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Um evento de mercado e suas características

No documento Anais III Colóquio Festas e Socialidades (páginas 153-155)

O carnaval de Salvador se caracteriza como uma grande festa de rua. Durante sete dias, de quarta-feira a quarta-feira, a festa se espalha pela cidade, através do desfile de blocos carnavalescos.

Nestes três circuitos, desfilam cerca de 230 entidades, em seis dias de folia (de quinta a terça-feira). Dados da SALTUR – Empresa Salvador Turismo, órgão da Prefeitura Municipal de Salvador responsável pela organização da festa – indicam a seguinte distribuição: 29 afoxés, 65 afros, 14 alternativos, 39 blocos de trio, sete percussão/sopro, quatro especiais, quatro de índios, sete infantis, 19 de percussão, 33 de samba e 10 de travestidos.

Os blocos são geralmente puxados por um trio elétrico, que leva a atração musical. Há três roteiros para desfiles dos blocos, que são chamados de circuitos. Cada circuito possui uma especificidade histórica, que acaba por definir o tipo de atividades que recebe durante o carnaval.

O primeiro deles é denominado de Centro Histórico ou “Batatinha”. Localizado na região do Pelourinho, de forte apelo histórico e Cultural, privilegiado pelos órgãos oficiais organizadores do carnaval para os desfiles dos blocos afro e afoxés, destacando-se ali os desfiles do carnaval Ouro Negro, programa do governo do estado da Bahia que patrocina/incentiva os blocos e as entidades de matriz africana. Possui cerca de 500 metros de extensão, mas inclui também o próprio centro histórico do Pelourinho, com programação e atividades nas suas praças e em seus largos. Nas suas praças e nas suas ladeiras o Pelourinho recebe também atividades que buscam lembrar os “antigos carnavais”, com desfiles de mascarados, bandinhas tocando marchinhas de carnaval e algumas atividades voltadas para as crianças.

Outro circuito é o chamado de Avenida ou “Osmar”. Localiza-se nas ruas da área central e de concentração do comércio popular e tradicional da cidade, entre a zona sul e o Pelourinho. É o circuito mais longo do carnaval, com condições físico-geográficas distintas, por se localizar em vias mais estreitas, sem muita ventilação e sem visão do mar. A grande tradição deste circuito está em abranger, no seu itinerário, a passagem pela Avenida Sete de Setembro e pela Praça Castro Alves, que desde os anos 1960 foi centro de manifestações carnavalescas de blocos tradicionais. É o circuito mais antigo do carnaval, e conta com participação de blocos mais tradicionais, mas com presença considerável de blocos de trio de cunho comercial. Nas observações de campo pude perceber que grande

parte dos turistas brasileiros “teme” o carnaval neste circuito, que consideram como mais violento e com maior concentração de foliões. Tem extensão de aproximadamente oito quilômetros.

Por último, o Circuito Barra-Ondina ou “Dodô”. Foi criado a partir do crescimento do turismo externo, onde se percebe grande presença de turistas. Localiza-se nos bairros que, por volta de 1980, concentravam a população de classe média e média alta da cidade, com objetivo de receber o grande contingente de turistas que passaram a frequentar o carnaval da cidade naquele período. Apesar de a região não ser mais o principal polo de concentração desta camada da população, o circuito continua sendo aquele caracterizado como carnaval mais elitizado, com predominância de blocos de trio, com abadás pagos, onde se concentram os mais luxuosos camarotes para acompanhar o desfile. Este circuito tem extensão de cerca de cinco quilômetros.

Além destes circuitos, o carnaval conta ainda com programação de bairros, em outros sete bairros da cidade (Cajazeiras, Itapuã, Liberdade, Periperi, Pau de Lima, Plataforma, além do “Palco do Rock” em Piatã)102.

A dinâmica atual da festa inclui alguns novos tropos, que não se manifestavam em outros tempos da folia, em que a diversão se restringia a população local. O novo vocabulário do carnaval de Salvador inclui os seguintes termos:

Cordas: O bloco é cercado por uma corda que é suspensa por homens e por mulheres, chamados de cordeiros que recebem pela atividade. A função da corda é garantir que apenas as pessoas usando os abadás circulem dentro da corda, na área que cerca o trio elétrico. Este elemento já era presente em outros momentos do carnaval de Salvador, funcionando inicialmente como delimitador dos membros do bloco para que não se separassem e, posteriormente, para garantir a segurança dos foliões. No entanto, no cenário atual, carrega a conotação de elemento de exclusão econômica nos festejos.

Cordeiros: Contratados pelos blocos para segurar a corda que define o limite entre o bloco (associados) e o folião pipoca. Além da questão de exclusão do não pertencente, e os impactos econômicos e sociais desta exclusão, esse novo agente no carnaval é alvo de

102 A observação sobre estes espaços alternativos ainda é preliminar na pesquisa, mas cabe ponderar que os carnavais de bairro têm por objetivo criar alternativas para a população não precisar se locomover para os circuitos principais, como tentativa inclusive de diminuir o fluxo de pessoas para aqueles locais, já tão movimentados.

muitas discussões, em função da precariedade das condições de trabalho e baixa remuneração.

Abadá: É uma vestimenta, que serve como ingresso para o folião poder desfilar no bloco. O abadá foi idealizado na década de 1990, para substituir as pesadas e desconfortáveis mortalhas de antigamente. O folião que adquire o abadá é chamado de associado ao bloco. Os abadás possuem preços variáveis, que podem ir de R$ 50,00 a R$ 800,00, dando direito de participação em um único desfile (um único bloco, por um único dia). No cenário de mercantilização da festa, também é alvo central da discussão sobre exclusão da população local, visto que não há, na maioria dos blocos, nenhum outro critério para participação no bloco que não seja a possibilidade econômica de adquirir o abadá. Atualmente, é grande o comércio dos abadás através de sites na internet, que facilita ao turista programar sua participação no bloco à distância, que reforça a ausência de identificação com o bloco no qual opta em desfilar.

Associado: Folião que comprou o abadá, e pode permanecer dentro da corda nos blocos de trio.

Pipoca: É o conjunto de foliões que não estão nos blocos e que usufruem carnaval seguindo os trios do lado de fora das cordas, ou participando dos blocos e eventos que não fazem distinção entre pagantes e não pagantes, não adotando a corda como distinção econômica ou étnica/cultural.

Além destes elementos no cenário do carnaval soteropolitano, outras questões se colocam polemizando o que aqui é chamado de dinâmica (ou disputa) social pelo espaço da festa, especialmente no que se refere às condições dos desfiles: a disputa por patrocínios, visto que hoje grandes empresas patrocinam vários blocos, especialmente cervejarias, o que se relaciona diretamente com a disputa pelos melhores horários e locais de desfile, além de questionamentos quanto às ações do poder público (municipal, estadual e federal), que tem o papel de patrocinador, organizador da festa, portanto mediador dos diversos interesses envolvidos na disputa. É neste cenário que se pretende aprofundar, descrevendo dinâmicas e atores envolvidos neste processo.

No documento Anais III Colóquio Festas e Socialidades (páginas 153-155)