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Ao longo do presente texto a cidade por vezes aparece como sujeito e os moradores como objeto. Esse fato não é casual. A cidade é objeto do trabalho humano, que parece às pessoas como algo autônomo a que eles se submetem. A cidade como mercadoria se comporta como qualquer outro objeto que, sob o capitalismo, incorpora o “caráter místico da mercadoria” (MARX, 2013, p. 146): esconde as relações sociais que a produzem. Assim, qualidades socialmente determinadas aparecem como se fossem inerentes àquele objeto e não como produtos históricos das relações humanas. Em outros termos, a cidade, sob o capital, é alienada. Ainda que sejam os humanos que façam a sua história e a sua cidade, sob o capitalismo, eles o fazem de forma alienada.

Em tal processo, podemos falar que a produção capita- lista do espaço é fundamentalmente uma negação do direito à cidade, e que tal negação é uma das manifestações da questão social, inerente à dinâmica capitalista. As cidades, contudo, também são lócus para outras manifestações desse mesmo aspecto, como é o caso da população em situação de rua. Esse fenômeno, essencialmente urbano, não é homogêneo e se mani- festa de acordo com as próprias condições históricas em que as cidades se desenvolvem, de forma articulada a outros aspectos da estruturação capitalista, como a dinâmica do mercado de trabalho.

É possível concluir, a partir das discussões feitas no presente texto, da produção do urbano capitalista, especial- mente no estágio em que a ideologia neoliberal avança, que há um duplo movimento articulando a PSR e a dinâmica urbana: por um lado, há um descarte de excedentes. Esse descarte é

inerente e parte dessa dinâmica, por isso não deve ser confun- dido com exclusão. Ao mesmo tempo em que imprime esse movimento, por outro lado, a cidade absorve a PSR como parte de sua constituição, compondo um fenômeno que faz parte da dinâmica de reprodução urbana. Concomitantemente à sua negação como cidadãos e invisibilização, as pessoas em situação de rua se tornam alvo moral preferencial da ideologia burguesa (os que não deram certo por ausência de esforço ou compe- tência, a partir da ética do trabalho). A marca da indignidade se associa à exposição pública a partir de uma visibilização perversa, que coloca a PSR como fenômeno naturalizado e que, no limite, é incorporada ao sistema produtivo de forma extre- mamente precarizada, mas suficiente para movimentar nichos de acumulação de capital a partir da dinâmica das cidades.

Dessa maneira, no plano do direito burguês, a garantia do direito à cidade passa por garantir à PSR o acesso à moradia, ao trabalho, à saúde, à possibilidade de ocupar o espaço público sem ser alvo de violência etc. Entretanto, sendo a produção capitalista do espaço reprodutora da alienação da cidade, da qual a PSR é parte como manifestação mais radical e, ainda, sendo a PSR uma manifestação necessária das contradições do capital, a efetiva superação dessa condição só é possível na medida em que não seja mais necessária, para a organização social, a produção do excedente humano. Isso não é viável sob relações sociais capitalistas. Por fim, justamente por mostrarem vividamente as contradições da produção do espaço urbano, as lutas pela cidade e pelos direitos da PSR podem e devem viabilizar formas mais dignas de experienciar o urbano, mas sobretudo abrir espaço para a produção de outra cidade, produ- zida sob outras relações.

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E DO COBERTOR

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