. E o sangue, a ventura e a promessa de esplendores assanhavam ainda mais a conquista e imantavam a solidariedade do Reino, que se irmanava num projeto audacioso e que devia retornar em breve às Índias com imensa esquadra, já que: “Cá – segundo o negócio ficava suspeitoso, pelas coisas que Vasco da Gama passara – parecia que mais havia de obrar neles temor de armas do que amor de boas obras”(idem).

Essa é a preparatória para a construção e o lançamento da Armada que seria capitaneada por Pedro Álvares Cabral em 1500. No dia 08 de março daquele ano, El Rei e toda a sua Corte foram à Missa na Igreja de Nossa Senhora de Belém no Restelo para a consagração da Armada, o que confirmava a transcendência do projeto e o caráter místico do lançamento da frota ao ‘Mar Tenebroso’. As treze naus estavam preparadas e o alarido das Gentes de Armas preenchia o cenário de festa. Houve o sermão de dom Diogo Ortis, bispo de Ceuta (primeira conquista ultramarina da Coroa Portuguesa), sobre o argumento

da empresa que se lançava ao mar. No altar, uma bandeira da Ordem da Cavalaria de Cristo foi benzida ao fim da cerimônia, que a seguir foi entregue por El Rei a Pedro Álvares

com solenidade de palavras que tais atos requerem. El Rei, corpo místico e corpo

presente, permaneceu durante toda a celebração dentro de um camarim acortinado69. “Em

seguida, uma solene procissão de relíquias e cruzes, foi levada aquela bandeira - sinal de vitórias espirituais e temporais” (João de Barros, 2000: 419). À frente, estavam El Rei, Pedro Álvares e seus capitães e houve uma cerimônia de beija-mão e uma despedida.

A despedida é descrita em detalhes por João de Barros como objeto de grande contemplação com a presença da “maior parte do povo de Lisboa – por ser dia de festa e, mais, tão celebrada por El Rei – cobria aquelas praias e campos de Belém, muitos em batéis que rodeavam as naus, levando uns, trazendo outros. Assim, serviam todos com suas librés e bandeiras de cores diversas, que não parecia mar, mas um campo de flores, com a flor daquela mancebia juvenil que embarcava. O que mais levantava o espírito destas coisas eram as trombetas, atabaques, sestros, tambores, flautas, pandeiros e até gaitas - cuja ventura foi andar nos campos, no apascentar dos gados – naquele dia tomaram posse de ir sobre as águas salgadas do mar”(João de Barros, 2000: 420).

Aqui, todos os elementos se justapõem para além da ideologia imperial com a qual João de Barros corrobora como funcionário do rei e como cronista posterior do evento. Procissão de barcos, cores, bandeiras, música, Portugal inteiro abandona os campos e lança-se ao mar. Uma outra configuração social se desenha aqui e a festa é o que expressa esta transformação da velha posse de terra imutável e medieval para o movimento do comércio e do contato transoceânico, conforme a alegoria da gaita, instrumento pastoril que aqui celebra a partida marítima. Assistimos não apenas ao lançamento da esquadra, assistimos também os antigos valores religiosos da reconquista sendo empenhados numa imensa peregrinação global, que fundiria mercados e mentalidades e criaria outras formas de habitar um mundo. Em outro front, este de ordem psíquica, a alegria da despedida era um esconjuro contra o vazio das imensidões líquidas em trajetos que ainda eram novidades “porque, para viagem de tanto tempo, os homens buscavam de tudo para tirar a tristeza do mar. O coração de todos estava entre prazer e lágrimas“ (João de Barros, 2000: 423).

A primeira tarefa desta celebração de sangue era atacar os mouros e os idólatras. Os sacerdotes usariam o gládio espiritual do evangelho. Os soldados, a espada. As armas e as letras em ato. João de Barros acreditava, contudo, que o comércio e a comutação, esse

laço perene, que estende as relações pela dívida, era o meio mais eficaz pelo qual se conciliaria e trataria a paz e o amor. A polícia (termo usado à época para denotar o refinamento dos costumes, a civilização, a polidez) no trato com os estrangeiros vinha a reboque do trato dos que, por ventura, não se alinhassem à “crença de verdade que cada um é obrigado a ter e crer em Deus, em tal caso lhes pusessem ferro e fogo e lhes fizessem guerra crua” (idem.).

A Relação do Português Anônimo (1500), que do século XVI ao XIX, até a publicação da Carta de Caminha, foi a principal referência para o Achamento das terras do lado de cá do Atlântico Sul, fala-nos do encontro com os estrangeiros, plenamente estranhos no sentido estrito do termo. A Armada ia para a Índia e para Sofala (Arábia). A chegada em terras desconhecidas, depois batizadas de Santa Cruz, é marcada por uma tormenta e pelo tormento de que “não se entenderam nem por fala nem por gestos” (A Relação do Português Anônimo, 2000: 134). “Deixou dois homens banidos no dito lugar, os quais começaram a chorar. E os homens daquela terra os confortavam e mostravam ter piedade deles” (idem: 137) choro de angústia dos que ficaram abandonados à falta de sentido, a grande punição, encontrava aqui contrapartida na hospitalidade70. Esta será muitas vezes

citada nesses primeiros relatos. Mas essa hospedagem terá seus custos e os relatos posteriores sobre a antropofagia de Hans Staden, André Thévet, Jean de Léry e Anthony Knivet, darão o tom da recepção enviesada e equivocada dos europeus entre si numa terra estrangeira, dos indígenas entre si em sua terra natal e entre os europeus e os indígenas numa terra a partir de então compartilhada.

Pero Vaz de Caminha narra o espetáculo do encontro: dois índios são embarcados na Nau Capitânea, Pedro Álvares está numa cadeira sobre um tapete e porta um colar de ouro. Todos esses itens são signos de poder óbvios para aqueles que vinham de uma monarquia europeia consolidada em Estado Nacional. Os índios percebiam isso? Os índios, por sua vez, apresentam-se coroados de penas e tinham os lábios vazados e atravessados por bastões [seriam itens de poder? E se forem, que tipo de poder? Nada explica]. Acenderam tochas. O primeiro momento é sem gesto e sem cortesia, apenas silêncio.

É oferecido um jantar: “pão, pescado cozido, confeite, farteis, mel e figos secos. Os homens da terra reagem à comunhão, não quiseram comer quase nada daquilo. E se provavam alguma coisa, lançavam-na logo fora, recusam vinho e água, não beberam; somente lavaram as bocas e a lançaram fora.” (Pero Vaz de Caminha, 2001: 84,85). Não é

demais recordar o capítulo três d’O Dom do nada, a festa em Sidi Soltan, onde a fome é o signo, contudo os habitantes do povoado “não comem verdadeiramente. Eles mordem um bocado de um pedaço de carne que eles passam ao vizinho ou lançam para trás de si mesmos. Eles jogam ao lançar fora. Eles jogam a perder” (Duvignaud, 1977: 168, tradução minha). Neste caso, o jogo remete a “um gesto que retira a uma ou muitas famílias a possibilidade de economizar e de entrar num sistema de economia de mercado […] sua manducação se sacia de inutilidade” (Duvignaud, 1977: 160, tradução minha). No caso dos índios a bordo da Nau Capitânea, o gesto não se completa, a economia do signo falha, o encontro esvazia-se, assim como os africanos na prosa de Duvignaud, aqui também se destrói a produção; neste caso a do sentido. Começa a troca antes mesmo do entendimento.

Agradaram-se das contas do rosário. “Isto tomávamo-lo assim por o desejarmos, mas ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto nós não queríamos entender, porque não lho havíamos de dar” (Pero Vaz de Caminha, 2001: 85). A interpretação de mão única oferecia o jantar como embaixada e, no entanto, relutava em ofertar a dádiva: os presentes só foram dados na despedida. Os naturais acabam por devolver o colar. Terminada a ceia, estiram-se sem cerimônia sobre o tapete. Os portugueses ofereceram almofadas e um dos gentios não queria estragar o penteado ao dormir. Aceitaram o manto para se cobrir. Quando foram desembarcados levaram consigo presentes: camisas novas, carapuças vermelhas, dois rosários de contas brancas de osso, cascavéis (guizos), campainhas. Os presentes têm uma conotação moral, vestí-los, cobrí-los, amuletos e objetos sonoros. Além disso, um degredado é enviado para pernoitar com eles. Os dois índios e o degredado chegam à praia, sendo esperados pelos outros, o degredado é agasalhado [outro sinal de hospitalidade dos autóctones e/ou meio textual de garantir a tranquilidade do Rei quanto à índole deste povo exótico?]. Segundo o relato não houve hostilidade nem de uns, nem de outros. As relações por mais indecifráveis que pudessem parecer, transcorriam em calma observação mútua desconfiada.

Nos dias subsequentes, os autóctones apresentaram-se “esquartejados de cores, metade da própria cor, metade de tinta negra azulada ou quartejados de escaque, isto é, pintados em padrões de xadrez. O mais velho deles andava com gala e enfeitado de penas como São Sebastião flechado” (Pero Vaz de Caminha, 2000: 89, 90). Esta descrição mostra o processo de figuração usado por Caminha, mas, ao mesmo tempo, sugere que o

acontecimento fugia ao cotidiano dos naturais e a pintura dos índios poderia indicar essa preparação para o inesperado71.

No domingo posterior à Páscoa, denominada aqui Pascoela, dia 26 de abril, os portugueses celebraram uma missa num ilhéu, no qual foi montado um Esperável (pálio com dossel) e nele um altar adornado; o capitão desce em terra com a bandeira do Cristo recebida das mãos de El Rei e se posta ao lado do Evangelho. Ao fim da missa, os naturais da terra tangeram “cornos e buzinas, começaram a saltar e a dançar um pedaço”(Pero Vaz de Caminha, 2001: 93). Apenas um deles, pintado de vermelho, recusou-se a misturar-se aos portugueses [seria a figura nefasta e premonitória de que nem tudo seria tão fácil como os portugueses talvez imaginassem? Essa figura em vermelho alerta para algo? É um princípio de demonização; não apenas pelo vermelho (a cor que se popularizava na Europa e que o Brasil seria o fornecedor primevo), mas pela diferença deste índio em relação aos demais, pela recusa do trato? Sua caracterização e sua recusa introduzem uma perturbação, de qualquer maneira, seja no texto, seja no contexto das relações posteriores entre os dois povos]. O relato prossegue: “A coisa era de maneira que todos andavam misturados” pela praia (Pero Vaz de Caminha, 2000: 95). O capitão conversou com o mais velho, mas sem nunca se entenderem [como é possível uma conversa sem entendimento? por onde passa o entendimento na incompreensão da língua e dos gestos?].

O episódio mais interessante deste congraçamento festivo é a participação de Diogo Dias, “almoxarife gracioso e de prazer”, isto é, um animador nato de festas, que junto de um gaiteiro começou a dançar com os autóctones, tomando-os pelas mãos [o documento insinua que o costume dos naturais parecia não conhecer danças de mãos dadas](Pero Vaz de Caminha, 2000: 98). Essa dança, surpresa para eles, completada com acrobacias e saltos mortais, gerou muito riso, que foi seguido de repentina desconfiança e afastamento. Este comportamento não passa despercebido de Caminha que nota esta mudança brusca de humor que “logo de uma mão para outra se esquivavam como pardais de cervadouro” (idem.). Contudo, cada encontro era ocasião de abraços e, na terça-feira do dia 28 de abril, os naturais da terra ajudaram inclusive os portugueses, no corte de madeira para a confecção de uma grande cruz72. Caminha diz no dia 31 de abril: “andavam já mais mansos

71 A chegada ao Novo Mundo é um dos encontros mais perturbadores da hi(e)stória do Ocidente.

Suscita um “um sentimento de estranheza radical” (Todorov, 1981: 12,13). A África, a Índia ou a China não constituíram jamais realidades inteiramente estranhas aos europeus. […] Trata-se de um outro “sem apoio referencial, sem déjà vu”, o que interdita ao observador “o imediato julgamento axiológico” (Affergan, 1987: 67, apud. Perez, 2011: 135).

72 A cristandade, diz Jean Duvignaud, “toma possessão do espaço aos pedaços. Espaço fechado do

e seguros entre nós do que nós entre eles. São muito mais nossos amigos que nós seus amigos” (Pero Vaz de Caminha, 2000: 101).

Com a cruz pronta, os portugueses puseram-se a adorá-la para que os índios vissem o acatamento que tinham por ela e repetissem o gesto, o que fizeram, para grande alegria dos cristãos que viram neste gesto o que queriam ver. No dia seguinte, houve uma procissão com a bandeira para plantar a cruz e esta Terra se tornava, oficial e cerimonialmente dedicada, como Terra de Santa Cruz. O batismo completa o circuito: a bandeira consagrada, o ritual de benção e o lançamento da Armada portuguesa de 1500 encontram em terras da América uma das suas correspondências. Na costa da Bahia, portugueses e naturais se engalfinharam entre dádivas e hospitalidades pela compreensão. Ocasião de troca de dons, de cerimônias. Ocasião para o exercício da fé e da diplomacia bem como do estranhamento.

“Porém, como o demônio, pelo sinal da cruz, perdeu o domínio que tinha sobre nós, mediante a Paixão do Cristo Jesus consumada nela, tanto que daquela terra começou a vir o pau vermelho, chamado brasil, trabalhou para que este nome ficasse na boca do povo, e que se perdesse o [nome] Santa Cruz, como que importava mais o nome de um pau que tinge panos [do] que [o nome] daquele pau que deu tintura a todos os sacramentos por que somos salvos, pelo sangue de Cristo Jesus, que nele foi derramado. E com, noutra coisa, nessa parte não me posso vingar do demônio, admoesto, da parte da cruz de Cristo Jesus, a todos que nesse lugar lerem, que dêem a essa terra o nome que com tanta solenidade lhe foi posto, sob pena de a mesma cruz, que nos há de ser mostrada no dia final, os acusar de mais devotos do pau-brasil [do] que dela. E por honra de tão grande terra chamemo-lhe provincial e digamos a “Província de Santa Cruz”, que soa melhor entre prudentes, que ‘Brasil’, posto por vulgo sem consideração e não habilitado para dar nomes às propriedades da Coroa real” (João de Barros, 2001: 428).

Pela citação acima nós nos damos conta da significância de dar um nome àquelas

No documento Anais III Colóquio Festas e Socialidades (páginas 98-111)