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A festa de Nossa Senhora do Rosário

No documento Anais III Colóquio Festas e Socialidades (páginas 172-174)

no caminho velho da Estrada Real

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Vânia Noronha e Paula Miranda Alves Pimenta

Introdução

Minas Gerais é um dos estados brasileiros onde a devoção ao catolicismo é bastante evidente. Aqui encontramos como forte tradição a festa do congado, também conhecida como Reinado. Manifestação católica reinventada pelos negros, em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, considerada mãe e protetora, e, aos santos pretos, São Benedito e Santa Efigênia, encontra suas bases na narrativa mítica em torno da Santa que constitui o imaginário de seus devotos, há pelo menos 300 anos em nosso Estado.

O Congo, Congado ou Congadas foi disseminado em várias regiões do Brasil. Desde o início da colonização, além de Minas Gerais, há registros também nos estados de Pernambuco, Bahia, Goiás, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro. O primeiro deles é uma carta datada de 1552, na qual o jesuíta Antônio Pires refere-se à participação dos negros em Pernambuco, já organizados em Confraria do Rosário (Lucas, 2002).

Em nosso estado a reza do rosário e a devoção a Nossa Senhora do Rosário e aos santos pretos foi iniciada por ocasião do deslocamento de escravos das lavouras de cana- de-açúcar para a extração de ouro, principalmente, na antiga capital Vila Rica, no século XVIII, que se estruturaram ou vincularam às Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras. A criação da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário data de 1711, num registro feito por André João Antonil, relatando o costume dos negros de criarem reis, juízes e juízas nas festas aos santos (Mello e Souza, 2002). Outro registro é a história de Chico Rei, antigo rei africano que teria vindo como escravo para Vila Rica, no século XVIII117. Após conquistar sua liberdade e ajudar na alforria de outros escravos, constrói, no Bairro Alto da Cruz, uma igreja para cultuar Santa Efigênia, sendo coroado rei da festa de Nossa Senhora do Rosário pelo Bispo de Diamantina (Lucas, 2002; Meyer, 1998; Gomes e Pereira, 1988).

116 Texto apresentado na ST03.

Respectivamente: professora, PUC Minas; bolsista em Educação Física da PUC Minas. 117 Ver Moura (1997) e Silva (2007).

O congado é, nos dias de hoje, uma forte manifestação dos negros em Minas Gerais. Só em Belo Horizonte uma pesquisa realizada por Alves (2008) mapeou 26 guardas dos grupos de Congo e do Moçambique. Segundo Saul Martins (1982), folclorista mineiro, fazem parte da família congadeira, compondo os sete grupos do Reinado, além desses, o Catopé, os Marujos e o Vilão. Existiam ainda, os Cavaleiros de São Jorge, atualmente sem informação da continuidade de sua existência. Muitos desses grupos são encontrados apenas no interior do Estado.

Ao longo de todo trajeto da Estrada Real a festa do Congado fez e ainda se faz presente em vários municípios e distritos, momento em que os devotos modificam a estrutura dessas localidades, ocupando de forma diferenciada seus espaços, com procissões, missas, hasteamento de bandeiras, sempre seguidas de cantos, danças e o som dos tambores. São grupos sociais que, quase sempre, vivem no anonimato e, seguindo um calendário religioso peculiar, em momentos específicos do ano, se reúnem para rememorar um tempo e um imaginário mítico (Alves, 2008).

O texto que ora apresentamos é fruto de pesquisa em andamento, financiada pelo CNPq, que pretende contribuir com os registros dessa manifestação no interior de nosso Estado. Por ser uma manifestação que se funda na oralidade, é preciso dar voz aos sujeitos que insistem em manter a fé e a devoção, assumindo aspectos peculiares em suas vidas. Nossa proposta tem sido a de identificar quem são esses sujeitos e como vivem a religiosidade do congado. Onde eles estão? Como a experiência religiosa permeia a organização social por eles vivida? Quais as permanências e mudanças presentes na experiência religiosa da sua fundação até os dias de hoje? O que essas manifestações representam no contexto histórico do estado de Minas Gerais?

O objetivo que perseguimos é o de identificar e analisar os grupos de congado na Rota dos Diamantes da Estrada Real - de Diamantina a Ouro Preto – em seus aspectos históricos, sociológicos, culturais, religiosos e turísticos, com base nos registros das hi(e)stórias e memórias dos representantes de suas Guardas, com vistas a aprofundar o debate sobre o legado das heranças afro-brasileiras e a constituição do nosso Estado; compreender a dimensão sagrada e os valores espirituais, por meio dos quais se manifesta a africanidade na brasilidade dessa festa, presente nos laços afetivos, familiares e geográficos dos grupos; avaliar a importância das festas do Reinado como fenômeno turístico nas localidades investigadas; contribuir com o desenvolvimento de pesquisas no campo da Educação Física, do Lazer, do Turismo, da Cultura, da História tendo Minas Gerais como foco.

O congado atualmente tem despertado interesse de profissionais dos mais diversos campos do conhecimento para o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas. Por sua grandiosidade e complexidade abre-se para infinitas possibilidades. Do mesmo modo, a Estrada Real tem sido investigada por diferentes áreas. Esta pesquisa pretende preencher uma lacuna ainda perceptível nos dois campos de estudos.

Uma pesquisa dessa natureza é relevante, pois tem possibilitado a compreensão da presença dessa riqueza viva em nosso Estado até os dias de hoje, além da revelação de vertentes da cultura afro-brasileira em diálogo com heranças africanas. Estamos “garimpando” dados que nos permitam a documentação e a valorização dessas manifestações da cultura popular, contribuindo para a compreensão do contexto sociocultural e da concepção de mundo dos sujeitos que vivem essa religiosidade ao longo da Estrada Real.

A pesquisa tem trazido elementos para futuros debates sobre a escravidão e a herança africana no Estado, além de ampliado análises sobre sua dimensão sagrada, com base nos valores espirituais, por meio dos quais se mantêm a brasilidade na africanidade da festa, os laços familiares e geográficos do grupo, a forma de difusão do legado cultural e a linguagem simbólica presente em todo Reinado.

Para o Lazer e o Turismo em nosso Estado a pesquisa se abre para o conhecimento de importante dimensão da vida humana que é a festa e a possibilidade de entender um pouco mais sobre o nosso povo, suas tradições, seu modo de vida, enfim, sobre o jeito de

ser mineiro. O conhecimento dessas manifestações tradicionais pode despertar interesse

de pessoas de todo o Brasil e do mundo, alavancando os serviços turísticos nas cidades pesquisadas e em seu entorno.

As festas em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e aos Santos Pretos podem e devem ser considerada como um patrimônio de nosso povo. Conhecer e registrar os fundamentos da manifestação, as hi(e)stórias dos grupos por meio de suas memórias, certamente irá contribuir para o desenvolvimento patrimonial, histórico, cultural, social e turístico onde ela se faz presente, além de ser uma possibilidade de conhecermos um pouco mais sobre nós mesmos e a sociedade em que vivemos.

No documento Anais III Colóquio Festas e Socialidades (páginas 172-174)